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quarta-feira, 16 de julho de 2025

Vaidades Ridículas

O Tempo Leva o Que Nunca Foi Nosso

Tem dias que a gente acorda se olhando no espelho com um estranhamento leve, como quem revê um parente distante. Aquela ruga nova, o cabelo que já não obedece, a pele que grita por descanso. E, mesmo sem querer, lembramos das fotos antigas, dos corpos que tivemos ou desejamos ter, dos elogios recebidos e dos silêncios constrangedores. É nesse jogo entre aparência e memória que as vaidades ridículas se escondem — vaidades que o tempo, com sua elegância implacável, vai retirando de cena.

O corpo como vitrine social

O corpo humano, talvez mais que qualquer outro elemento visível da nossa existência, foi sequestrado pela cultura. O que deveria ser abrigo e expressão da individualidade virou produto, vitrine, símbolo de status. Modelos sociais de beleza mudam com a velocidade de um clique: o que ontem era invejado, hoje é ultrapassado, e o que hoje é tendência, amanhã será ridículo.

Na década de 50, a silhueta curvilínea era o auge do desejo. Nos anos 90, os corpos magérrimos dominaram. Hoje, a beleza se mistura com performance: é preciso estar em forma, mas sem parecer que se esforça demais. É o culto ao “natural trabalhado”, onde tudo é artificial, mas tem que parecer espontâneo. Uma simulação de leveza num sistema pesado.

A vaidade como sintoma de pertencimento

Mais do que vaidade, trata-se de pertencimento. Moldar-se ao ideal vigente é uma forma de não desaparecer. Quando seguimos os padrões, não apenas buscamos reconhecimento — buscamos evitar o abandono simbólico. Quem não é belo segundo os padrões corre o risco de ser ignorado, de se tornar invisível. E invisibilidade social é uma das formas mais cruéis de exclusão.

Há uma radicalidade silenciosa — e por vezes brutal — nas mutilações modernas feitas em nome da beleza. Corpos cortados, costurados, preenchidos, raspados, esvaziados ou inflados, numa busca angustiada por pertencimento estético. O bisturi, que antes era símbolo de reparo, tornou-se ferramenta de reconfiguração da identidade. Mamas retiradas e recolocadas, costelas removidas, narizes moldados como se fossem argila, pele esticada até que perca a expressão. O que deveria ser autocuidado vira autonegação. É a dor disfarçada de estética, a cirurgia plástica como ritual de passagem para um ideal que, paradoxalmente, é cada vez mais inatingível. A mutilação aqui não é só física — é simbólica: apaga-se a história do próprio corpo para caber numa moldura inventada por algoritmos e publicidades.

O tempo como libertador

O tempo é o grande destruidor de ilusões. Não porque ele castiga o corpo — mas porque ele revela o quão frágeis são as nossas referências. A beleza da juventude envelhece. O rosto que ditava moda vira meme. O ícone de ontem se torna caricatura.

É curioso pensar que, com o tempo, algumas pessoas ganham uma beleza que antes não tinham: a beleza de quem não precisa mais provar nada. O sorriso mais solto, a roupa mais confortável, a presença mais inteira. Como escreveu Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se mulher” — e talvez não se nasce belo, mas se aprende a habitar o próprio corpo com dignidade e calma.

O novo olhar: o corpo que fala

Um ensaio sociológico inovador sobre beleza precisa levar em conta que estamos, hoje, diante de uma multiplicidade de corpos e estéticas que desafiam os modelos antigos. A internet abriu espaço para vozes que antes eram marginalizadas: corpos gordos, pretos, trans, maduros, marcados por cicatrizes ou doenças, todos ganhando voz e visibilidade.

Essa revolução silenciosa não elimina a tirania dos padrões, mas a questiona. Há um deslocamento importante: da beleza imposta para a beleza assumida. Uma estética do eu, e não do dever ser.

A autoestima como construção interna

Entre a negação do corpo imposto e o acolhimento do corpo real, há um espaço de reconstrução: o da autoestima ativa. Fazer algo por si — mudar o corte de cabelo, praticar uma atividade física, cuidar da alimentação, dançar, vestir-se com liberdade, fazer terapia — pode ser profundamente transformador. Quando esses gestos partem de um desejo genuíno de bem-estar e não da vergonha de si, eles se tornam potências de afirmação. A autoestima verdadeira não nasce do espelho, mas do encontro consigo mesmo, da aceitação gradual da própria história. Cuidar-se, então, deixa de ser obediência estética e vira celebração íntima.

