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quarta-feira, 12 de março de 2025

O Dormidor

O Sono da Existência

Às vezes, vejo certas pessoas e me pergunto: será que elas estão realmente acordadas? Andam, falam, trabalham, discutem política no bar, reclamam da vida, mas há algo ausente no olhar. Como se vivessem em um estado de sonambulismo existencial, repetindo gestos automáticos sem jamais despertarem para si mesmas. Chamo essa figura de o dormidor – não aquele que apenas dorme à noite, mas aquele que faz do próprio viver um sono profundo.

O Sono da Consciência

Platão, em sua alegoria da caverna, nos apresentou prisioneiros acorrentados, vendo sombras na parede e acreditando que aquilo era toda a realidade. O dormidor é uma versão moderna desses prisioneiros, mas sem correntes visíveis. Suas algemas são feitas de rotina, distração e conformismo. Ele não questiona, não se inquieta, não percebe o absurdo da vida ou a beleza do instante. Apenas segue o fluxo, como um rio que já esqueceu que pode desaguar no oceano.

Sri Ram, em O Pensamento Vivo de Krishnamurti, sugere que há uma diferença entre ver e realmente enxergar. O dormidor olha o mundo, mas não vê. Ele lê frases motivacionais, mas nunca desperta para o real significado. Vive como um animal domesticado pelo cotidiano, onde tudo se repete sem variação significativa.

O Sonho do Dormidor

Mas o dormidor também sonha. E esse é o seu maior problema. Ele se ilude com sonhos emprestados, vendidos a ele como verdades absolutas: a carreira de sucesso, a casa perfeita, o status, a falsa segurança. Seu sonho não é uma aventura, mas um roteiro previsível. Ele corre, se cansa, e no final percebe que estava dormindo o tempo todo. O despertar, quando acontece, vem tarde demais – um vislumbre fugaz antes da noite definitiva.

Nietzsche, ao falar do eterno retorno, perguntaria ao dormidor: se tivesse que viver essa mesma vida infinitas vezes, sem mudar nada, isso lhe daria alegria ou desespero? A resposta diria muito sobre o seu grau de adormecimento.

Repetição e Alienação

John Locke pode ser conectado ao tema do dormidor através de sua teoria do conhecimento e da identidade pessoal. Ele acreditava que a mente humana nasce como uma tábula rasa – uma folha em branco que vai sendo preenchida pelas experiências sensoriais e pela reflexão.

O dormidor, nesse sentido, seria aquele que não usa sua experiência para construir um pensamento próprio, vivendo de forma passiva, sem refletir criticamente sobre o que recebe do mundo. Ele aceita tradições, normas e verdades sem questionamento, como se sua mente nunca tivesse saído da inércia do estado inicial.

Além disso, Locke defendia que a identidade pessoal se baseia na continuidade da consciência ao longo do tempo. Mas e se essa consciência está adormecida? O dormidor seria alguém cuja identidade se dissolve na repetição e na alienação, vivendo sem realmente formar uma noção própria de si.

Assim, aplicar Locke ao tema do dormidor nos leva a uma reflexão sobre a responsabilidade de despertar para a própria existência e o perigo de viver apenas como uma página escrita por outros.

O Despertar Possível

O que desperta alguém? Talvez um abalo – uma perda, um encontro, uma pergunta inesperada. Às vezes, basta um instante de silêncio, um raio de lucidez cortando a névoa, para que o dormidor perceba que sua vida não é apenas um ciclo mecânico. Ele descobre, então, que sempre houve uma porta para fora do labirinto. Apenas nunca se perguntou se deveria abrir.

O risco, claro, é que despertar pode ser assustador. De repente, tudo o que parecia certo se desfaz. E agora? Como seguir sem as muletas que sustentavam sua sonolência? Mas é só na vigília que se vive de verdade.

Talvez seja essa a escolha fundamental da existência: continuar dormindo, confortável em ilusões, ou despertar – mesmo que a luz do dia revele verdades desconfortáveis.


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Tabula Rasa

Certa manhã, ao atravessar a cidade ainda despertando, vi um homem caminhando com o olhar perdido, como se estivesse preso em um sonho do qual não conseguia acordar. Não era um caso clínico de sonambulismo, mas algo mais sutil: uma forma de existir no mundo sem realmente estar nele. Era como se sua mente fosse uma folha em branco sobre a qual nunca escreveram nada, ou pior, um quadro que alguém insiste em apagar todos os dias.

A metáfora da "tábula rasa" percorre a história da filosofia há séculos. Da concepção aristotélica, passando por John Locke, até as críticas contemporâneas, a ideia de que nascemos como uma página em branco sobre a qual a experiência escreve é, ao mesmo tempo, libertadora e inquietante. Se somos apenas o resultado das influências externas, então onde está nossa autonomia? E se, ao invés de protagonistas, fôssemos apenas sonâmbulos perambulando por narrativas que nunca escolhemos?

O mundo moderno, saturado de informações, paradoxalmente não nos desperta, mas nos mantém em um estado de sonambulismo existencial. Movemo-nos pelas ruas, ocupamos funções, consumimos conteúdos, mas muitas vezes sem verdadeira reflexão. A tábula rasa não é mais aquela superfície pura e receptiva, mas uma lousa onde os algoritmos, a publicidade e as pressões sociais apagam e reescrevem incessantemente o que acreditamos ser. Quem somos, afinal, quando tudo ao redor dita o que devemos desejar, temer e amar?

