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terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Infernal Autoestima

Existe uma tênue linha entre a confiança saudável e o espetáculo da autoestima que se aproxima de um tribunal: quem ostenta uma infernal autoestima parece um advogado de si mesmo, aplaudindo suas próprias causas como se estivesse na defesa do indefensável. Esse fenômeno, marcado por um misto de arrogância e dissimulação, não apenas desafia a ética, mas também flerta com a má-fé. Jean-Paul Sartre, o filósofo existencialista, já nos alertava sobre os perigos de nos escondermos atrás de papéis que inventamos para enganar os outros — e a nós mesmos.

A Performance da Grandeza

No cotidiano, encontramos exemplos dessa infernal autoestima em diversas situações. É o colega de trabalho que transforma cada mínima conquista em um épico pessoal; a influencer que vive no palco virtual, fabricando momentos de perfeição para justificar a própria relevância; ou até o amigo que, em cada conversa, tenta provar que está sempre certo, mesmo quando os fatos dizem o contrário.

Essa exaltação do "eu" funciona como uma máscara. Quem exibe essa autoestima exacerbada frequentemente sente a necessidade de afirmar a própria importância, como se temesse que, ao relaxar a guarda, os outros (ou ele mesmo) percebessem suas fragilidades. Sartre descreve esse comportamento como má-fé: a tentativa de fugir da liberdade e da responsabilidade de sermos quem realmente somos, preferindo um papel que nos conforta.

Má-Fé: Defender-se de Si Mesmo

Na má-fé sartreana, o indivíduo mente para si mesmo ao se apresentar como algo que não é, mas ainda assim acredita na própria mentira. A infernal autoestima é, nesse sentido, um teatro de autoengano. Quem advoga em causa própria não está necessariamente tentando enganar os outros, mas proteger sua visão inflada de si mesmo — uma visão que, ironicamente, pode ser frágil como vidro.

Por exemplo, imagine um artista cuja obra não encontra reconhecimento. Em vez de aceitar a crítica como parte do aprendizado, ele proclama que é um gênio incompreendido, defendendo-se com um discurso que o coloca acima de qualquer análise. A autoestima, nesse caso, torna-se um escudo que impede o crescimento.

O Espelho da Sociedade

Essa exacerbação do "eu" não acontece no vácuo. Vivemos em uma era que incentiva a autopromoção, onde redes sociais recompensam aqueles que projetam imagens de sucesso e felicidade. Assim, a infernal autoestima se alimenta da aprovação externa, criando um ciclo vicioso: quanto mais se exibe, mais se depende dessa validação para sustentar o personagem criado.

Nesse contexto, a filósofa brasileira Marilena Chaui poderia apontar para a "alienação do eu", na qual perdemos a noção de quem somos ao nos colocarmos como mercadorias em um mercado simbólico. A infernal autoestima, portanto, não é apenas um problema pessoal, mas um reflexo de uma sociedade que valoriza mais a aparência do que a essência.

Superar o Inferno

Sair desse ciclo de má-fé exige coragem e humildade. Reconhecer que somos imperfeitos, que temos fragilidades, é libertador. Não há necessidade de advogar em causa própria quando entendemos que o verdadeiro valor não precisa ser provado — ele se manifesta naturalmente, sem espetáculo.

A infernal autoestima, no fundo, é um grito de desespero, uma tentativa de preencher um vazio existencial com a validação dos outros. O antídoto para esse inferno é a autenticidade: aceitar-se como somos, com nossos triunfos e fracassos, sem precisar de aplausos para validar nossa existência. Afinal, como diria Sartre, estamos condenados a ser livres — e a liberdade só existe quando nos libertamos da má-fé.


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