Vivemos em uma era em que o otimismo é tratado como uma virtude absoluta, quase uma obrigação moral. Não importa o que esteja acontecendo ao nosso redor, somos bombardeados com mensagens que nos dizem para “ver o lado positivo” e “ser gratos”. Enquanto a positividade tem seu valor, essa insistência no pensamento otimista a qualquer custo vem com um preço: ela invalida as emoções negativas que fazem parte da experiência humana e nos impede de lidar adequadamente com as dificuldades que a vida inevitavelmente traz.
Esse fenômeno, muitas vezes referido como
“positividade tóxica”, tornou-se quase uma norma social. Quem nunca ouviu
frases como “poderia ser pior” ou “tudo acontece por uma razão” no momento em
que estava lidando com um fracasso ou perda? Por trás dessa mensagem
aparentemente inofensiva está a ideia de que sentir-se mal, desanimado ou
angustiado não é aceitável. A cultura do “vai dar tudo certo” nos força a
mascarar nossas vulnerabilidades e a passar por cima de nossos sentimentos mais
complexos.
A Era das Redes Sociais e a Propagação da
Positividade
A disseminação da positividade tóxica encontrou
terreno fértil nas redes sociais, onde somos bombardeados por imagens de vidas
perfeitas, acompanhadas de legendas inspiradoras que nos encorajam a “manter o
foco no que é bom”. Nesse ambiente, parece haver pouca ou nenhuma tolerância
para expressar angústia ou dúvidas. Mostramos uma versão editada de nós mesmos,
sempre sorridentes, sempre "conquistando", e qualquer sinal de falha
ou tristeza é rapidamente criticado ou ignorado.
A pressão por mostrar um otimismo inabalável cria
uma desconexão entre a vida que vivemos e a vida que aparentamos viver. Aqueles
que se encontram lutando com a ansiedade, a depressão ou o luto podem sentir-se
isolados, como se estivessem falhando por não conseguir manter o otimismo. Esse
isolamento emocional alimenta um ciclo de sofrimento, onde as emoções legítimas
são suprimidas em nome de uma felicidade superficial.
A Supressão do Negativo: Um Desafio para a Saúde
Mental
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche afirmava que
o sofrimento é uma parte essencial do crescimento humano, argumentando que, ao
fugir do sofrimento, perdemos a oportunidade de amadurecer e aprender.
Paradoxalmente, ao negar o espaço para a dor, perdemos também o espaço para a
cura e a transformação. Ao longo da vida, experiências dolorosas – como a perda
de um ente querido, o fracasso em um projeto pessoal ou profissional, ou até
mesmo uma fase de dúvidas existenciais – são inevitáveis. Negar esses sentimentos
não os faz desaparecer; apenas os enterra mais profundamente, o que pode
resultar em efeitos negativos na saúde mental.
A psicologia também reforça essa visão. Estudos
mostram que a repressão de emoções negativas pode levar a problemas de saúde
mental, como ansiedade e depressão. Além disso, forçar-se a “ser positivo”
constantemente pode criar um cansaço emocional, onde a pessoa sente-se
sobrecarregada pela exigência de manter uma fachada otimista.
Aceitação Emocional: Um Caminho para o Equilíbrio
Ao contrário do que a cultura de positividade
excessiva sugere, aceitar emoções negativas e aprender a processá-las é uma
maneira muito mais saudável de viver. O budismo, por exemplo, nos ensina a
prática da aceitação plena da vida como ela é, sem tentar rejeitar o que não
gostamos. O conceito de “equanimidade” nos ajuda a encontrar paz tanto nos
momentos de alegria quanto nos momentos de tristeza, compreendendo que todas as
emoções são transitórias.
A aceitação emocional não significa ceder ao
pessimismo ou cair no desespero, mas sim dar a si mesmo a permissão para sentir
o que está sentindo, sem o peso da expectativa de “ser feliz o tempo todo”. Ela
envolve reconhecer a dor e permitir-se vivenciá-la, sabendo que isso faz parte
do processo de cura e crescimento.
Rompendo com a Positividade Tóxica no Cotidiano
Para resistir à ditadura da positividade, é
preciso, primeiro, reconhecer que ser humano é ser capaz de experimentar uma
gama completa de emoções, tanto boas quanto ruins. Ao sermos honestos sobre
nossas experiências e vulnerabilidades, permitimos que os outros também o
sejam, criando uma cultura onde o apoio e a empatia prevaleçam sobre o
julgamento. Isso pode começar em pequenas interações diárias. Quando um amigo
desabafa, em vez de dizer “vai ficar tudo bem”, talvez a melhor resposta seja
“eu entendo que isso é difícil para você, e estou aqui para ajudar”.
Tirar a máscara da felicidade constante pode também
envolver se permitir momentos de pausa e reflexão. Questionar o que estamos
sentindo de verdade, sem a necessidade de julgar ou modificar esses
sentimentos, pode nos ajudar a reconectar com nossa autenticidade e humanidade.
Embora o otimismo tenha seu valor, a ditadura da
positividade cria uma carga emocional desnecessária ao negar as realidades
difíceis da vida. Para viver de maneira equilibrada e saudável, precisamos
abraçar todas as emoções humanas, tanto as boas quanto as ruins, e lembrar que
a autenticidade está em aceitar e processar o que sentimos, sem a obrigação de
sorrir para tudo. Afinal, são as tempestades emocionais que nos ajudam a
valorizar os momentos de sol, e é na aceitação plena da nossa humanidade que encontramos
a verdadeira força.
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