Se perguntarmos o que é a verdade primeira, corremos o risco de tropeçar antes mesmo de começar. Afinal, toda busca pela verdade já implica que algo deve ser verdadeiro por natureza, ou pelo menos verdadeiro o suficiente para servir de ponto de partida. É como tentar levantar uma escada sem apoiar os pés no chão. Mas onde está o chão da verdade?
Os filósofos ao longo dos séculos tentaram
defini-lo. Platão talvez dissesse que a verdade primeira é o mundo das ideias,
aquela realidade superior onde as formas perfeitas residem, imutáveis e
eternas. Já Aristóteles, mais pé no chão, poderia argumentar que a verdade
primeira se encontra na substância das coisas, naquilo que permanece enquanto
outras características mudam. Ambos, no entanto, buscavam algo que não
dependesse de opiniões ou convenções humanas.
O Cotidiano e a Verdade Primeira
No dia a dia, raramente pensamos em verdades
primeiras. Estamos mais preocupados com verdades práticas: o ônibus que chega,
o relógio que marca a hora, a palavra de alguém em quem confiamos. Essas
verdades são úteis, mas frágeis. O ônibus pode atrasar, o relógio pode quebrar,
e as pessoas podem mentir. Quando essas verdades desmoronam, surge a pergunta
incômoda: há algo em que possamos confiar absolutamente?
Imagine um carpinteiro que trabalha todos os dias
com madeira. Ele não precisa filosofar sobre a verdade da madeira, mas confia
na sua dureza, na sua textura e na resistência ao martelo. Para ele, a
"verdade primeira" talvez seja essa relação direta com o material. No
entanto, se um dia a madeira se comportasse como água, toda a sua percepção e
habilidade seriam postas em xeque.
A Perspectiva da Filosofia
Descartes buscou uma verdade primeira na dúvida. Ao
questionar tudo, encontrou no ato de pensar a única certeza inabalável: cogito,
ergo sum (“penso, logo existo”). Para ele, a verdade primeira era a própria
existência do sujeito pensante. E quanto a nós? Poderíamos dizer que essa
verdade é suficiente?
Há quem argumente que a verdade primeira está além
da razão e do pensamento, algo mais próximo do que os místicos chamam de
"sentimento de ser". Para os budistas, por exemplo, a verdade
primeira não é um conceito fixo, mas uma experiência direta da realidade tal
como ela é, livre das ilusões criadas pela mente.
Um Convite à Reflexão
A verdade primeira talvez não seja algo que
possamos definir completamente. Talvez ela esteja mais próxima de uma intuição,
como o amanhecer silencioso que não exige explicações, ou o momento de profunda
conexão com algo maior do que nós mesmos. Ela pode ser encontrada nos detalhes
– na simplicidade de uma folha que cai ou no som de uma risada genuína.
Em última análise, a busca pela verdade primeira
pode ser mais importante do que encontrá-la. Como disse o filósofo brasileiro
Vilém Flusser, "a verdade é menos uma coisa a ser possuída e mais uma
direção a ser apontada". Então, seguimos em frente, com a esperança de
que, mesmo sem defini-la, possamos sentir que estamos no caminho certo.
E para você, onde mora a verdade primeira?