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domingo, 22 de dezembro de 2024

Acreditar Pela Metade

Acreditar pela metade é uma atitude que habita a zona cinzenta entre o ceticismo e a fé, entre o "sim" completo e o "não" absoluto. Trata-se de uma postura que nos convida a investigar o espaço onde a confiança vacila e onde a dúvida se insinua. Mas o que significa, realmente, acreditar pela metade? E o que essa condição revela sobre nós mesmos e sobre o mundo que habitamos?

O Espaço da Dúvida

Na prática cotidiana, acreditar pela metade pode se manifestar em situações simples, como confiar parcialmente em um amigo que já nos decepcionou ou acreditar em uma proposta de trabalho que parece boa demais para ser verdade. Nesses momentos, estamos simultaneamente abertos e fechados, criando uma barreira interna que nos protege, mas que também nos isola.

O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard sugeriu que a fé verdadeira é um salto no desconhecido, um compromisso total com algo que transcende a razão. Quando acreditamos pela metade, nos recusamos a dar esse salto; ficamos presos na borda do penhasco, hesitando entre o medo de cair e a promessa de voar.

A Sociedade e a Crença Fragmentada

No contexto social, acreditar pela metade é quase uma norma. As redes sociais, por exemplo, nos expõem a uma avalanche de informações que rapidamente consumimos e descartamos. Compartilhamos manchetes, mas raramente lemos o conteúdo. Acreditamos apenas o suficiente para validar nossas opiniões, mas não o bastante para mudar nossas perspectivas. Esse fenômeno é descrito pelo filósofo brasileiro Milton Santos, que alerta sobre a superficialidade das conexões em um mundo globalizado e fragmentado.

Essa crença fragmentada pode ser vista como uma defesa contra a sobrecarga de informações. Afinal, é impossível dedicar nossa confiança plena a tudo o que vemos ou ouvimos. No entanto, esse hábito também nos torna cínicos, desconfiados e, às vezes, incapazes de nos engajarmos profundamente com algo ou alguém.

Acreditar Pela Metade e o Eu

No plano pessoal, acreditar pela metade muitas vezes reflete uma luta interna. Quando não confiamos plenamente em nossas capacidades ou em nossos sonhos, nos tornamos espectadores de nossas próprias vidas. Ficamos à margem, aguardando uma prova definitiva de que é seguro avançar. Hannah Arendt, ao discutir a condição humana, enfatizou que a ação é o que define o ser humano no mundo. Mas, para agir, é necessário acreditar, ao menos por um momento, que o que fazemos importa.

O Que Fazer com a Metade?

Acreditar pela metade pode ser visto tanto como uma limitação quanto como um convite. Por um lado, nos impede de experimentar a totalidade de uma ideia, de uma relação ou de uma escolha. Por outro, nos permite manter um pé no chão enquanto exploramos novas possibilidades. Talvez a questão não seja eliminar a crença parcial, mas aprender a usá-la como uma ponte para algo maior.

O filósofo e educador Rubem Alves costumava dizer que a dúvida é a mãe da sabedoria, pois nos mantém curiosos e dispostos a aprender. Assim, acreditar pela metade não precisa ser um estado permanente, mas um estágio transitório, uma pausa reflexiva antes do próximo passo.

Acreditar pela metade é, em essência, um reflexo da nossa condição humana: ambígua, insegura e constantemente em busca de sentido. Reconhecer essa dualidade pode nos ajudar a navegar melhor pelos dilemas da vida, cultivando a coragem de dar saltos de fé quando necessário e a paciência de permanecer na incerteza quando prudente. Afinal, como disse Fernando Pessoa, "Tudo vale a pena, se a alma não é pequena." E, às vezes, até acreditar pela metade já é um começo.


sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Mito de Aristófanes


Quem diria que uma antiga fábula grega poderia ter tanto a nos dizer sobre o complicado e muitas vezes confuso mundo do amor e da busca pela nossa "outra metade". Aristófanes, o mestre das comédias, nos presenteou com uma história hilária, mas cheia de significado. O mito que vamos dar aquela viajada filosófica, faz parte do diálogo "O Banquete" (Symposium) de Platão, afinal o mito nunca aconteceu, mas sempre existiu, mesmo que os mitos não sejam eventos que ocorreram no passado, sua influência e importância persistem ao longo do tempo, moldando as perspectivas das sociedades e indivíduos. Essa abordagem reconhece a dimensão simbólica e cultural dos mitos, destacando sua relevância contínua na experiência humana.

