O dilema sobre o uso de celulares nas escolas é mais profundo do que parece. À primeira vista, pode ser reduzido a uma questão de ordem prática: proibir ou liberar? No entanto, ele toca em questões filosóficas fundamentais sobre o papel da tecnologia, a educação e a formação do ser humano. Ao discutir o tema, devemos perguntar não apenas “o que é mais eficiente?”, mas também “o que é mais humano?”.
O Celular como Ferramenta ou Distração
O filósofo Martin Heidegger nos alerta que a
tecnologia não é apenas um conjunto de ferramentas, mas uma forma de revelar o
mundo. Um celular na mão de um estudante não é apenas um aparelho; é uma janela
para o mundo digital, um espaço que compete diretamente com o ambiente físico
da sala de aula. Enquanto o professor explica um conceito, o celular pode
sussurrar convites mais sedutores: vídeos, mensagens, memes.
Libertar o uso do celular sem critérios pode
transformar a sala de aula em um espaço de dispersão. Contudo, proibi-lo
completamente pode ser uma negação da realidade contemporânea. Como equilibrar?
Talvez a resposta resida naquilo que Paulo Freire chamaria de educação
dialógica: não impor regras de cima para baixo, mas envolver os estudantes em
uma discussão sobre o uso ético e responsável da tecnologia.
O Paradoxo da Liberdade
Liberar o uso do celular é um gesto de confiança e
autonomia, mas será que os jovens estão preparados para exercer essa liberdade?
Isaiah Berlin nos lembra que existem duas concepções de liberdade: a positiva
(autonomia para tomar decisões conscientes) e a negativa (ausência de
restrições externas). Liberar o celular sem ensinar o estudante a usá-lo
conscientemente é cair na armadilha da liberdade negativa: o aparelho deixa de
ser um meio para se tornar um fim.
A liberdade verdadeira, nesse contexto, exige
educação. Os jovens precisam entender que o celular é tanto um potencializador
do aprendizado quanto uma armadilha para a distração. Ensinar isso, entretanto,
é um desafio que recai sobre os professores, que já enfrentam sobrecargas em
suas funções.
A Educação e o Tempo
Outro aspecto fundamental é a relação entre o uso
do celular e o tempo. O filósofo Byung-Chul Han critica nossa era pela
fragmentação da atenção e pela constante aceleração. O celular, com suas
notificações incessantes, insere os jovens em um ritmo que pode ser antagônico
à essência da educação, que requer paciência, reflexão e atenção plena.
Proibir o celular na sala de aula pode ser uma
tentativa de proteger os estudantes desse tempo fragmentado. Por outro lado,
integrar o celular como ferramenta pedagógica — aplicativos de aprendizado,
pesquisas guiadas, aulas interativas — pode ensinar os jovens a reconciliar
tecnologia e atenção, formando cidadãos mais conscientes do uso do tempo.
O Caminho do Meio
A solução para o dilema talvez esteja em um
equilíbrio entre proibição e liberdade. Inspirando-se na ética aristotélica,
podemos buscar a virtude do meio-termo: não o uso irrestrito, nem a proibição
total, mas um uso mediado pela reflexão e pelo contexto. O celular poderia ser
permitido em momentos específicos, sob regras claras e com objetivos
pedagógicos bem definidos.
Além disso, é essencial promover o diálogo entre
professores, estudantes e famílias. A criação de contratos sociais sobre o uso
do celular — como acordos para desligá-lo em momentos cruciais ou limitar as
notificações — pode reforçar a responsabilidade coletiva.
O debate sobre celulares nas escolas não deve ser
visto apenas como uma questão prática, mas como um convite para refletirmos
sobre os valores que desejamos cultivar na educação. Ao decidir se liberamos ou
não o celular, estamos, na verdade, decidindo que tipo de seres humanos
queremos formar: consumidores passivos da tecnologia ou cidadãos críticos e
autônomos?
A resposta, portanto, não está em uma proibição ou
liberação simplista, mas em um projeto educacional que integre tecnologia,
ética e reflexão. Afinal, como diria Paulo Freire, “ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua
construção”. Que o celular, então, seja uma possibilidade, e não um obstáculo.
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