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domingo, 27 de fevereiro de 2022

Resenha Notas do Subsolo de Dostoiévski


 

O que diria Dostoiévski sobre atual líder (Putin), seu compatriota, a respeito de suas atitudes bélicas contra aqueles que supostamente não atendam seus interesses:

Em Notas do Subsolo encontramos resposta a questão como esta, ele diria que se o homem não se tornou mais sanguinário com a civilização, tornou-se, com certeza, um sanguinário pior, mais hediondo. Antes ele via no derramamento de sangue um modo de fazer justiça e com a consciência tranquila massacrava aqueles que julgava merece-lo; hoje, ainda que julguemos que derramar sangue seja uma torpeza, mesmo assim o praticamos, e ainda mais do que no passado.

 

  Fiódor Dostoiévski - 1821-1881

Ele complementaria: Eu, por exemplo, não me admiraria nada se, de repente, sem nenhum motivo, em meio ao futuro bom senso geral, surgisse um cavalheiro com um rosto nada nobre ou, melhor dizendo, com uma fisionomia retrógrada e zombeteira e, de mãos na cintura, dissesse a todos nós: e, então senhores, que tal um pontapé em todo esse bom senso e mandar esses logaritmos para o diabo para que possamos novamente viver segundo a nossa vontade idiota? E não acabaria nisso, pois o lamentável é que ele certamente encontraria seguidores: assim é o ser humano. E tudo isso por um motivo insignificante que não valeria a pena mencionar; precisamente pelo fato de que o homem, invariavelmente e em todo o lugar, quem quer que ele seja, sempre gostou de fazer o que ele quis, e não como mandam a razão e o interesse próprio; ele, inclusive, pode querer algo contra seus próprios interesses, e às vezes até deve indubitavelmente querê-lo. Sua vontade livre, um capricho seu, mesmo que seja o capricho mais estranho, uma fantasia sua, exacerbada às vezes até a loucura – eis a vantagem que é omitida, a vantagem mais vantajosa, que não se submete a nenhuma classificação e que manda para o diabo constantemente todos os sistemas e teorias. E de onde esses sabichões tiraram que o homem necessita não sei de que vontade normal, virtuosa? De onde partiu essa sua ideia de que o homem precisa ter obrigatoriamente uma vontade sensatamente vantajosa? O que o homem precisa é somente de uma vontade independente, custe ela o que custar e não importa aonde possa conduzir. Bom, essa vontade, o diabo conhece bem...

 

"Notas do Subsolo" é uma obra seminal do autor russo Fiódor Dostoiévski, publicada pela primeira vez em 1864. A novela apresenta um narrador não convencional e profundamente perturbador, cujas reflexões sobre a vida, a sociedade e a natureza humana desafiam as convenções literárias de sua época. O narrador, um homem amargurado e alienado, revela seus pensamentos e angústias em um monólogo interior intenso e intrincado. Ele se autodenomina "o homem do subsolo", representando uma espécie de anti-herói que se rebela contra as ideias predominantes da época, especialmente as filosofias racionalistas e utilitárias que defendem a racionalidade e a ordem social. Dentro de seu subterrâneo existencial, o protagonista tece críticas afiadas à sociedade, à razão e à noção de livre-arbítrio. Ele questiona as motivações por trás das ações humanas, desafiando a ideia de que somos seres racionais e previsíveis. Em vez disso, ele explora as profundezas sombrias da psique humana, onde as emoções, os impulsos irracionais e a vontade de poder reinam supremos.

 

Dostoiévski utiliza "Notas do Subsolo" como um veículo para explorar temas como alienação, liberdade, moralidade e a busca pelo significado na vida. A obra é um estudo profundo da condição humana, oferecendo insights perspicazes e provocativos sobre a natureza contraditória e complexa da existência. Em resumo, "Notas do Subsolo" é uma obra-prima da literatura russa e mundial, cuja influência perdura até os dias de hoje, desafiando leitores a confrontar as questões fundamentais sobre a vida e o ser humano.

 

Fonte:

Dostoiévski, Fiódor, 1821-1881 Notas do subsolo/Fiódor Dostoiévski: tradução do russo de Maria Aparecida Botelho Pereira Soares – Porto alegre, RS: L&PM, 2008.

 

Fonte:

Dostoiévski, Fiódor, 1821-1881 Notas do subsolo/Fiódor Dostoiévski: tradução do russo de Maria Aparecida Botelho Pereira Soares – Porto alegre, RS: L&PM, 2008.

 

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Portal do Dragão

No oceano há um local chamado Portal do Dragão, onde imensas ondas surgem incessantemente. Sem falta, todos os peixes que por aí passam se tornam dragões, misteriosamente. Suas escamas não mudam e seus corpos parecem os mesmos, mas se tornam dragões. As imensas ondas não são diferentes das de outros locais e a água também é água salgada comum.