A vaidade que resta

Não há problema em gostar do que é belo, em querer parecer melhor. O problema está em se tornar escravo disso. O tempo não destrói a vaidade — ele peneira. Vai retirando as vaidades ridículas e deixando apenas aquelas que nos tornam mais humanos, mais leves, mais honestos com nós mesmos.

Como escreveu o filósofo brasileiro N. Sri Ram, em A Natureza da Beleza:

"A beleza verdadeira é aquela que revela o íntimo, não a que o encobre."

E talvez seja esse o ponto: que o tempo nos leve tudo que encobre. E nos deixe, enfim, com o que somos.

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Infernal Autoestima

Existe uma tênue linha entre a confiança saudável e o espetáculo da autoestima que se aproxima de um tribunal: quem ostenta uma infernal autoestima parece um advogado de si mesmo, aplaudindo suas próprias causas como se estivesse na defesa do indefensável. Esse fenômeno, marcado por um misto de arrogância e dissimulação, não apenas desafia a ética, mas também flerta com a má-fé. Jean-Paul Sartre, o filósofo existencialista, já nos alertava sobre os perigos de nos escondermos atrás de papéis que inventamos para enganar os outros — e a nós mesmos.

A Performance da Grandeza

No cotidiano, encontramos exemplos dessa infernal autoestima em diversas situações. É o colega de trabalho que transforma cada mínima conquista em um épico pessoal; a influencer que vive no palco virtual, fabricando momentos de perfeição para justificar a própria relevância; ou até o amigo que, em cada conversa, tenta provar que está sempre certo, mesmo quando os fatos dizem o contrário.

Essa exaltação do "eu" funciona como uma máscara. Quem exibe essa autoestima exacerbada frequentemente sente a necessidade de afirmar a própria importância, como se temesse que, ao relaxar a guarda, os outros (ou ele mesmo) percebessem suas fragilidades. Sartre descreve esse comportamento como má-fé: a tentativa de fugir da liberdade e da responsabilidade de sermos quem realmente somos, preferindo um papel que nos conforta.

Má-Fé: Defender-se de Si Mesmo

Na má-fé sartreana, o indivíduo mente para si mesmo ao se apresentar como algo que não é, mas ainda assim acredita na própria mentira. A infernal autoestima é, nesse sentido, um teatro de autoengano. Quem advoga em causa própria não está necessariamente tentando enganar os outros, mas proteger sua visão inflada de si mesmo — uma visão que, ironicamente, pode ser frágil como vidro.

Por exemplo, imagine um artista cuja obra não encontra reconhecimento. Em vez de aceitar a crítica como parte do aprendizado, ele proclama que é um gênio incompreendido, defendendo-se com um discurso que o coloca acima de qualquer análise. A autoestima, nesse caso, torna-se um escudo que impede o crescimento.

O Espelho da Sociedade

Essa exacerbação do "eu" não acontece no vácuo. Vivemos em uma era que incentiva a autopromoção, onde redes sociais recompensam aqueles que projetam imagens de sucesso e felicidade. Assim, a infernal autoestima se alimenta da aprovação externa, criando um ciclo vicioso: quanto mais se exibe, mais se depende dessa validação para sustentar o personagem criado.

Nesse contexto, a filósofa brasileira Marilena Chaui poderia apontar para a "alienação do eu", na qual perdemos a noção de quem somos ao nos colocarmos como mercadorias em um mercado simbólico. A infernal autoestima, portanto, não é apenas um problema pessoal, mas um reflexo de uma sociedade que valoriza mais a aparência do que a essência.

Superar o Inferno

Sair desse ciclo de má-fé exige coragem e humildade. Reconhecer que somos imperfeitos, que temos fragilidades, é libertador. Não há necessidade de advogar em causa própria quando entendemos que o verdadeiro valor não precisa ser provado — ele se manifesta naturalmente, sem espetáculo.

A infernal autoestima, no fundo, é um grito de desespero, uma tentativa de preencher um vazio existencial com a validação dos outros. O antídoto para esse inferno é a autenticidade: aceitar-se como somos, com nossos triunfos e fracassos, sem precisar de aplausos para validar nossa existência. Afinal, como diria Sartre, estamos condenados a ser livres — e a liberdade só existe quando nos libertamos da má-fé.