Vamos nos imaginar (gosto muito disto) numa época em que éramos redondos, criaturas com quatro pernas, quatro braços e duas cabeças. Éramos completos, inteiros, mas, como tudo na vida, tínhamos que dar uma escorregada. Desafiando os deuses, fomos divididos ao meio, separados da nossa metade original. Diz a lenda que os humanos, cheios de orgulho, desafiaram os deuses. Em resposta a essa insolência, os deuses decidiram que era hora de dar uma lição, e que lição! A separação em duas metades deveria ser o castigo perfeito, a dor da separação é inevitável, ela se torna parte integrante do tecido da experiência humana, guiando-nos em direção à busca pelo que foi perdido. Assim, essas criaturas outrora completas, redondas e exuberantes, foram cortadas ao meio, transformando a unidade em dualidade.

A ironia é que, ao mesmo tempo em que os deuses puniam, também criavam a condição para uma busca eterna pela reunificação. Essa divisão provocou uma busca incansável por aquela outra metade perdida, um desejo profundo de restaurar a plenitude original. E assim, a zanga dos deuses se transformou em uma jornada mágica e tumultuada para os seres humanos, que passaram a buscar nos recantos mais remotos do mundo por algo que, no fundo, sempre esteve dentro deles.

Essa reviravolta na fábula de Aristófanes adiciona uma camada intrigante à história. É como se os deuses, em sua ira, inadvertidamente lançassem os humanos em uma aventura cósmica de autodescoberta e amor. Afinal, quem imaginaria que uma zanga divina poderia desencadear uma das mais belas e complexas narrativas sobre o desejo humano? Assim, enquanto sorrimos com a ironia da situação, somos levados a refletir sobre como, muitas vezes, é nas reviravoltas inesperadas que encontramos os tesouros mais valiosos da vida. Desde então, andamos por aí, meio desajeitados, à procura daquela parte perdida que nos tornará inteiros novamente.

A história é mais do que uma fábula engraçada e fantasiosa; é uma metáfora profunda sobre a busca incessante pela união e pela plenitude. Quantas vezes nos sentimos incompletos, como se algo vital nos faltasse? É como se cada um de nós estivesse em uma jornada cósmica para encontrar a pessoa que, de alguma forma, nos complementa de maneira única.

O interessante é como essa busca não se limita apenas a relacionamentos românticos. Ela se estende às amizades, à conexão com a comunidade e até mesmo à nossa relação com o mundo ao nosso redor. Estamos constantemente à procura de algo ou alguém que nos faça sentir que pertencemos, que nos encaixamos perfeitamente em um quebra-cabeça celestial. Não podemos negar que, por vezes, essa busca parece uma aventura digna de um épico grego. Encontramos obstáculos, enfrentamos desafios e, muitas vezes, descobrimos que a jornada é tão importante quanto a chegada. Talvez o propósito real seja aprender a ser completos por nós mesmos, antes de encontrarmos nossa tão sonhada metade perdida.

E se Aristófanes estivesse nos lembrando de que, na verdade, não precisamos ser redondos ou ter quatro braços para nos sentirmos inteiros? Talvez a verdadeira busca seja interior, uma jornada para nos conhecermos melhor, aceitarmos nossas próprias dualidades e abraçarmos nossa singularidade. Então, da próxima vez que nos sentirmos como protagonistas de uma busca épica, podemos nos lembrar da fábula de Aristófanes. Talvez a resposta para a plenitude não esteja lá fora, mas dentro de nós mesmos. E, quem sabe, ao encontrar nossa própria integridade, a outra metade perdida simplesmente apareça, tornando a jornada ainda mais extraordinária. Afinal, como dizem, a vida é uma grande história, e estamos todos buscando o nosso final feliz.

Então, meus amigos, que caminhada intrigante é essa em que nos encontramos, na busca incessante pela nossa outra metade! Talvez, ao invés de procurarmos por aí como se estivéssemos em um jogo de esconde-esconde cósmico, devamos virar a chave para dentro. Talvez a verdadeira completude resida não na busca por uma metade perdida, mas sim na aceitação de nós mesmos, na compreensão de nossas próprias dualidades. Então, que possamos abraçar a fábula de Aristófanes como um lembrete amigável de que a jornada para a plenitude começa conosco mesmos, e que, ao nos tornarmos inteiros, podemos descobrir que a outra metade já estava lá o tempo todo, esperando para se juntar a nós nesse grande espetáculo da vida.