A teoria da tábula rasa foi frequentemente criticada por sugerir uma maleabilidade extrema da mente humana, como se fôssemos meros recipientes esperando ser preenchidos. Steven Pinker, por exemplo, argumenta que a neurociência e a genética desmontam essa visão simplista: não somos apenas moldados pelo ambiente, há predisposições inatas que influenciam nossa forma de agir e pensar. Mas mesmo que admitamos essa mistura de biologia e experiência, a questão persiste: o quanto de nossas vidas é vivido conscientemente e o quanto é apenas repetição de padrões introjetados?

Talvez o problema não seja apenas a tábula rasa, mas o estado sonâmbulo em que nos encontramos. É fácil aceitar as estruturas impostas quando se está entorpecido, quando não se faz perguntas. O filósofo Theodor Adorno criticava essa passividade ao afirmar que a indústria cultural transforma indivíduos em consumidores dóceis, incapazes de resistência crítica. E se nossa apatia não fosse uma escolha, mas o efeito de uma programação constante, como um quadro negro apagado antes que qualquer pensamento se torne permanente?

Despertar desse estado exige esforço, exige perguntar-se sobre o que realmente se pensa e por quê. Requer coragem para desafiar as histórias que nos contam sobre nós mesmos e para reivindicar a autoria da própria existência. Talvez nunca sejamos páginas totalmente em branco, mas também não precisamos aceitar que sejam outros a escrever por nós. O desafio é sair desse sonambulismo e aprender a empunhar a própria pena.


sábado, 13 de abril de 2024

Tabula Rasa

Você já parou para pensar como tudo que você sabe hoje foi um dia apenas um vazio esperando para ser preenchido? Parece meio maluco, né? Mas é isso que a teoria da tabula rasa nos diz. Imagine sua mente como uma lousa em branco, pronta para ser preenchida com todas as cores e formas do mundo ao seu redor. É essa a ideia que tem intrigado filósofos, psicólogos e até mesmo nós, seres comuns, há séculos.

A história dessa ideia remonta a nomes famosos como o filósofo britânico John Locke, que lá no século XVII lançou a bomba: nós nascemos sem saber de nada! Nenhuma pista, nenhum conhecimento prévio. É como se estivéssemos todos começando o jogo do zero.

E não é difícil de acreditar, certo? Pense nas crianças ao seu redor. Elas estão constantemente absorvendo informações, aprendendo palavras novas, descobrindo o mundo ao seu redor. Não é à toa que dizem que a infância é a fase mais importante da vida, quando estamos mais abertos a absorver tudo quase como uma esponjinha.

Mas vamos dar uma olhada em como isso funciona no dia a dia. Imagine um bebê. Ele nasce sem saber o que é um cachorro, uma árvore, ou até mesmo o próprio rosto. Mas aos poucos, vai reconhecendo essas coisas através da experiência sensorial: sentindo o cheiro do cachorro, tocando a textura da árvore, vendo seu próprio reflexo no espelho. É assim que a lousa vai sendo preenchida, uma experiência de cada vez.

A tabula rasa também tem suas ramificações na educação. Pense nos professores como os artistas que ajudam a preencher essa lousa. Eles têm o desafio de tornar o aprendizado divertido e envolvente, porque estão lidando com mentes em branco sedentas por conhecimento. Eles precisam encontrar maneiras criativas de ensinar, de fazer com que cada lição seja uma nova pincelada no quadro da mente.

Mas, é claro, nem todo mundo concorda com essa ideia. Alguns argumentam que há certas coisas que já nascemos sabendo, como instintos básicos de sobrevivência, ou até mesmo predisposições genéticas para certos talentos. Eles apontam para estudos que mostram que, mesmo desde muito jovens, os seres humanos parecem ter uma compreensão intuitiva de certos conceitos.

No fim das contas, a tabula rasa é mais do que apenas uma teoria acadêmica. É uma ideia que nos faz refletir sobre a natureza da mente humana, sobre como aprendemos e nos desenvolvemos ao longo da vida. Então, da próxima vez que olhar para uma criança brincando inocentemente, lembre-se: ela está construindo seu próprio mundo, um traço de cada vez, em uma lousa em branco chamada mente humana.

Uma situação adicional em que podemos mencionar a tabula rasa é ao discutir a formação de opiniões e crenças ao longo da vida. Assim como nossa mente é uma lousa em branco no nascimento, nossa visão de mundo também pode ser considerada inicialmente como uma "tábula rasa", esperando para ser preenchida com ideias, valores e crenças.

Pense em alguém que está sendo exposto a diferentes pontos de vista sobre um determinado assunto, como política, religião ou meio ambiente. Inicialmente, essa pessoa pode não ter uma opinião formada sobre o tema e está aberta a aprender e absorver informações.

Conforme ela é exposta a diferentes perspectivas, argumentos e experiências, sua mente começa a processar essas informações e a formar suas próprias opiniões e crenças. Cada nova informação recebida é como uma peça de quebra-cabeça sendo colocada na lousa em branco da mente, contribuindo para a formação de uma visão mais completa e complexa do mundo.

Essa ideia da mente como uma "tábula rasa" na formação de opiniões também pode ser aplicada em debates contemporâneos sobre polarização política e tribalismo. Às vezes, as pessoas podem ficar presas em bolhas sociais ou filtrar informações de acordo com suas crenças preexistentes, impedindo-as de ver a "tábula rasa" como uma oportunidade para aprender e crescer através da exposição a diferentes perspectivas.

Ao discutir como formamos nossas opiniões e crenças ao longo da vida, podemos mencionar a tabula rasa como uma metáfora poderosa para ilustrar a mente como um receptáculo inicialmente vazio, pronto para ser preenchido com as experiências e influências do mundo ao nosso redor.