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segunda-feira, 7 de julho de 2025

Falsamente Simples

Sabe aquela ideia que parece óbvia, mas, quando você começa a pensar sobre ela, percebe que é um labirinto? Como tentar explicar para uma criança por que o céu é azul ou por que o tempo parece passar mais rápido quando estamos nos divertindo. Essas perguntas parecem simples, até que tentamos realmente respondê-las. Esse é o terreno do "falsamente simples".

Muitas das questões mais complexas da filosofia e da vida se escondem sob uma aparente simplicidade. A verdade, a liberdade, a felicidade, a justiça — conceitos que usamos diariamente sem pensar muito. Mas basta um pequeno desvio do uso corriqueiro para que essas palavras se tornem armadilhas conceituais. O que é a verdade? Será que liberdade significa apenas a ausência de restrição? Podemos realmente definir felicidade sem cairmos em uma sucessão infinita de perguntas?

No cotidiano, a ilusão do "falsamente simples" se manifesta de várias formas. Pense em um conselho popular como "siga seu coração". Parece fácil, até que nos damos conta de que o coração não fala uma língua clara, e o que sentimos nem sempre está em sintonia com a realidade. Ou então o clássico "conhece-te a ti mesmo", atribuído a Sócrates. Parece um mandamento direto, mas quem já tentou de fato se conhecer sabe que isso envolve camadas de ilusão, autoengano e descobertas que podem ser desconfortáveis.

Filósofos e pensadores sempre desconfiaram do que é aparentemente simples. Ludwig Wittgenstein, por exemplo, mostrou como a linguagem que usamos no dia a dia carrega ambiguidades escondidas, e como ideias que parecem transparentes podem, na verdade, estar cheias de armadilhas lógicas. Já Merleau-Ponty nos lembra que a própria percepção é um fenômeno enganoso — aquilo que vemos como natural e imediato é, na verdade, um processo cheio de interpretações inconscientes.

A armadilha do "falsamente simples" está em todos os lugares. Nos relacionamentos, onde um gesto pequeno pode ter significados ocultos; na política, onde soluções rápidas quase sempre ignoram a complexidade das causas; na ciência, onde até o conceito de um "fato" pode ser discutido em termos filosóficos.

Talvez o verdadeiro sinal de inteligência não seja dar respostas rápidas, mas suspeitar daquilo que parece simples demais. Como dizia Leonardo da Vinci: "A simplicidade é o último grau da sofisticação". Mas até chegar lá, precisamos aprender a navegar o labirinto do falsamente simples.


segunda-feira, 28 de abril de 2025

Falso Mundo

 

...na Visão Budista: um Ensaio Filosófico com Pé no Chão

Outro dia, esperando minha vez na fila do banco, observei um senhor discutindo com o caixa sobre centavos que "sumiram" da conta. A irritação dele era tamanha que parecia brigar com a própria existência. E ali, parado, me ocorreu: será que a gente não briga mais com as ilusões do que com os fatos? Será que a maioria das nossas preocupações não são como sombras que tomamos por objetos? Nesse instante, lembrei do que o budismo chama de maya: o falso mundo.

O teatro da ilusão

No budismo, a ideia de falso mundo é tão central quanto o sofrimento. Maya não é apenas ilusão no sentido de algo mágico ou miragem. É a própria estrutura de como percebemos o mundo. Vemos solidez onde há fluxo. Vemos identidade onde há mutação. Vemos posse onde há impermanência.

Essa ilusão não é um defeito da realidade, mas um véu na mente. A gente constrói castelos com tijolos feitos de desejo, aversão e ignorância — os três venenos. Por isso o mundo que construímos com esses materiais acaba nos engolindo. O sofrimento é consequência direta de acreditar que o mundo falso é o mundo real.

A rua, o celular e a insatisfação constante

Você já notou como ficamos incomodados quando o Wi-Fi cai? Ou quando o Uber demora? Ou quando o feed do Instagram "não tem nada de novo"? Esse incômodo revela o quanto estamos colados em representações que tomamos por realidade. São camadas de maya: aplicativos que prometem conexão, mas nos afastam do instante. Notícias que informam, mas também inflamam. Perfis que mostram vidas que talvez nem existam fora do enquadramento da câmera.

O falso mundo não é apenas o que está fora. Ele é o dentro também — esse monte de pensamento automático, comparação inútil e memória distorcida que carregamos como verdades absolutas.

O copo que não segura água

A filosofia budista vai direto ao ponto: tudo é impermanente. Tudo que nasce, morre. Tudo que é composto, se desfaz. Ao perceber isso, a ideia de um mundo sólido, estável, previsível, começa a ruir. E isso pode ser libertador.

Imagine alguém tentando encher um copo com fundo furado. É isso que fazemos quando queremos extrair estabilidade de algo que, por natureza, muda. Relações, status, objetos, até mesmo o corpo. O sofrimento aparece não porque essas coisas mudam, mas porque a gente espera que não mudem.

E se o mundo falso fosse só um convite?

Mas aqui vem o pulo do gato: o budismo não propõe negação da vida, nem fuga para um mosteiro (a não ser que você queira). A visão budista do falso mundo é mais como um convite para ver além. Não se trata de rejeitar tudo, mas de perceber: "ah, isso é só forma, isso é só sensação, isso é só pensamento".

Quando você vê o falso mundo como falso, ele não te prende mais. Ele continua existindo — o trânsito, o chefe difícil, a conta de luz — mas agora você não é arrastado com tanta força. Você atua no mundo, mas não se confunde com ele.

Um comentário do mestre N. Sri Ram

O pensador indiano N. Sri Ram, presidente da Sociedade Teosófica no século XX, comentou em seu livro "O Verdadeiro e o Falso" que "a libertação não é fugir do mundo, mas ver claramente através dele". Ele não falava de rejeitar a experiência, mas de atravessá-la com sabedoria, com um olhar que distingue essência de aparência.

Sri Ram insistia que a verdade não é uma coisa que se adiciona à vida, mas algo que se revela quando removemos os filtros da ilusão. Para ele, a clareza da mente é mais importante que qualquer teoria. E é justamente essa clareza que nos permite viver no mundo sem sermos dele.

Não acordar, mas despertar

Então, talvez a gente não precise acordar de um sonho, mas despertar dentro dele. Reconhecer que o mundo em que vivemos é moldado por interpretações, por projeções, e que há uma liberdade sutil escondida entre uma notificação de celular e outra.

Da próxima vez que você se irritar na fila do banco ou se sentir derrotado por um comentário online, lembre: talvez não seja o mundo te atacando, mas o falso mundo tentando te convencer de que ele é o único. Respire fundo. Observe. E talvez, por um instante, você veja a fresta da realidade por onde entra o sol.