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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A Lógica contra a Moral do Espertinho

 
Pensar em educação é necessária reflexão, a reflexão necessita de conhecimento que é adquirido a partir de muita pesquisa, leitura e estudo, a partir deste método a formação de idéias próprias podem surgir com maior consistência e coerência. Nesta construção de idéias inspiradas na inspiração e pensamento de filósofos que já fizeram o mesmo processo. Outros encontram dentro de si mesmos idéias originais, no entanto originalidade também surge a partir do pensamento de outros, dando inicio a uma maneira diferente de entender ou resolver algum problema, não invalidando a originalidade, ou seja, tão original quanto.
Em muitas de minhas reflexões lembro imediatamente de pensadores como Aristóteles, pela familiaridade com muitos de seus pensamentos entranhados na educação, construídos pelo primeiro pensador lógico, que é claro: ARISTOTELES. Este filósofo faz parte da grande vertente realista, foi ele o fundador da ciência que hoje é chamada de lógica, e realidade e lógica são amigas contemporâneas desde a antiguidade.
A lógica esta presente e entranhada em nosso cotidiano, e fundamentalmente na educação, nossos professores mesmo sem conhecer os filósofos trabalham sob influencia deste e de muitos outros pensadores, na forma como suas idéias foram incorporadas na pratica pedagógica.
O primeiro lógico via na educação escolar o caminho para vida publica e o exercício da ética.
As principais obras de Aristóteles de onde se pode extrair informações pedagógicas são as que tratam de política e ética, que em ambos os casos, o objetivo final era obter a virtude.
Para Aristóteles, o propósito da vida humana é a obtenção do que ele chamava de vida boa, isso significava aos mesmo tempo vida “do bem” e vida “harmoniosa.” Ou seja, par Aristóteles, ser feliz e ser útil a comunidade eram dois objetivos sobrepostos, e ambos estavam presentes na atividade publica.
Ele afirmava que o melhor governo seria “aquele em que cada um melhor encontra o que necessita para ser feliz”, e a educação é um caminho para a vida publica, cabendo a educação a formação do caráter do aluno.
Perseguir a virtude significava, em todas as atitudes, buscar o “justo meio”.
A prudência e a sensatez se encontrariam no meio termo, ou medida justa – “o que não é demais nem muito pouco”.
Na lógica aristotélica, significa pensar que duas proposições contraditórias não podem ser verdadeiras e que não é possível afirmar e negar simultaneamente a mesma coisa.
A partir desta maneira de pensar me fez recordar de uma de minhas aulas, numa de minhas conversas iniciais de sondagem junto aos jovens alunos da 8ª serie do ensino fundamental, na faixa etária de 14 anos.
Durante a aula fiz a seguinte pergunta para a turma:
Imaginem a situação que vocês ao irem ao cinema tenham pago o ingresso, quando o caixa por um engano lhes deu troco a maior, tendo vocês verificado o equivoco no ato, o que fariam?; Devolveriam o valor a maior para o caixa?; 
A resposta não me surpreendeu, apenas um aluno na turma disse que devolveria, os demais “disseram que não devolveriam, seria um problema do funcionário do caixa ser um boca aberta”.
Argumentei junto aos alunos dizendo que o caixa é um trabalhador assalariado, e que toda importância que faltasse no caixa seria descontada de seu salário. Mesmo assim os alunos permaneceram irredutíveis, cada um expressando a sua maneira.
Resolvi colocá-los na posição inversa, sendo ele o caixa, que por sua vez eles teriam se enganado dando troco a maior e a importância lhes seria descontada do salário. Óbviamente todos se manifestaram contrários alegando que isto não estava certo, pois no caso deles era diferente.
Neste momento, Aristóteles me falou ao ouvido, sussurrando cadê a ética?, aqui há uma contradição, e Aristóteles precisa entrar em ação e fazer com que a lei da afirmação e negação ao mesmo tempo não era lógico, resolvi provocar uma discussão apresentando um texto, e este texto seria representado em forma de peça. O texto de Weber é chamado “Usando a Lógica Contra a Moral do Espertinho”. Solicitei a manifestação de alguns alunos voluntários para representarem na próxima aula o dito texto com viés ético.  
A peça foi centrada no seguinte texto:

USANDO A LÓGICA CONTRA A MORAL DO ESPERTINHO (Cínara Nahra e Ivan Hingo Weber – Livro: Através da Lógica – Ed. Vozes)

