Pesquisar este blog

Mostrando postagens com marcador budista. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador budista. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Falso Mundo

 

...na Visão Budista: um Ensaio Filosófico com Pé no Chão

Outro dia, esperando minha vez na fila do banco, observei um senhor discutindo com o caixa sobre centavos que "sumiram" da conta. A irritação dele era tamanha que parecia brigar com a própria existência. E ali, parado, me ocorreu: será que a gente não briga mais com as ilusões do que com os fatos? Será que a maioria das nossas preocupações não são como sombras que tomamos por objetos? Nesse instante, lembrei do que o budismo chama de maya: o falso mundo.

O teatro da ilusão

No budismo, a ideia de falso mundo é tão central quanto o sofrimento. Maya não é apenas ilusão no sentido de algo mágico ou miragem. É a própria estrutura de como percebemos o mundo. Vemos solidez onde há fluxo. Vemos identidade onde há mutação. Vemos posse onde há impermanência.

Essa ilusão não é um defeito da realidade, mas um véu na mente. A gente constrói castelos com tijolos feitos de desejo, aversão e ignorância — os três venenos. Por isso o mundo que construímos com esses materiais acaba nos engolindo. O sofrimento é consequência direta de acreditar que o mundo falso é o mundo real.

A rua, o celular e a insatisfação constante

Você já notou como ficamos incomodados quando o Wi-Fi cai? Ou quando o Uber demora? Ou quando o feed do Instagram "não tem nada de novo"? Esse incômodo revela o quanto estamos colados em representações que tomamos por realidade. São camadas de maya: aplicativos que prometem conexão, mas nos afastam do instante. Notícias que informam, mas também inflamam. Perfis que mostram vidas que talvez nem existam fora do enquadramento da câmera.

O falso mundo não é apenas o que está fora. Ele é o dentro também — esse monte de pensamento automático, comparação inútil e memória distorcida que carregamos como verdades absolutas.

O copo que não segura água

A filosofia budista vai direto ao ponto: tudo é impermanente. Tudo que nasce, morre. Tudo que é composto, se desfaz. Ao perceber isso, a ideia de um mundo sólido, estável, previsível, começa a ruir. E isso pode ser libertador.

Imagine alguém tentando encher um copo com fundo furado. É isso que fazemos quando queremos extrair estabilidade de algo que, por natureza, muda. Relações, status, objetos, até mesmo o corpo. O sofrimento aparece não porque essas coisas mudam, mas porque a gente espera que não mudem.

E se o mundo falso fosse só um convite?

Mas aqui vem o pulo do gato: o budismo não propõe negação da vida, nem fuga para um mosteiro (a não ser que você queira). A visão budista do falso mundo é mais como um convite para ver além. Não se trata de rejeitar tudo, mas de perceber: "ah, isso é só forma, isso é só sensação, isso é só pensamento".

Quando você vê o falso mundo como falso, ele não te prende mais. Ele continua existindo — o trânsito, o chefe difícil, a conta de luz — mas agora você não é arrastado com tanta força. Você atua no mundo, mas não se confunde com ele.

Um comentário do mestre N. Sri Ram

O pensador indiano N. Sri Ram, presidente da Sociedade Teosófica no século XX, comentou em seu livro "O Verdadeiro e o Falso" que "a libertação não é fugir do mundo, mas ver claramente através dele". Ele não falava de rejeitar a experiência, mas de atravessá-la com sabedoria, com um olhar que distingue essência de aparência.

Sri Ram insistia que a verdade não é uma coisa que se adiciona à vida, mas algo que se revela quando removemos os filtros da ilusão. Para ele, a clareza da mente é mais importante que qualquer teoria. E é justamente essa clareza que nos permite viver no mundo sem sermos dele.

Não acordar, mas despertar

Então, talvez a gente não precise acordar de um sonho, mas despertar dentro dele. Reconhecer que o mundo em que vivemos é moldado por interpretações, por projeções, e que há uma liberdade sutil escondida entre uma notificação de celular e outra.

Da próxima vez que você se irritar na fila do banco ou se sentir derrotado por um comentário online, lembre: talvez não seja o mundo te atacando, mas o falso mundo tentando te convencer de que ele é o único. Respire fundo. Observe. E talvez, por um instante, você veja a fresta da realidade por onde entra o sol.

domingo, 20 de abril de 2025

Koan Zen

Outro dia, fui fechar a janela do quarto e notei que o vento tinha espalhado umas folhas pelo chão. Nada demais. Só que, enquanto recolhia as folhas, uma pergunta estalou na mente como se tivesse vindo com o vento: “Qual era o meu rosto antes de eu nascer?”. Simplesmente assim, sem cerimônia. Parei com a folha na mão, como quem segura um enigma. E aí me lembrei: isso é um koan.

Os koans são aquelas perguntas malucas (mas estranhamente lúcidas) do Zen budismo, feitas para arrebentar as amarras da lógica comum. Tipo: “Qual o som de uma palma só?” ou “Se você encontrar o Buda pelo caminho, mate-o.” Não é poesia, nem enigma para decifrar com inteligência. É mais como uma pedrinha lançada no lago da mente — o objetivo não é responder, mas desinstalar o programa racional.

O enigma que não quer resposta

Koans não têm respostas claras. E é exatamente isso que os torna tão potentes. Eles não querem ser compreendidos, querem ser vividos. Como uma crise existencial às três da manhã. Como um pôr do sol que te faz chorar sem saber por quê.

