Resenha de Entre Quatro Paredes, de Jean-Paul Sartre
"Entre Quatro Paredes" é uma peça de teatro de
Jean-Paul Sartre, cujo título original é Huis Clos (À portas fechadas). Essa
obra é um dos mais conhecidos trabalhos do filósofo francês, simbolizando a
essência de seu existencialismo através de um retrato claustrofóbico do
inferno. Lançada em 1944, a peça envolve três personagens que, após a morte, se
veem condenados a passar a eternidade juntos em um ambiente fechado, sem
espelhos e sem janelas, confrontando a si mesmos e aos outros. O famoso dito de
Sartre — "O inferno são os outros" — nasce diretamente desse cenário.
A trama
A história segue três indivíduos: Garcin, um
jornalista, Inès, uma funcionária dos Correios, e Estelle, uma jovem socialite.
Eles estão mortos e se encontram em uma sala sem saídas. Inicialmente, cada um
tenta justificar suas ações em vida, buscando evitar qualquer responsabilização
ou culpa por seus comportamentos. No entanto, à medida que a convivência
avança, suas máscaras começam a cair, e eles se veem forçados a encarar a
realidade de suas escolhas e a falta de autenticidade com que viveram. O confinamento,
metaforicamente, representa o peso de nossas próprias ações e da necessidade de
validação que buscamos através dos outros.
Sartre e o existencialismo
A principal contribuição de Sartre com Quatro
Paredes é o desenvolvimento de sua visão existencialista da liberdade,
responsabilidade e "má-fé". Para ele, somos condenados a ser livres;
ou seja, temos total responsabilidade pelas escolhas que fazemos, mesmo que
essa liberdade nos angustie. A "má-fé" é o conceito que Sartre
utiliza para descrever a tendência humana de se enganar, inventando desculpas
para evitar assumir o peso dessa liberdade. Cada personagem, à sua maneira, é
um exemplo de alguém que viveu em má-fé: negaram a verdade de suas vidas e,
agora, no pós-vida, são confrontados pelos outros com a realidade de quem
realmente são.
O inferno, na perspectiva sartreana, não é um lugar
de torturas físicas, mas de torturas psicológicas. "O inferno são os
outros" reflete a ideia de que o julgamento constante dos outros expõe
nossas fraquezas e falhas. A relação entre os três personagens torna-se um
espelho: são incapazes de escapar da percepção e julgamento alheio, o que os
leva a um estado de constante desconforto. A agonia de viver sob o olhar do
outro sem possibilidade de fuga é o verdadeiro castigo.
Reflexões contemporâneas
Embora a obra seja uma criação do contexto da
Segunda Guerra Mundial e da ocupação nazista na França, sua mensagem sobre a
existência humana continua atual. Em uma época dominada por redes sociais e
pela necessidade de aprovação dos outros, a obra de Sartre dialoga com o
desconforto moderno de ser constantemente observado e julgado. Cada personagem,
como nós, tenta projetar uma imagem idealizada de si mesmo, até que o confronto
com a realidade se torna inevitável.
A metáfora do inferno de Sartre se aplica à vida
cotidiana em muitas situações. Ao tentar agradar os outros, construir
identidades que não correspondem a quem somos, vivemos um tipo de
aprisionamento voluntário. As "quatro paredes" podem representar
nossos próprios limites internos, aqueles que nos mantêm presos às expectativas
e ao olhar alheio. Não há escapatória nesse "inferno" enquanto não
nos encararmos com autenticidade.
Segundo o próprio Sartre, "o homem está
condenado a ser livre." E essa liberdade implica um desconforto profundo,
pois, ao contrário de Garcin, Estelle ou Inès, que tentam evitar a verdade,
cabe a nós aceitar a responsabilidade por quem somos e pelo que fazemos. O que
Sartre nos convida a pensar é: como convivemos com a liberdade e a
responsabilidade em nossa vida diária? Estamos vivendo autenticamente ou
escondidos atrás de máscaras?
Essa obra permanece uma provocação poderosa,
especialmente para refletir sobre como nos posicionamos diante dos outros e
como enfrentamos nossas próprias verdades.
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