    Pedro e Maria são colegas na Escola. Pedro é um excelente aluno, presta atenção as aulas, matem seu caderno em dia, é esforçado e, principalmente, é uma pessoa de ótimo caráter. Maria, ao contrário, além de não querer saber nada do estudo, acha que pode ser dar bem, bancando a “espertinha”. Para a prova final, Maria, mais uma vez, não estudou e tenta apelar aos bons sentimentos de seu amigo Pedro para que ele lhe dê “cola”.
    Pedro, entretanto, é um garoto que sabe o que é certo. E sabe, portanto, que não é justo que ele, aplicado e estudioso, entre em férias no mesmo dia em que Maria entrará em férias. Pedro sabe que, se ele estudou ao longo do ano, deve passar por média e Maria deve fazer exames e entrar em férias mais tarde. Isto é o certo.
    Maria, porém não quer saber o que é o certo. Ela quer passar de ano e para isso é capaz de fazer qualquer chantagem e usar qualquer argumento. Pedro, no entanto, estudou lógica e assim tornou-se capaz de descobrir todas as falácias dos argumentos de Maria. Vejamos o diálogo que eles travam:

M – Eu tenho que passar para o primeiro ano.

P – Mas você acha que estudou para isso?

M – Claro que não. Eu não sou “trouxa”.

P – Então você acha que quem estuda é “trouxa”?

M – Acho.

P – E como você pretende passar sem estudar?

M – Ora! Você vai me ajudar, não? Vai me dar cola, não é, Pedro?

P – Claro que não!

M – Mas, Pedro, você é meu amigo!

P – Sou seu amigo, mas não vou lhe dar cola.

M - Mas se você é meu amigo, então você tem que me dar cola.

P – Essa premissa não é boa.

M – Como?

P – Eu quis dizer que posso ser seu amigo e, no entanto, não lhe dar cola, exatamente porque sou seu amigo. Eu acho que a premissa boa é: “Se eu sou seu amigo, então devo lhe aconselhar a fazer sempre o certo”.

M – Eu não estou entendendo, Pedro.

P – Claro! Você não estudou Lógica! Aliás, não estudou nada.

M – Pára de me incomodar, Pedro! Estou só lhe pedindo cola. Você é meu amigo...

P – Já lhe disse que esta sua condição de que “Se você é meu amigo, então você deve me dar cola” não é boa. Sei disso, não porque estudei Lógica, mas porque minha família me deu uma boa educação.

M – Pedro, você esta se tornando muito “chato”.

P – Pode me chamar de “chato”, mas sei que o argumento bom é: “Se sou seu amigo, então devo lhe mostrar o certo. Se eu fizer o que você quer, ou seja, não lhe mostrar o certo, segue-se que eu não seria seu amigo”.

M – Está querendo me enrolar...

P – Absolutamente. Só estou querendo lhe mostrar o que é certo. E o certo é que quem não estuda não pode e não deve passar de ano.

M – Mas isso é egoísmo seu. Se você sabe tudo, o que custa me ajudar?

P – Eu teria o maior prazer em lhe ajudar, mas ajudar a aprender a matéria. Se eu lhe der cola, Maria, eu não lhe ajudo em nada. Eu quero lhe ajudar; logo, não posso lhe dar cola.

M – Mas estou desesperada, Pedro!

P - Schiii! Este é o típico argumentum ad misericordiam (apelo à piedade). É a falácia que se comete quando se apela para piedade ou compaixão para conseguir que determinada conclusão seja aceita.

M – Idiota! Trouxa!

P – Tudo o que não sou é idiota e trouxa. Você disse no começo que “quem estuda é trouxa”, não? Pois eu estudo. E, se assim é, completando seu argumento, se todos os que estudam são “trouxas”, e eu estudo, então sou trouxa, não?

M – Não foi isso o que eu quis dizer, Pedro.

P – Mas foi isso o que a Lógica me ajudou a concluir. Você não disse isto, mas certamente é isso que pensa, mesmo que não tenha se dado conta. Eu penso diferente, Maria. Eu penso que quem estuda está fazendo o que deve ser feito e quem faz o que deve ser feito está construindo uma vida melhor para si e para o mundo. Eu estudo e, assim, estou construindo uma vida melhor para mim e para os outros. Tchau, Maria. Bons exames. Ano que vem a gente se vê, porque, como eu já passei por média, só aparecerei por aqui no ano que vem.