Diferente dos dilemas da filosofia ocidental, que muitas vezes tentam organizar o pensamento e encontrar uma saída lógica, os koans são implosões. Eles colocam a gente diante de um limite — o ponto em que o raciocínio tropeça. E nesse tropeço, abre-se o chão. Quem cai, acorda. Pelo menos é o que dizem os mestres Zen.

Koan no cotidiano: a contradição que revela

Imagine que você está esperando um ônibus que está sempre atrasado. Vem aquela raiva. Você pensa: “Por que sempre comigo?” — e já começa a se armar contra o mundo. Mas, de repente, alguém do lado diz: “O ônibus chega quando você parar de esperar.” Parece piada, mas é quase um koan. É uma afirmação que não quer te consolar, mas quebrar o eixo da sua espera ansiosa. E se o ônibus, ou qualquer outra coisa, só chega quando a gente se esvazia da expectativa?

Um amigo me contou que, quando estava se recuperando de uma separação, uma senhora japonesa da vizinhança disse apenas: “O bambu entorta, mas não quebra.” Ele riu, achou bonito, mas só meses depois entendeu. Não com a mente, mas com o corpo, com o tempo, com o sentir.

Filosofia do absurdo lúcido

Dá pra pensar os koans como aquilo que o filósofo francês Albert Camus chamaria de “o absurdo”. Mas ao invés de se angustiar com o silêncio do universo, o Zen sorri para ele. O koan é esse sorriso, desconcertante e silencioso.

O brasileiro Huberto Rohden, em sua ponte entre mística oriental e filosofia ocidental, falava da necessidade de uma “inteligência intuitiva”, capaz de perceber além dos conceitos. Os koans vivem exatamente aí — onde a mente se rende, e o coração começa a ouvir.

Quando o koan vira espelho

A mágica (ou o terror) de um koan é que ele sempre devolve a pergunta pra você. “Quem está ouvindo este som?” “Quem você é quando não está sendo ninguém?” — São perguntas que não apontam para fora, mas fazem o espelho se transformar em abismo.

E talvez o mais inovador seja isso: o koan é uma anti-filosofia que filosofa por choque, por quebra, por vazio. É como se dissesse: “Enquanto você tentar entender, não vai perceber.” É um chamado para estar, não para saber.

Conclusão? Nem pensar.

No espírito dos koans, talvez o melhor seja terminar este ensaio com um vazio. Ou com outra pergunta:

Se você fechar os olhos agora, onde você está?

Talvez a resposta venha com o vento. Ou com a folha que escapou pela janela.


quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Monismo

Uma Realidade, Muitas Visões

Já aconteceu de você tentar resolver um problema e perceber que estava lidando com muitas variáveis ao mesmo tempo? No fim, às vezes, a resposta mais simples é que tudo faz parte de uma única coisa maior. Essa intuição está no coração do monismo, uma doutrina filosófica que propõe que toda a realidade pode ser reduzida a um princípio único e fundamental. Mas essa ideia tem ramificações profundas, que atravessam a metafísica, a ciência e até mesmo a espiritualidade.

O Monismo na Filosofia

Historicamente, o monismo se contrapõe ao dualismo, que defende a existência de duas substâncias ou princípios fundamentais, como corpo e mente, matéria e espírito. O monismo rejeita essa divisão e sugere que tudo se origina de uma única essência.

Podemos dividir o monismo em três grandes vertentes:

   Monismo Materialista: Defende que toda a realidade é composta exclusivamente de matéria e que a mente é apenas um fenômeno emergente das interações materiais. Essa ideia se alinha com o fisicalismo contemporâneo e é sustentada por muitos cientistas.

    Monismo Idealista: Postula que a realidade é fundamentalmente mental ou espiritual. Essa linha de pensamento foi defendida por filósofos como George Berkeley, que argumentava que o mundo material é apenas uma percepção da mente.

   Monismo Neutro: Sugere que tanto a matéria quanto a mente são manifestações de uma realidade subjacente que não é nem exclusivamente física nem exclusivamente mental. Esse conceito foi desenvolvido por Spinoza e, mais tarde, por Bertrand Russell.

Monismo e a Ciência

O monismo também influencia a ciência. A física moderna, por exemplo, busca uma teoria unificada que explique todas as forças fundamentais do universo em um único princípio. A biologia, por sua vez, trata a vida como uma continuidade entre organismos e ambientes, rejeitando divisões absolutas entre diferentes formas de existência.

Na neurociência, o monismo materialista tem sido a linha dominante, pois os estudos do cérebro mostram que estados mentais podem ser correlacionados a atividades neurais, sugerindo que não existe uma substância mental separada da física.

Monismo na Espiritualidade

Curiosamente, muitas tradições espirituais também são monistas. O Advaita Vedanta, no hinduísmo, ensina que toda a realidade é Brahman, uma consciência única que se manifesta de formas diferentes. O budismo, especialmente na vertente do Zen, também sugere que as distinções entre "eu" e "outro" são ilusórias e que tudo está interconectado.

Tudo é Um?

Seja na filosofia, na ciência ou na espiritualidade, o monismo desafia nossa tendência a dividir o mundo em categorias separadas. Ele nos convida a pensar na realidade como um todo interligado, sem fronteiras definitivas entre mente e matéria, sujeito e objeto. Talvez, no fim das contas, essa perspectiva nos ajude a compreender melhor a unidade subjacente da existência.