O caminho do Zen é assim. Quem entrar num local de prática — embora este não seja especial — se tornará um ser iluminado.

 

 

Apenas um verdadeiro dragão reconhece outro dragão. Pode parecer uma pessoa comum, sem nada de especial, mas, se atravessou o portal sem portas do Zen, se seguiu os ensinamentos e continua praticando incessantemente, algo fundamental mudou.

Surpreendi-me recentemente ao abrir um livro que encontrei casualmente no aeroporto. Estava embrulhado em papel transparente e o comprei porque era fino e não seria pesado para carregar durante a viagem.

Era realmente um livro leve e profundo, que iniciava contando a história de Buda como exemplo de que só será possível a sobrevivência humana no planeta Terra se houver a mudança de consciência que o Zen propõe. Concordo plenamente. Espero que o maior número de pessoas possa atravessar o Portal do Dragão, meditar e penetrar o samádi dos samádis, despertar e, assim, sair do ser ou não ser para penetrar o Interser.

Que todos os seres se tornem iluminados.

 

Fonte: Coen, Monja 1947- 108 contos e parábolas orientais / Monja Coen. - 1. ed. - São Paulo : Planeta, 2015.

 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

As Desculpas (Sutra de Chuang Tzu)

Quando um homem pisa no pé de um estranho

No mercado,

Desculpa-se educadamente

E oferece uma explicação

“Este lugar está

Tão abarrotado de gente!”

 

Se um irmão mais velho

Pisa no pé do irmão mais moço,

Diz: “Desculpe!”

E fica por isso mesmo.

 

Quando um pai

Pisa no pé do filho,

Não lhe diz nada.

 

A mais perfeita polidez

Está livre de qualquer formalidade.

A perfeita conduta

Está livre de preocupação.

A perfeita sabedoria

Não é premeditada.

O perfeito amor

Dispensa demonstrações.

A perfeita sinceridade não oferece

Nenhuma garantia.

Conforme o pensamento de Osho, as desculpas são necessárias porque não há nenhum relacionamento, o outro é um estranho. A explicação é necessária porque não há amor. Se existe amor então não há necessidade de uma explicação, o outro vai compreender. Se existe amor, não há necessidade do pedido de desculpas, o outro vai entender — o amor sempre entende. Portanto, não há moral mais elevada do que o amor, não pode haver. O amor é a lei suprema, mas, se ele não estiver presente, então são necessários substitutos. Se alguém pisar no pé de um estranho no mercado, é necessário um pedido de desculpas e uma explicação também:

“Este lugar está

Tão abarrotado de gente!”

Em referência a isso, uma coisa tem de ser entendida. No Ocidente, até um marido ofereceria um pedido de desculpas, uma esposa ofereceria uma explicação. Isso significa que o amor desapareceu. Isso significa que todo mundo se tornou um estranho, que não existe mais um lar, todo lugar se tornou um mercado. No Oriente, é impossível conceber isso, mas acho que os ocidentais acham que os orientais são rudes. Um marido nunca irá dar uma explicação — não há necessidade, porque não somos estranhos e o outro pode compreender. Só quando o outro não consegue entender é que o pedido de desculpas é necessário. E, se o amor não pode entender, que bem um pedido de desculpas pode fazer?

Se o mundo tornar-se um lar, todas as desculpas vão desaparecer, todas as explicações vão desaparecer. Você dá explicações porque não está certo com relação ao outro. A explicação é um truque para evitar o conflito, o pedido de desculpas é um dispositivo para evitar conflitos. Mas o conflito está lá, e você tem medo dele.

Desculpas demais, desculpas de menos, afinal quando devemos pedir desculpas? Penso que sempre que julgarmos necessário, até mesmo para nossos amigos, irmãos e esposa, enfim, que seja espontaneamente, é um ato de atenção e ao mesmo de carinho, o pedido deve ser seguido do olhar nos olhos, não da forma banal como nossa sociedade utiliza esta palavra sem que ela tenha alguma importância.

Osho nos conta que ouviu falar de um aldeão simples, que tinha ido à cidade pela primeira vez. Na plataforma da estação, alguém pisou no pé dele e disse: “Desculpe.” Então ele entrou num hotel, alguém novamente trombou com ele e disse: “Desculpe!” Então ele entrou num teatro e alguém quase o derrubou, e disse: “Desculpe.”

O aldeão disse: “Isso é lindo, não conhecíamos esse truque. Faça o que quiser a qualquer um e peça desculpas!” Então ele esmurrou um homem que estava passando e disse: “Desculpe!”

É mais ou menos assim que nossa sociedade lida diariamente com suas mazelas, a banalização tirou a virtude da atitude de pedir desculpas!