A apresentação teatral obteve atenção, interesse, participação, discussões  e também disputas para quem iria representar, em resumo foi uma ótima aula.
Acredito que a maneira Aristotélica “ninguém nasce virtuoso”, e que a virtude é uma pratica e não um dado da natureza de cada um, tampouco o mero conhecimento do que é virtuoso como para Platão.
A virtude deve ser praticada diariamente desde a tenra idade, deve ser constante, precisa se tornar um habito, devendo a escola também ser o formador do caráter, e é neste mundo que vivemos e temos a oportunidade de melhorarmos a cada dia.
Para o grupo, é necessário que a sociedade seja formada a partir de verdades lógicas, como determinar uma verdade comum a todos os componentes, sendo a lei reguladora daquilo que é bom, justo e melhor para a sociedade.
Como Aristóteles acredito que o núcleo inicial da organização das cidades, e claro a primeira instancia da educação da criança seja na família.
Atualmente o estado tenta regular e vigiar o funcionamento das famílias, saúde e educação.
O que a sociedade esta precisando são de bons exemplos, pelo exemplo e imitação que os demais se inspiram para agir, porem o que esta em demonstração são políticos corruptos e cidadãos querendo levar vantagem em tudo sobre todos, é um por um e nenhum por todos.
A lógica aristotélica é negada e aplicada diariamente por seus cidadãos, há contradição em oferecer o mal e esperar o bem em troca.
Vivemos numa sociedade competitiva, ser melhor que o outro é o pensamento que prima, é necessário mudar os valores e procurar o outro como semelhante.
Há muitos que primeiro negam a filosofia e pensamento dos antigos, assim negam a utilidade do pensamento de pensadores como Aristóteles, negam a aplicação deste conhecimento no entendimento dos problemas contemporâneos, alegando que o pensamento deles aplicava-se apenas a problemas da época e momento deles.
Entendo que pensar desta forma é apenas a forma de banalizar o que no pais da bananas a banalização é muito comum e normal.
Banalizamos e rimos com todo humor brasileiro de atos cruéis que contrariam séculos de pensamentos entranhados em nossa educação, a pergunta é: Por que mesmo assim insistimos em contrariar a educação, ou será que estamos contrariando o conhecimento, ou ainda contrariamos apenas dados e não o conhecimento e a educação?
O que é o conhecimento senão um amontoado de dados, compilados e entendidos, contrariar o conhecimento é negar a coerência lógica da realidade, quando banalizamos acontecimentos estamos sendo cruéis conosco, banalizar a educação e o conhecimento é desconstruir séculos de conhecimento.
Sabemos que o caminho da ética e da moral, tem lógica existencial, e sair deste caminho é muito arriscado, que ao menor movimento demonstra a instabilidade das instituições e principalmente da família. O equilíbrio esta presente no justo meio de viver, e viver nos extremos é querer se perder.
Numa aparente inocente pergunta, a resposta serve como indicador de que as coisas não estão indo bem, a formação do caráter que inicia no seio familiar reflete e refletirá no tipo de sociedade que temos e teremos.
Neguem ou não a aplicabilidade das idéias de Aristóteles, pelo que ele escreveu ainda são assunto, e assunto dos mais atuais e importantes.
Conclusão: A Lógica muitas vezes cede lugar para a ética, que é a ciência que estuda o dever ser, é ela que terá autoridade para nos dizer se é certo ou errado agir de certa maneira.

sábado, 14 de janeiro de 2012

O Amor é uma Falácia?


O Amor é uma Falácia?
A blogada de hoje vai para quem gosta de lógica, e é dedicado para os amantes e enamorados, principalmente para aqueles que gostariam que o outro fosse diferente.
Alguns anos atrás levei para sala de aula o texto “O Amor é uma Falácia”, e percebi que as turmas gostaram bastante, a partir daí despertou interesse e nasceram algumas brincadeiras interessantes.
Imaginar o que poderia ter se passado após a leitura, precisa primeiro que tenham conhecimento do texto, para isto compartilho o texto de M. Sulman:

O Amor é uma Falácia
M. Sulman
Eu era frio e lógico. Sutil, calculista, perspicaz, arguto e astuto - era tudo isso. Tinha um cérebro poderoso como um dínamo, preciso como uma balança de farmácia, penetrante como um bisturi. E tinha - imaginem só - dezoito anos.
Não é comum ver alguém tão jovem com um intelecto tão gigantesco. Tomem, por exemplo, o caso do meu companheiro de quarto na universidade, Pettey Bellows. Mesma idade, mesma formação, mas burro como uma porta. Um bom sujeito, compreendam, mas sem nada lá em cima. Do tipo emocional. Instável, impressionável. Pior do que tudo, dado a manias. Eu afirmo que a mania é a própria negação da razão. Deixar-se levar por qualquer nova moda que apareça, entregar a alguma idiotice só porque os outros a segue, isto, para mim, é o cúmulo da insensatez. Petey, no entanto, não pensava assim.
Certa tarde, encontrei-o deitado na cama com tal expressão de sofrimento no rosto que o meu diagnóstico foi imediato: apendicite.
- Não se mexa. Não tome laxante. Vou chamar o médico.
- Couro preto - balbuciou ele.
- Couro preto? - disse eu, interrompendo a minha corrida.
- Quero uma jaqueta de couro preto - disse.
Percebi que o seu problema não era físico, mas mental.
- Por que você quer uma jaqueta de couro preto?
- Eu devia ter adivinhado - gritou ele, socando a cabeça - Devia ter adivinhado que eles voltariam com o Charleston. Como um idiota, gastei todo o meu dinheiro em livros para as aulas e agora não posso comprar uma jaqueta de couro preto.
- Quer dizer - perguntei incrédulo - que estão mesmo usando jaquetas de couro preto outra vez?
- Todas as pessoas importantes da universidade estão. Onde você tem andado?
- Na biblioteca - respondi, citando um lugar não freqüentado pela pessoas importantes da Universidade.
Ele saltou da cama e pôs-se a andar de um lado para o outro do quarto.
- Preciso conseguir uma jaqueta de couro preto - disse, exaltado - Preciso mesmo.
- Por que, Pety? Veja a coisa racionalmente. Jaquetas de couro preto são desconfortáveis. Impedem o movimento dos braços. São pesadas, são feias, são ...
- Você não compreende - interrompeu ele com impaciência - é o que todos estão usando. Você não quer andar na moda?
- Não - respondi, sinceramente.
- Pois eu sim - declarou ele - daria tudo para ter uma jaqueta de couro preto. Tudo.
Aquele instrumento de precisão, meu cérebro, começou a funcionar a todo vapor.
- Tudo? - perguntei, examinando seu rosto com olhos semicerrados.
- Tudo - confirmou ele, em tom dramático.
Alisei o queixo, pensativo. Eu, por acaso, sabia onde encontrar uma jaqueta de couro preto. Meu pai usara um nos seus tempos de estudante; estava agora dentro de um malão, no sótão da casa. E, também por acaso, Petey tinha algo que eu queria. Não era dele, exatamente, mas pelo menos ele tinha alguns direitos sobre ela. Refiro-me à sua namorada, Polly Spy.
Eu há muito desejava Polly Spy. Apresso-me a esclarecer que o meu desejo não era de natureza emotiva. A moça, não há dúvida, despertava emoções, mas eu não era daqueles que se deixam dominar pelo coração. Desejava Polly para fins engenhosamente calculados e inteiramente cerebrais.
Cursava eu o primeiro ano de direito. Dali a algum tempo, estaria me iniciando na profissão. Sabia muito bem a importância que tinha a esposa na vida e na carreira de um advogado. Os advogados de sucesso, segundo as minhas observações, eram quase sempre casados com mulheres bonitas, graciosas e inteligentes. Com uma única exceção, Polly preenchia perfeitamente estes requisitos.
Era bonita. Suas proporções ainda não eram clássicas, mas eu tinha certeza de que o tempo se encarregaria de fornecer o que faltava. A estrutura básica estava lá.
Graciosa também era. Por graciosa quero dizer cheia de graças sociais. Tinha porte ereto, a naturalidade no andar e a elegância que deixavam transparecer a melhor das linhagens. Á mesa, suas maneiras eram finíssimas. Eu já vira Polly no barzinho da escola comendo a especialidade da casa - um sanduíche que continha pedaços de carne assada, molho, castanhas e repolho - sem nem sequer umedecer os dedos.
Inteligente ela não era. Na verdade, tendia para o oposto. Mas eu confiava em que, sob a minha tutela, haveria de tornar-se brilhante. Pelo menos valia a pena tentar. Afinal de contas, é mais fácil fazer uma moça bonita e burra ficar inteligente do que uma moça feia e inteligente ficar bonita.
- Petey - perguntei - você ama Polly Spy?
- Eu acho que ela é interessante - respondeu - mas não sei se chamaria isso de amor. Por quê?
- Você - continuei - tem alguma espécie de arranjo formal com ela? Quero dizer, vocês saem exclusivamente um com o outro?
