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sábado, 12 de outubro de 2024

Apagar os Rastros

A mente humana é fascinante em sua capacidade de atribuir valor às coisas de forma seletiva, e muitas vezes, enganosa. Às vezes, investimos tanto em situações, pessoas, ou projetos que, com o tempo, nos revelam sua verdadeira insignificância. Isso ocorre não porque o objeto de nossa atenção tenha necessariamente mudado, mas porque nossa percepção mudou, evoluiu. Diante disso, a "cabeça esperta" faz algo engenhoso: ela apaga os rastros, desfaz as marcas daquilo que parecia importante, mas que, com o passar do tempo, revela-se fútil.

Imagine que passamos boa parte da vida construindo castelos de areia, achando que estamos erguendo muralhas impenetráveis. Esses castelos podem ser as metas profissionais que, no fim, não nos trouxeram realização, ou as relações que acreditávamos serem essenciais, mas que só drenaram nossa energia. Quando nos damos conta do quão efêmera era nossa fixação nessas coisas, tentamos esquecer que um dia foram importantes, quase como um mecanismo de defesa. Freud, ao falar do esquecimento e da repressão, já dizia que nossa mente atua para evitar o confronto com a realidade dolorosa. Apagar os rastros de uma decisão ou crença mal colocada é um ato quase instintivo, uma tentativa de preservar a nossa psique.

Pierre Bourdieu, sociólogo francês, oferece uma visão interessante para entender por que, em primeiro lugar, damos importância a coisas que mais tarde consideramos irrelevantes. Ele fala do conceito de "habitus", que são as disposições internalizadas que orientam nossas escolhas e ações sem que tenhamos plena consciência delas. O habitus é moldado pelas influências sociais e culturais ao nosso redor. Assim, muitas vezes, o que acreditamos ser importante vem de um condicionamento social — não de uma escolha genuína.

No cotidiano, isso aparece de várias formas. A ansiedade por adquirir bens materiais, o status social, a necessidade de reconhecimento em redes sociais. No calor do momento, acreditamos que essas são coisas vitais para nossa felicidade. Entretanto, ao longo do tempo, percebemos que o que nos mantinha acordados à noite não tinha peso algum. Esse "erro de julgamento" nos envergonha, e aí, a cabeça esperta tenta apagar os rastros, desviar-se do desconforto que vem ao reconhecer que estávamos investindo energia no lugar errado.

Aqui entra uma reflexão interessante de Fernando Pessoa, que dizia: "Tudo vale a pena, se a alma não é pequena." O ato de apagar os rastros pode ser visto como uma forma de tentar expandir a alma, de libertá-la das armadilhas da superficialidade, buscando um sentido mais profundo na vida. É quase como se, ao percebermos o quão pequenas eram as coisas que considerávamos grandes, estivéssemos tentando recomeçar, dando à alma uma chance de buscar algo que realmente valha a pena.

No fim, apagar os rastros é um movimento natural de autodefesa e autoaperfeiçoamento. Afinal, não se trata apenas de fugir do desconforto da frustração, mas de limpar o caminho para novas experiências e entendimentos mais profundos.


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