Em algum momento da vida, você já cruzou com alguém que justificou suas atitudes reprováveis como resultado das circunstâncias? “Eu precisava fazer isso para sobreviver.” Talvez seja o colega que passou por cima de todos no trabalho para garantir uma promoção, ou aquele amigo que vendeu um segredo por conveniência. Não estamos falando do canalha que age por prazer na maldade, mas daquele que se sente compelido pelas exigências da vida. Esse é o “canalha por necessidade”.
A ideia de ser canalha por necessidade desafia a
ética de forma fascinante. Afinal, quando o “necessário” se torna uma
justificativa moral? Sartre, em O Existencialismo é um Humanismo, nos lembra
que “o homem está condenado a ser livre”. Em outras palavras, mesmo nas
circunstâncias mais adversas, somos agentes de nossas escolhas. Para Sartre,
usar a necessidade como desculpa é tentar escapar da responsabilidade de
existir.
Mas e se olharmos pela lente de Hannah Arendt? Em
sua análise sobre o mal banal, ela descreve como as pessoas comuns podem
cometer atrocidades apenas por se submeterem à “necessidade” do sistema.
Arendt, contudo, alerta que essa normalização da canalhice cotidiana é o que
perpetua a destruição de laços humanos fundamentais.
O Cotidiano e a Necessidade
Voltemos aos exemplos diários. Pense no funcionário
que aceita manipular dados para manter o emprego. Ele pode até se convencer de
que está fazendo isso para sustentar a família. Contudo, ao agir assim, ele
reforça uma cultura de desonestidade que prejudica todos. Então, é realmente a
necessidade que justifica, ou a falta de coragem para buscar alternativas?
Ou considere um estudante que cola na prova porque
não teve tempo de estudar. A pressão é enorme: notas altas são necessárias para
o futuro. Mas será que a “necessidade” não esconde a incapacidade de enfrentar
as consequências do fracasso?
Um Comentário de Paulo Freire
Paulo Freire, em Pedagogia da Autonomia, fala da
importância de uma ética do respeito pelo outro. Ele argumenta que a liberdade
sem responsabilidade é vazia. No contexto do canalha por necessidade, Freire
talvez perguntasse: “Que tipo de liberdade é essa que sobrevive à custa do
próximo?” Para ele, a verdadeira liberdade surge na solidariedade, não na
justificação do egoísmo.
O Canalha e a Superação
Embora seja fácil julgar, é preciso lembrar que
todos somos passíveis de nos tornarmos canalhas por necessidade. A fome, o medo
e a exclusão podem levar qualquer um a escolhas moralmente duvidosas. O desafio
ético está em resistir. Gandhi dizia que “há suficiente no mundo para as
necessidades de todos, mas não para a ganância de todos”. Assim, talvez a
resposta esteja em distinguir o que é realmente necessário do que é
conveniente.
Ser canalha por necessidade é um dilema humano e
filosófico. Cabe a cada um de nós decidir se a necessidade é desculpa
suficiente para comprometer a própria humanidade. Afinal, o que resta de nós
quando justificamos o injustificável?