- Não. Nos vemos seguidamente. Mas saímos os dois com outros também. Por quê?
- Existe alguém - perguntei - algum outro homem que ela goste de maneira especial?
- Que eu saiba não. Por quê?
Fiz que sim com a cabeça, satisfeito.
- Em outras palavras, a não ser por você, o campo está livre, é isso?
- Acho que sim. Aonde você quer chegar?
- Nada, anda - respondi com inocência, tirando minha mala de dentro do armário.
- Onde é que você vai? - quis saber Petey.
- Passar o fim de semana em casa.
Atirei algumas roupas dentro da mala.
- Escute - disse Petey, apegando-se com força ao meu braço - em casa, será que você não poderia pedir dinheiro ao seu pai, e me emprestar para comprar uma jaqueta de couro preto?
- Posso até fazer mais do que isso - respondi, piscando o olho misteriosamente. Fechei a mala e saí.
- Olhe - disse a Petey, ao voltar na segunda feira de manhã. Abri a mala e mostrei o enorme objeto cabeludo e fedorento que meu pai usara ao volante de seu Stutz Beacat em 1955.
- Santo Pai - exclamou Petey com reverência. Passou as mãos na jaqueta e depois no rosto.
- Santo Pai - repetiu, umas quinze ou vinte vezes.
- Você gostaria de ficar com ele? - perguntei.
- Sim - gritou ele, apertando a jaqueta contra o peito. Em seguida, seus olhos assumiram um ar precavido. - O que quer em troca?
- A sua namorada - disse eu, não desperdiçando palavras.
- Polly? - sussurrou Petey, horrorizado. - Você quer a Polly?
- Isso mesmo.
Ele jogou a jaqueta pra longe.
- Nunca - declarou resoluto.
Dei de ombros.
- Tudo bem. Se você não quer andar na moda, o problema é seu.
Sentei-me numa cadeira e fingi que lia um livro, mas continuei espiando Petey, com o rabo dos olhos. Era um homem partido em dois. Primeiro olhava para a jaqueta com a expressão de uma criança desamparada diante da vitrine de uma confeitaria. Depois dava-lhe as costas e cerrava os dentes, altivo. Depois voltava a olhar para a jaqueta. Com uma expressão ainda maior de desejo no rosto. Depois virava-se outra vez, mas agora sem tanta resolução. Sua cabeça ia e vinha, o desejo ascendendo, a resolução descendendo. Finalmente, não se virou mais: ficou olhando para a jaqueta com pura lascívia.
- Não é como se eu estivesse apaixonado por Polly - balbuciou. - Ou mesmo namorando sério, ou coisa parecida.
- Isso mesmo - murmurei.
- Afinal, Polly significa o que para mim, ou eu pra ela?
- Nada - respondi.
- Foi uma coisa banal. Nos divertimos um pouco. Só isso.
- Experimente a jaqueta - disse eu.
Ele obedeceu. A jaqueta ficou bem larga, passando da cintura. Ele parecia um motoqueiro mal vestido da década de cinqüenta.
- Serve perfeitamente - disse, contente.
Levantei-me da cadeira e perguntei, estendendo a mão.
- Negócio feito?
Ele engoliu a seco.
- Feito - disse, e apertou a minha mão.
Saí com Polly pela primeira vez na noite seguinte.
O Primeiro programa teria o caráter de pesquisa preparatória. Eu desejava saber o trabalho que me esperava para elevar a sua mente ao nível desejado. Levei-a para jantar.
- Puxa, que jantar interessante! - disse ela, quando saímos do restaurante. Fomos ao cinema.
- Puxa, que filme interessante! - disse ela, quando saímos do cinema.
Levei-a para casa.
- Puxa, que noite interessante - disse ela, ao nos despedirmos.
Voltei para o quarto com o coração pesado. Eu subestimara gravemente as proporções da minha tarefa. A ignorância daquela moça era aterradora. E não seria o bastante apenas instruí-la. Era preciso, antes de tudo, ensiná-la a pensar. O empreendimento se me afigurava gigantesco, e a princípio me vi inclinado a devolvê-la a Petey. Mas aí comecei a pensar nos seus dotes físicos generosos e na maneira como entrava numa sala ou segurava uma faca, um garfo, e decidi tentar novamente.
Procedi, como sempre, sistematicamente. Dei-lhe um curso de Lógica. Acontece que, como estudante de direito, eu freqüentava na ocasião aulas de Lógica, e portanto tinha tudo na ponta da língua.
- Polly - disse eu, quando fui buscá-la para o nosso segundo encontro. - Esta noite vamos até o parque conversar.
- Ah, que interessante! - respondeu ela.
Uma coisa deve ser dita em favor da moça: seria difícil encontrar alguém tão bem disposta para tudo.
Fomos até o parque, o local de encontros da universidade, nos sentamos debaixo de uma árvore, e ela me olhou cheia de expectativa.
- Sobre o que vamos conversar? - perguntou.
- Sobre Lógica.
Ela pensou durante alguns segundos e depois sentenciou:
- Interessante!
