Me perguntei, onde estou realmente, em algum lugar no cérebro? Foi quando me veio a sensação de estar preso. Pensei, a sensação de estar preso dentro do próprio corpo é uma metáfora poderosa. O corpo, com suas necessidades, limitações e desejos, parece, às vezes, um cárcere apertado. Nele, uma complexa dança de contrastes se desenrola: o instinto que clama por ação e satisfação imediata e a mente que, com sua capacidade de reflexão, busca redenção e sentido. Esse conflito constante ecoa uma luta interior que muitos experimentam em suas vidas cotidianas.
Schopenhauer,
em sua filosofia, é um dos pensadores que mais profundamente abordou essa
dualidade. Para ele, o corpo é o campo de batalha entre a Vontade (Wille) e o
Representação (Vorstellung). A Vontade é essa força cega, instintiva, que
dirige o comportamento humano e animal. Ela é irracional, incessante e nunca
satisfeita. Ela empurra o ser humano para o desejo, para a paixão, para o
impulso de vida. É a fome que nos consome, o desejo que nos agita, a dor da
insatisfação que nunca é completamente aplacada.
Por
outro lado, a Representação, ou a mente, é a parte que tenta entender o mundo,
que busca dar sentido à nossa existência. É a mente que permite o
distanciamento das paixões e tenta encontrar um caminho de redenção, ou ao
menos de resignação. Para Schopenhauer, a consciência desse conflito entre a
Vontade e a razão traz uma profunda dor, o que ele chamou de sofrimento da
existência. O ser humano vive preso nesse cárcere, entre a urgência de seus
instintos e o desejo de transcendê-los. Mas, no fundo, segundo ele, não há
verdadeira libertação, a não ser pela negação da Vontade, o que ele associou a
práticas ascéticas e contemplativas.
Nosso
corpo é o veículo da Vontade, mas nossa mente tenta ser o contrapeso. E é nesse
contraste que encontramos o jogo trágico da vida. Pensemos em situações
cotidianas: ao sentir fome, somos impelidos a buscar alimento, mas, ao mesmo
tempo, podemos nos questionar sobre o que comer, sobre o sentido de nutrir o
corpo que, inevitavelmente, envelhece e perece. Da mesma forma, o desejo por
relações amorosas pode ser intenso, mas a mente pode refletir sobre as
consequências emocionais ou morais desses desejos. A paixão clama por consumo,
a redenção busca paz.
Schopenhauer
acreditava que, para superar esse estado, a arte, especialmente a música,
oferecia uma válvula de escape. A música, em particular, era vista por ele como
uma manifestação direta da Vontade, mas que nos permitia experimentar a Vontade
sem o sofrimento habitual que a acompanha. Nesse sentido, o corpo ainda está
presente, mas a mente consegue, através da contemplação estética, um breve
momento de liberdade.
Link
de musica para reflexão e contemplação:
https://www.youtube.com/watch?v=fmXGSLS8OH0&list=RDZ3AJFx6-vUA&index=2
O corpo, portanto, é esse cárcere que nos mantém presos aos instintos mais básicos e às necessidades da vida, mas também é através dele que experimentamos a mente, a consciência e, por vezes, a possibilidade de transcendência. Se por um lado estamos condenados a esse embate entre desejo e razão, por outro, é nesse próprio jogo que reside a complexidade da existência humana. Schopenhauer nos lembra de que a verdadeira liberdade só viria com a renúncia total dos impulsos da Vontade, algo que poucos podem alcançar plenamente.
No cotidiano, ao lidarmos com a necessidade de equilibrar paixões e redenção, estamos vivendo esse contraste de maneira direta. Cada escolha que fazemos é uma pequena tentativa de libertação, mesmo que temporária. O desafio, talvez, seja encontrar beleza e significado nesse embate, sem buscar resolvê-lo completamente, mas vivendo-o de forma consciente e, quem sabe, menos dolorosa.
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