Existe uma tênue linha entre a confiança saudável e o espetáculo da autoestima que se aproxima de um tribunal: quem ostenta uma infernal autoestima parece um advogado de si mesmo, aplaudindo suas próprias causas como se estivesse na defesa do indefensável. Esse fenômeno, marcado por um misto de arrogância e dissimulação, não apenas desafia a ética, mas também flerta com a má-fé. Jean-Paul Sartre, o filósofo existencialista, já nos alertava sobre os perigos de nos escondermos atrás de papéis que inventamos para enganar os outros — e a nós mesmos.
A Performance da Grandeza
No cotidiano, encontramos exemplos dessa infernal
autoestima em diversas situações. É o colega de trabalho que transforma cada
mínima conquista em um épico pessoal; a influencer que vive no palco virtual,
fabricando momentos de perfeição para justificar a própria relevância; ou até o
amigo que, em cada conversa, tenta provar que está sempre certo, mesmo quando
os fatos dizem o contrário.
Essa exaltação do "eu" funciona como uma
máscara. Quem exibe essa autoestima exacerbada frequentemente sente a
necessidade de afirmar a própria importância, como se temesse que, ao relaxar a
guarda, os outros (ou ele mesmo) percebessem suas fragilidades. Sartre descreve
esse comportamento como má-fé: a tentativa de fugir da liberdade e da
responsabilidade de sermos quem realmente somos, preferindo um papel que nos
conforta.
Má-Fé: Defender-se de Si Mesmo
Na má-fé sartreana, o indivíduo mente para si mesmo
ao se apresentar como algo que não é, mas ainda assim acredita na própria
mentira. A infernal autoestima é, nesse sentido, um teatro de autoengano. Quem
advoga em causa própria não está necessariamente tentando enganar os outros,
mas proteger sua visão inflada de si mesmo — uma visão que, ironicamente, pode
ser frágil como vidro.
Por exemplo, imagine um artista cuja obra não
encontra reconhecimento. Em vez de aceitar a crítica como parte do aprendizado,
ele proclama que é um gênio incompreendido, defendendo-se com um discurso que o
coloca acima de qualquer análise. A autoestima, nesse caso, torna-se um escudo
que impede o crescimento.
O Espelho da Sociedade
Essa exacerbação do "eu" não acontece no
vácuo. Vivemos em uma era que incentiva a autopromoção, onde redes sociais
recompensam aqueles que projetam imagens de sucesso e felicidade. Assim, a
infernal autoestima se alimenta da aprovação externa, criando um ciclo vicioso:
quanto mais se exibe, mais se depende dessa validação para sustentar o
personagem criado.
Nesse contexto, a filósofa brasileira Marilena
Chaui poderia apontar para a "alienação do eu", na qual perdemos a
noção de quem somos ao nos colocarmos como mercadorias em um mercado simbólico.
A infernal autoestima, portanto, não é apenas um problema pessoal, mas um
reflexo de uma sociedade que valoriza mais a aparência do que a essência.
Superar o Inferno
Sair desse ciclo de má-fé exige coragem e
humildade. Reconhecer que somos imperfeitos, que temos fragilidades, é
libertador. Não há necessidade de advogar em causa própria quando entendemos
que o verdadeiro valor não precisa ser provado — ele se manifesta naturalmente,
sem espetáculo.
A infernal autoestima, no fundo, é um grito de
desespero, uma tentativa de preencher um vazio existencial com a validação dos
outros. O antídoto para esse inferno é a autenticidade: aceitar-se como somos,
com nossos triunfos e fracassos, sem precisar de aplausos para validar nossa
existência. Afinal, como diria Sartre, estamos condenados a ser livres — e a
liberdade só existe quando nos libertamos da má-fé.
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