- A Lógica - comecei, limpando a garganta - é a ciência do pensamento. Se quisermos pensar corretamente, é preciso antes saber identificar as falácias mais comuns da Lógica. É o que vamos abordar hoje.
- Interessante! - exclamou ela, batendo palmas de alegria.
Fiz uma careta, mas segui em frente, com coragem.
- Vamos primeiro examinar uma falácia chamada Dicto Simpliciter.
- Vamos - animou-se ela, piscando os olhos com animação.
- Dicto Simpliciter quer dizer um argumento baseado numa generalização não qualificada. Por exemplo: o exercício é bom, portanto todos devem se exercitar.
- Eu estou de acordo - disse Polly, fervorosamente. - Quer dizer, o exercício é maravilhoso. Isto é, desenvolve o corpo e tudo.
- Polly - disse eu, com ternura - o argumento é uma falácia. Dizer que o exercício é bom é uma generalização não qualificada. Por exemplo: para quem sofre do coração, o exercício é ruim. Muitas pessoas têm ordem de seus médicos para não exercitarem. É preciso qualificar a generalização. Deve-se dizer: o exercício é geralmente bom, ou é bom para a maioria das pessoas. Do contrário está-se cometendo um Dicto Simpliciter. Você compreende?
- Não - confessou ela. - Mas isso é interessante. Quero mais. Quero mais!
- Será melhor se você parar de puxar a manga da minha camisa - disse eu e, quando ela parou, continuei:
- Em seguida, abordaremos uma falácia chamada generalização apressada. Ouça com atenção: você não sabe falar francês, eu não sei falar francês, Petey Bellows não sabe falar francês. Devo portanto concluir que ninguém na universidade sabe falar francês.
- É mesmo? - espantou-se Polly. - Ninguém?
Contive a minha impaciência.
- É uma falácia, Polly. A generalização é feita apressadamente. Não há exemplos suficientes para justificar a conclusão.
- Você conhece outras falácias? - perguntou ela, animada. - Isto é até melhor do que dançar.
- Esforcei-me por conter a onda de desespero que ameaçava me invadir. Não estava conseguindo nada com aquela moça, absolutamente nada. Mas não sou outra coisa senão persistente. Continuei.
- A seguir, vem o Post Hoc. Ouça: Não levemos Bill conosco ao piquenique. Toda vez que ele vai junto, começa a chover.
- Eu conheço uma pessoa exatamente assim - exclamou Polly. - Uma moça da minha cidade, Eula Becker. Nunca falha. Toda vez que ela vai junto a um piquenique...
- Polly - interrompi, com energia - é uma falácia. Não é Eula Becker que causa a chuva. Ela não tem nada a ver com a chuva. Você estará incorrendo em Post Hoc, se puser a culpa na Eula Becker.
- Nunca mais farei isso - prometeu ela, constrangida. - Você está bravo comigo?
- Não Polly - suspirei. - Não estou bravo.
- Então conte outra falácia.
- Muito bem. Vamos experimentar as premissas contraditórias.
- Vamos - exclamou ela alegremente.
Franzi a testa, mas continuei.
- Aí vai um exemplo de premissas contraditórias. Se Deus pode fazer tudo, pode fazer uma pedra tão pesada que ele mesmo não conseguirá levantar?
- É claro - respondeu ela imediatamente.
- Mas se ele pode fazer tudo, pode levantar a pedra.
- É mesmo - disse ela, pensativa. - Bem, então eu acho que ele não pode fazer a pedra.
- Mas ele pode fazer tudo - lembrei-lhe.
Ela coçou a cabeça linda e vazia.
- Estou confusa - admitiu.
- É claro que está. Quando as premissas de um argumento se contradizem, não pode haver argumento. Se existe uma força irresistível, não pode existir um objeto irremovível. Compreendeu?
- Conte outra dessas histórias interessantes - disse Polly, entusiasmada.
Consultei o relógio.
- Acho melhor parar por aqui. Levarei você em casa, e lá pensará no que aprendeu hoje. Teremos outra sessão amanhã.
Deixei-a no dormitório das moças, onde ela me assegurou que a noitada fora realmente interessante, e voltei desanimadamente para o meu quarto. Petey roncava sobre sua cama, com a jaqueta de couro encolhida a seus pés. Por alguns segundos, pensei em acordá-lo e dizer que ele podia ter Polly de volta. Era evidente que o meu projeto estava condenado ao fracasso. Ela tinha, simplesmente, uma cabeça à prova de Lógica.
Mas logo reconsiderei. Perdera uma noite, por que não perder outra? Quem sabe se em alguma parte daquela cratera de vulcão adormecido que era a mente de Polly, algumas brasas ainda estivessem vivas. Talvez, de alguma maneira, eu ainda conseguisse abaná-las até que flamejasse. As perspectivas não eram das mais animadoras, mas decidi tentar outra vez.
Sentado sob uma árvore, na noite seguinte, disse:
- Nossa primeira falácia desta noite se chama ad misericordiam.
Ela estremeceu de emoção.
