Nas redes sociais, tudo parece uma dança coreografada de interesses mútuos. Eu finjo que me importo com o seu café da manhã, você finge que se interessa pela nova planta da minha varanda. Por trás dessas interações, surge a pergunta incômoda: será que estamos nos conectando ou apenas encenando?
A
troca de trivialidades nas redes sociais pode parecer superficial, mas talvez
revele algo mais profundo sobre a natureza humana. Em um mundo digital onde o
alcance da comunicação é ilimitado, escolhemos compartilhar e consumir o banal.
Fotos de comida, piadas prontas, um pôr do sol que já vimos mil vezes. Por que
isso nos atrai?
O
Teatro da Trivialidade
Platão,
em seu famoso mito da caverna, descreveu prisioneiros que tomam sombras
projetadas na parede como realidade. No palco das redes sociais, as
trivialidades desempenham o papel dessas sombras. Elas não são a realidade
plena, mas representações, fragmentos escolhidos que projetamos para criar uma
versão controlada de nós mesmos.
Esse
teatro da trivialidade, no entanto, tem suas regras. Ao "curtir" a
foto de alguém ou comentar um "lindo dia", seguimos um pacto social
implícito. Fingimos interesse naquilo que talvez não nos importe para manter o
fluxo das interações. É um jogo de aparências que mantém o algoritmo vivo e a
ilusão de conexão intacta.
Trivialidades
e a Busca por Reconhecimento
Georg
Simmel, sociólogo e filósofo alemão, argumentava que a interação social é
movida pela busca por reconhecimento. Mesmo as trivialidades publicadas nas
redes sociais carregam esse desejo. Quando alguém posta uma foto aparentemente
banal, como uma xícara de café, está pedindo, ainda que indiretamente:
"Veja-me, perceba-me, diga que eu existo."
Mas
há um paradoxo aqui. Enquanto as redes sociais oferecem um espaço para sermos
vistos, essa visibilidade é tão fugaz quanto o scroll infinito. A próxima foto
ou vídeo enterra o reconhecimento que parecia tão importante há segundos. Será
que a trivialidade compartilhada não é apenas uma tentativa de preencher o
vazio deixado por essa efemeridade?
O
Valor do Banal
Hannah
Arendt, ao discutir o conceito de "ação" na esfera pública, destacou
que a verdadeira conexão humana exige autenticidade. Em contraste, a banalidade
das redes parece substituir essa autenticidade por performances superficiais.
Ainda assim, talvez exista um valor oculto nessas trivialidades.
Ao
compartilhar o comum, encontramos um terreno neutro, acessível a todos. Pode
parecer superficial comentar sobre o clima ou um meme engraçado, mas essas
trocas podem criar uma base de pertencimento. Elas funcionam como os rituais do
cotidiano — gestos simples que sustentam o tecido social.
Superficialidade
e o Caráter
Paradoxalmente,
o hábito da superficialidade acaba moldando o caráter. Quanto mais nos
habituamos a interagir de forma rasa, mais internalizamos essa lógica como um
modo de ser. O que começa como um comportamento socialmente condicionado se
torna profundamente arraigado, transformando nossas interações triviais em uma
segunda natureza. A prática constante da superficialidade reflete e reforça um
caráter que prioriza a aparência em detrimento da essência, criando uma
armadilha onde as profundezas humanas são sufocadas pela superfície brilhante
das telas.
Trivialidades
Como Escapismo
Outro
aspecto das trivialidades nas redes é seu papel como escapismo. Em um mundo
marcado por crises, desigualdades e pressões constantes, há conforto em falar
sobre algo pequeno e inofensivo. Um vídeo de um gato engraçado pode não mudar o
mundo, mas oferece uma pausa das angústias existenciais.
Epicuro,
filósofo grego que valorizava os prazeres simples, talvez visse nas redes
sociais um reflexo do desejo humano por momentos de leveza. Embora ele nos
alertasse sobre os perigos de buscar satisfação em coisas externas, as
trivialidades podem, paradoxalmente, oferecer alívio.
Estamos
Realmente Conectados?
Ao
final, a questão essencial persiste: estamos nos conectando ou apenas fingindo?
Talvez a resposta resida na forma como usamos as redes. Se as trivialidades
forem apenas um pretexto para manter as aparências, elas podem se tornar um
espelho vazio. Mas, se as enxergarmos como uma porta de entrada para conversas
mais profundas e significativas, elas podem adquirir um valor que transcende
sua banalidade aparente.
Assim,
ao fingir interesse nas suas trivialidades e você nas minhas, talvez estejamos
simplesmente expressando nosso desejo humano de pertencer, de sermos vistos e
de ver o outro, ainda que por trás das sombras de uma tela. O problema não está
nas trivialidades em si, mas na profundidade com que nos permitimos enxergar
além delas.
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