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terça-feira, 27 de maio de 2025

Essência Viva

Vamos pensar sobre o Que De Fato Importa na Vida Para Que a Vida Seja Bem Vivida

É curioso como passamos boa parte da vida organizando as gavetas erradas. Dobramos roupas que não vamos usar, colecionamos diplomas que não dizem quem somos, alimentamos relações que não nos reconhecem. Vivemos, muitas vezes, em modo automático, presos numa coreografia repetitiva de compromissos e obrigações. Mas a grande pergunta — talvez a única realmente importante — permanece em silêncio no fundo do peito: o que, afinal, importa para que a vida seja bem vivida?

I. A Importância de Perguntar

Comecemos do começo. Antes de qualquer resposta, há o valor da pergunta. Só perguntar já é um sinal de despertar. A maioria das pessoas não se pergunta, apenas reage. E o problema de não se perguntar é que se acaba vivendo uma vida de segunda mão — feita de expectativas herdadas, desejos encomendados, conquistas que valem só para os outros.

Sócrates, o velho teimoso da Ágora, já dizia: “Uma vida não examinada não vale a pena ser vivida.” Talvez porque viver sem examinar é como atravessar uma floresta de olhos vendados — até se pode caminhar, mas não se sabe se está indo para o alto de uma montanha ou para dentro de um pântano.

II. Importa Ter ou Ser?

Vivemos sob a tirania do ter: ter dinheiro, ter sucesso, ter seguidores, ter um corpo “ideal”, ter controle. Mas se a vida bem vivida se resumisse ao acúmulo, os milionários seriam os mais felizes — e não são. Basta conversar com um deles em um momento de insônia. No fundo, o “ter” é um suporte frágil demais para sustentar o peso da existência.

Já o “ser” — esse é silencioso, mas profundo. Ser gentil quando ninguém está olhando. Ser curioso diante do desconhecido. Ser fiel ao que se ama, mesmo que dê trabalho. Ser inteiro naquilo que se faz, mesmo que seja apenas lavar a louça. Ser é quando deixamos de representar um papel e começamos a dançar a própria música.

III. A Importância das Pequenas Coisas

Um erro comum é achar que uma vida bem vivida precisa ser grandiosa, espetacular, cinematográfica. Mas talvez a vida boa esteja no ritmo das coisas pequenas: o cheiro do café pela manhã, o riso de um filho, a escuta atenta de um amigo, a caminhada sem rumo num fim de tarde. O filósofo japonês Daisetsu Suzuki dizia que o zen está em “fazer uma coisa de cada vez, com plena atenção”.

A vida que vale a pena não se mede em feitos, mas em presença. E estar presente, hoje, é quase um ato de rebeldia. Quantos de nós estão realmente onde estão?

IV. A Importância de Pertencer

Ser humano é também ser parte. Ninguém vive bem isolado. Precisamos de uma rede — de afetos, de significados, de escuta. Não se trata apenas de ter amigos, mas de saber partilhar a existência: dores, alegrias, silêncio.

Maurice Merleau-Ponty dizia que a carne do mundo é comum — somos feitos da mesma matéria que tocamos. Por isso, a vida bem vivida precisa de vínculos, mas vínculos livres, e não prisões afetivas. Laços que fortalecem, não que sufocam.

V. A Importância de Morrer um Pouco

Estranho, talvez, dizer isso. Mas viver bem implica morrer um pouco ao longo do caminho. Morrer para antigos eus. Morrer para verdades que já não nos servem. Morrer para identidades que se tornaram cárceres. A impermanência, como diz o budismo, é o tecido da existência.

A vida boa, então, é aquela em que aprendemos a soltar, em vez de acumular. Soltar medos, padrões, ilusões. O que fica, depois que tudo cai, é o que importa.

VI. E Afinal, o Que Importa?

Importa viver com sentido, mais do que com sucesso. Importa sentir, mais do que vencer. Importa ser presença, mais do que performance.

Importa olhar para trás, um dia, e perceber que não fomos apenas passageiros, mas que fomos inteiros em nossos amores, escolhas, silêncios. Que tropeçamos com dignidade. Que nos reinventamos quando necessário. Que, acima de tudo, fomos fiéis àquilo que dava brilho ao nosso olhar.

Como escreveu Fernando Pessoa pela boca de seu heterônimo Ricardo Reis:
“Para ser grande, sê inteiro: nada / Teu exagera ou exclui. / Sê todo em cada coisa. Põe quanto és / No mínimo que fazes.”

E talvez seja isso. Uma vida bem vivida não é aquela que teve tudo, mas aqui e agora.


sexta-feira, 28 de março de 2025

Essência e Existência

Sabe aquele momento em que você se olha no espelho e se pergunta: "Eu sou mesmo quem acho que sou?" Ou quando, no meio de uma conversa, surge o pensamento estranho: "E se eu simplesmente não existisse?" Essas perguntas que parecem brotar de uma mente inquieta já atormentavam filósofos há séculos. E um dos que mais se debruçou sobre essa questão foi Avicena (Ibn Sina), o grande pensador persa do século XI.

Avicena estabeleceu uma distinção fundamental entre essência e existência. Para ele, a essência de algo (o que uma coisa é) e sua existência (o fato de que ela é) são separadas. A essência de um cavalo, por exemplo, não implica que ele existe de fato – ele poderia apenas ser uma ideia na mente de alguém. Isso significa que a existência não está automaticamente contida na essência de um ser contingente; para existir, ele precisa receber a existência de algo que já existe por si mesmo.

Aqui entra o conceito de Ser Necessário, uma das contribuições mais marcantes de Avicena. Se tudo no mundo precisa receber a existência de algo anterior, então deve haver um ser cuja existência não dependa de nada – um ser que seja existência pura, sem distinção entre essência e existência. Esse Ser Necessário, para Avicena, é Deus. Sem Ele, nada mais poderia existir, pois tudo o que encontramos no mundo é contingente, ou seja, poderia não existir.

O impacto dessa ideia foi profundo na filosofia ocidental. Tomás de Aquino, por exemplo, absorveu e reelaborou a distinção entre essência e existência em sua própria filosofia, influenciando séculos de pensamento cristão. No entanto, o que torna Avicena tão inovador é a sua abordagem quase matemática do problema: ele raciocina como um lógico rigoroso, deduzindo as implicações metafísicas do ser de maneira metódica.

Agora, voltemos àquela olhada no espelho. Se seguirmos Avicena, a pergunta "quem sou eu?" ganha novos contornos. Não basta apenas saber nossa essência (ser humano, pensante, consciente), mas entender que nossa existência não é garantida por nós mesmos. Em última análise, existimos porque algo nos concedeu essa existência. Somos, de certo modo, dependentes do Ser Necessário – como notas musicais que só ressoam porque há um instrumento para tocá-las.

Esse pensamento nos leva a uma reflexão mais profunda sobre a nossa posição no universo. Se nossa existência é recebida, qual é o propósito dessa concessão? E se a essência não garante a existência, até que ponto podemos afirmar que somos donos de nossa própria realidade?

Em tempos de identidades fluidas e realidades virtuais, a separação entre essência e existência pode ser mais relevante do que nunca. Afinal, será que nossa essência se mantém quando nos projetamos para o mundo digital? Ou será que o simples ato de existir em um espaço virtual altera a essência do que somos? Se Avicena estivesse aqui hoje, talvez se perguntasse: "O avatar de um indivíduo no metaverso tem essência ou apenas existência temporária?" Questões que, mil anos depois, continuam assombrando nossa busca por sentido.