- Ouça com atenção - comecei - Um homem vai pedir emprego. Quando o patrão pergunta quais as suas qualificações, o homem responde que tem uma mulher e dois filhos em casa, que a mulher e aleijada, as crianças não tem o que comer, não tem o que vestir nem o que calçar, a casa não tem camas, não há carvão no porão e o inverno se aproxima.
Uma lágrima desceu por cada uma das faces rosadas de Polly.
- Isso é horrível, horrível! - soluçou.
- É horrível - concordei - mas não é um argumento. O homem não respondeu à pergunta do patrão sobre as suas qualificações. Ao invés disso, tentou despertar a sua compaixão. Cometeu a falácia de ad misericordiam. Compreendeu?
Dei-lhe um lenço e fiz o possível para não gritar enquanto ela enxugava os olhos.
- A seguir - disse, controlando o tom da voz - discutiremos a falsa analogia. Eis um exemplo: deviam permitir aos estudantes consultar seus livros durante os exames. Afinal, os cirurgiões levam as radiografias para se guiarem durante uma operação, os advogados consultam seus papéis durante um julgamento, os construtores têm plantas que os orientam na construção de uma casa. Por quê, então, não deixar que os alunos recorram a seus livros durante uma prova?
- Pois olhe - disse ela entusiasmada - está e a idéia mais interessante que eu já ouvi há muito tempo.
- Polly - disse eu com impaciência - o argumento é falacioso. Os cirurgiões, os advogados e os construtores não estão fazendo teste para ver o que aprenderam, e os estudantes sim. As situações são completamente diferentes e não se pode fazer analogia entre elas.
- Continuo achando a idéia interessante - disse Polly.
- Santo Cristo! - murmurei, com impaciência.
- A seguir, tentaremos a hipótese contrária ao fato.
- Essa parece ser boa - foi a reação de Polly.
- Preste atenção: se Madame Curie não deixasse, por acaso, uma chapa fotográfica numa gaveta junto com uma pitada de pechblenda, nós hoje não saberíamos da existência do rádio.
- É mesmo, é mesmo - concordou Polly, sacudindo a cabeça. - Você viu o filme? Eu fiquei louca pelo filme. Aquele Walter Pidgeon é tão bacana! Ele me faz vibrar.
- Se conseguir esquecer o Sr. Pidgeon por alguns minutos - disse eu, friamente - gostaria de lembrar que o que eu disse é uma falácia. Madame Curie teria descoberto o rádio de alguma outra maneira. Talvez outra pessoa o descobrisse. Muita coisa podia acontecer. Não se pode partir de uma hipótese que não é verdadeira e tirar dela qualquer conclusão defensável.
- Eles deviam colocar o Walter Pidgeon em mais filmes - disse Polly - Eu quase não vejo ele no cinema.
Mais uma tentativa, decidi. Mas só mais uma. Há um limite para o que podemos suportar.
- A próxima falácia é chamada de envenenar o poço.
- Que engraçadinho! - deliciou-se Polly.
- Dois homens vão começar um debate. O primeiro se levante e diz: ‘o meu oponente é um mentiroso conhecido. Não é possível acreditar numa só apalavra do que ele disser’. Agora, Polly, pense bem, o que está errado?
Vi-a enrugar a sua testa cremosa, concentrando-se. De repente, um brilho de inteligência - o primeiro que vira - surgiu nos seus olhos.
- Não é justo! - disse ela com indignação - Não é justo. O primeiro envenenou o poço antes que os outros pudesse beber dele. Atou as mãos do adversário antes da luta começar... Polly, estou orgulhoso de você.
- Ora - murmurou ela, ruborizando de prazer.
- Como vê, minha querida, não é tão difícil. Só requer concentração. É só pensar, examinar, avaliar. Venha, vamos repassar tudo o que aprendemos até agora.
- Vamos lá - disse ela, com um abano distraído da mão.
Animado pela descoberta de que Polly não era uma cretina total, comecei uma longa e paciente revisão de tudo o que dissera até ali. Sem parar citei exemplos, apontei falhas, martelei sem dar trégua. Era como cavar um túnel. A princípio, trabalho duro e escuridão. Não tinha idéia de quando veria a luz ou mesmo se a veria. Mas insisti. Dei duro, até que fui recompensado. Descobri uma fresta de luz. E a fresta foi se alargando até que o sol jorrou para dentro do túnel, clareando tudo.
Levara cinco noites de trabalho forçado, mas valera a pena. Eu transformara Polly em uma lógica, e a ensinara a pensar. Minha tarefa chegara a bom termo. Fizera dela uma mulher digna de mim. Está apta a ser minha esposa, uma anfitriã perfeita para as minhas muitas mansões. Uma mãe adequada para os meus filhos privilegiados.
Não se deve deduzir que eu não sentia amor por ela. Muito pelo contrário. Assim como Pigmaleão amara a mulher perfeita que moldara para si, eu amava a minha. Decidi comunicar-lhe os meus sentimentos no nosso encontro seguinte. Chegara a hora de mudar as nossas relações, de acadêmicas para românticas.
- Polly, disse eu, na próxima vez que nos sentamos sob a árvore - hoje não falaremos de falácias.
- Puxa! - disse ela, desapontada.
- Minha querida - prossegui, favorecendo-a com um sorriso - hoje é a sexta noite que estamos juntos. Nos demos esplendidamente bem. Não há dúvidas de que formamos um bom par.
- Generalização apressada - exclamou ela, alegremente.
- Perdão - disse eu.
- Generalização apressada - repetiu ela. - Como é que você pode dizer que formamos um bom par baseado em apenas cinco encontros?
Dei uma risada, contente. Aquela criança adorável aprendera bem as suas lições.
- Minha querida - disse eu, dando um tapinha tolerante na sua mão - cinco encontros são o bastante. Afinal, não é preciso comer um bolo inteiro para saber se ele é bom ou não.
- Falsa Analogia - disse Polly prontamente - eu não sou um bolo, sou uma pessoa.
Dei outra risada, já não tão contente. A criança adorável talvez tivesse aprendido a sua lição bem demais. Resolvi mudar de tática. Obviamente, o indicado era uma declaração de amor simples, direta e convincente. Fiz uma pausa, enquanto o meu potente cérebro selecionava as palavras adequadas. Depois reiniciei.
- Polly, eu te amo. Você é tudo no mundo pra mim, é a lua e a estrelas e as constelações no firmamento. For favor, minha querida, diga que será minha namorada, senão a minha vida não terá mais sentido. Enfraquecerei, recusarei comida, vagarei pelo mundo aos tropeções, um fantasma de olhos vazios.
Pronto, pensei; está liquidado o assunto.
- Ad misericordiam - disse Polly.
Cerrei os dentes. Eu não era Pigmaleão; era Frankenstein, e o meu monstro me tinha pela garganta. Lutei desesperadamente contra o pânico que ameaçava invadir-me. Era preciso manter a calma a qualquer preço.
- Bem, Polly - disse, forçando um sorriso - não há dúvida que você aprendeu bem as falácias.
- Aprendi mesmo - respondeu ela, inclinando a cabeça com vigor.
- E quem foi que ensinou a você, Polly?
- Foi você.
- Isso mesmo. E portanto você me deve alguma coisa, não é mesmo, minha querida? Se não fosse por mim, você nunca saberia o que é uma falácia.
- Hipótese Contrária ao Fato - disse ela sem pestanejar.
Enxuguei o suor do rosto.
- Polly - insisti, com voz rouca - você não deve levar tudo ao pé da letra. Estas coisas só têm valor acadêmico. Você sabe muito bem que o que aprendemos na escola nada tem a ver com a vida.
- Dicto Simpliciter - brincou ela, sacudindo o dedo na minha direção.
Foi o bastante. Levantei-me num salto, berrando como um touro.
- Você vai ou não vai me namorar?
- Não vou - respondeu ela.
- Por que não? - exigi.
- Porque hoje à tarde eu prometi a Petey Bellows que eu seria a namorada dele.
Quase caí para trás, fulminado por aquela infâmia. Depois de prometer, depois de fecharmos negócio, depois de apertar a minha mão!
- Aquele rato! - gritei, chutando a grama. - Você não pode sair com ele, Polly. É um mentiroso. Um traidor. Um rato.
- Envenenar o poço - disse Polly - E pare de gritar. Acho que gritar também deve ser uma falácia.
Com uma admirável demonstração de força de vontade, modulei a minha voz.
- Muito bem - disse - você é uma lógica. Vamos olhar as coisas logicamente. Como pode preferir Petey Bellows? Olhe para mim: um aluno brilhante, um intelectual formidável, um homem com futuro assegurado. E veja Petey: um maluco, um boa vida, um sujeito que nunca saberá se vai comer ou não no dia seguinte. Você pode me dar uma única razão lógica para namorar Petey Bellows?
- Posso sim - declarou Polly - Ele tem uma jaqueta de couro preto.
( in Sulman, M. (1973): As calcinhas cor-de-rosas do Capitão, Porto Alegre: Ed. Globo)

Espero que tenham gostado, e principalmente despertado interesse nas falacias, com elas aprendemos o jogo do cotidiano.
Em nossa convivencia diaria quantas vezes encontramos situações onde as falacias são utilizadas, as vezes damos-nos conta e seguimos com o jogo, dando em troca o troco com outra falacia sem interromper o ciclo.
Para quem não sabe uma falácia é um argumento logicamente inconsistente, inválido, ou falho na capacidade de provar eficazmente o que alega. Argumentos que se destinam à persuasão podem parecer convincentes para grande parte do público apesar de conterem falácias, mas não deixam de ser falsos por causa disso.
Reconhecer as falácias é por vezes difícil. Os argumentos falaciosos podem ter validade emocional, íntima, psicológica ou emotiva, mas não validade lógica.
É importante conhecer os tipos de falácia para evitar armadilhas lógicas na própria argumentação e para analisar a argumentação alheia.
Espero que tenham aproveitado, um ótimo fim de semana a todos e todas.