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terça-feira, 1 de julho de 2025

Pensar em Três Tempos

Sentado num banco de praça ou vendo o tempo passar da janela de um ônibus, às vezes a gente se pega pensando: como é que a humanidade chegou até aqui? De deuses com raios nas mãos a foguetes em Marte, tem um salto curioso. Essa inquietação foi também a de Auguste Comte, no século XIX. Ele não estava na praça nem no ônibus, mas olhava o mundo com olhos de quem queria encontrar uma lógica no caos da história do pensamento humano.

Comte propôs uma ideia ousada: a mente humana evolui em três grandes estágios. Quase como se a cabeça da humanidade fosse uma criança, depois adolescente, e então adulta. Mas será mesmo que crescemos tanto assim?

A teoria: os três degraus da escada comtiana

Para Comte, a humanidade atravessa três fases, tanto no plano coletivo quanto individual:

  1. Estágio Teológico – Aqui, o mundo é explicado por vontades sobrenaturais. Um raio cai? Foi Zeus. A chuva demora? É porque os deuses estão zangados. É o tempo da fé e da personalização da natureza.
  2. Estágio Metafísico – Agora os deuses saem de cena, mas não completamente. Eles são substituídos por forças abstratas, como “natureza”, “vontade universal” ou “essência”. Já é um pensamento mais racional, mas ainda não científico.
  3. Estágio Positivo – O auge, segundo Comte. A mente humana finalmente para de buscar causas ocultas e passa a estudar as leis dos fenômenos com base em observação, experimentação e método científico. Nada de “por que”, agora só se pergunta “como funciona?”.

Comte acreditava que só no estágio positivo poderíamos construir uma sociedade verdadeiramente racional, guiada pela ciência e pela ordem. Uma espécie de tecnocracia iluminada, com cientistas e engenheiros como novos sacerdotes do saber.

As rachaduras da escada: críticas à teoria

Mas nem todo mundo subiu essa escada com gosto. Muitos pensadores apontaram que, apesar de elegante, a teoria de Comte tem furos na parede da realidade.

 1. A ilusão do progresso linear

Crítico: Michel Foucault

A ideia de que todos os povos caminham exatamente pelos mesmos degraus ignora a pluralidade das culturas e histórias. Foucault mostrou que o saber não evolui de forma linear, mas se reorganiza por rupturas, descontinuidades e relações de poder. A noção de “progresso inevitável” é uma construção do Ocidente moderno, que impõe sua visão como universal.

 2. O cientificismo como nova religião

Crítico: Friedrich Nietzsche

Comte acreditava tanto na ciência que propôs uma espécie de “Religião da Humanidade”. Nietzsche viu nisso uma substituição de deuses por ídolos modernos: a ciência vira fé, e o “homem racional” vira sacerdote. Para ele, esse tipo de racionalismo é uma forma disfarçada de niilismo — uma tentativa desesperada de dar sentido à existência sem encarar seu vazio trágico.

 3. A ciência não é neutra nem perfeita

Crítico: Thomas Kuhn

Em seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas, Kuhn mostrou que a ciência não avança de forma contínua e neutra, mas por meio de rupturas paradigmáticas, disputas internas e influências sociais. A crença comtiana na objetividade pura da ciência foi duramente abalada. A ciência também erra, é política e está sujeita a modas intelectuais.

 4. As três fases não se excluem

Crítico: Clifford Geertz

Geertz, antropólogo interpretativo, mostrou que o pensamento simbólico, religioso e metafísico continua presente mesmo em sociedades tecnologicamente avançadas. Culturas não substituem uma lógica por outra: elas combinam e reinterpretam ideias diversas. Isso derruba a ideia de uma evolução em linha reta. Na vida real, carregamos todos os estágios ao mesmo tempo.

A força e o perigo das classificações

No fundo, a teoria de Comte é uma tentativa de organizar a história da mente humana em uma linha reta, clara, sem desvios. Isso ajuda a pensar, mas pode enganar. A realidade é mais feita de círculos, espirais, voltas e retornos do que de linhas retas.

As ideias de Comte ajudaram a consolidar a sociologia como campo científico — e isso é um mérito imenso. Mas sua teoria, quando tomada como verdade absoluta, escorrega no autoritarismo da razão. Como se quem ainda pensa com os pés no mito ou no mistério fosse um ser inferior, um atraso.

Epílogo: talvez estejamos nos três estágios ao mesmo tempo

Hoje, podemos usar um aplicativo com inteligência artificial e depois fazer uma oração antes de dormir. Estudar física quântica e ainda assim buscar um sentido espiritual para a vida. Talvez o ser humano não “evolua” de forma limpa, mas misture tudo, como quem carrega nas costas a infância, a adolescência e a maturidade — todas juntas, no mesmo corpo, no mesmo tempo.

E quem sabe seja justamente essa contradição que nos torna... humanos.


domingo, 8 de junho de 2025

Pensa Porque Fala

Vamos refletir sobre consciência e invenção de si

A gente costuma pensar que primeiro se pensa, depois se fala. Como se as palavras fossem meros mensageiros de um conteúdo pronto, esperando pacientemente para ser dito. Mas, e se for o contrário? E se a fala for, ela mesma, o que nos permite pensar? Aquela conversa no banho, o desabafo com um amigo, até mesmo o murmúrio no trânsito – seriam momentos em que a linguagem constrói a consciência, e não o contrário?

Essa ideia, embora pareça surpreendente, já vinha sendo intuída por alguns pensadores e hoje é retomada por estudos contemporâneos de neurociência e linguística. Neste ensaio, vamos explorar essa inversão provocadora: o sujeito pensa porque fala. A fala não apenas expressa o pensamento – ela o inventa, o organiza, o edita. E mais: ao falar, criamos a nós mesmos.

O pensamento nu não existe

Imagine um bebê que ainda não fala. Seus gestos e emoções são vivos, intensos, mas sua capacidade de pensar sobre o que sente é limitada. É só quando ele começa a adquirir palavras que consegue distinguir o medo da fome, o desejo da dor. O filósofo Vygotsky já dizia que o pensamento e a linguagem se desenvolvem em um entrelaçamento mútuo. O pensamento é uma névoa até que a palavra o condense.

A neurociência contemporânea reforça essa visão: regiões do cérebro relacionadas à linguagem (como a área de Broca e de Wernicke) estão intimamente conectadas com redes de atenção, memória e planejamento. Falar é como esculpir o que estava apenas esboçado em sensação. Pensamos melhor quando escrevemos, quando conversamos, quando argumentamos. O silêncio pode ser fértil, mas é quase sempre a palavra que transforma intuição em ideia.

Falar como forma de se tornar

Cada vez que contamos algo de nós mesmos a alguém, organizamos a narrativa da nossa identidade. Não se trata apenas de informar. Estamos, ali, construindo sentido. “Naquela época eu era muito impulsivo” – ao dizer isso, estamos não só refletindo sobre o passado, mas nos diferenciando dele, assumindo um novo lugar no tempo. A linguagem verbaliza a mudança interior.

A filósofa Hannah Arendt dizia que a ação só se torna política quando é acompanhada da fala. O ser humano se revela ao mundo pelo que diz, mais do que pelo que pensa. Assim, o dizer é um ato de criação subjetiva. Falando, nos tornamos visíveis – e, ao nos ouvirmos falar, também nos vemos.

Linguagem como ferramenta inventiva

A estrutura da linguagem molda a estrutura do pensamento. Idiomas diferentes oferecem visões de mundo distintas. Para os esquimós, existem muitas palavras para “neve”. Para alguns povos indígenas da Amazônia, o tempo não é dividido em passado, presente e futuro. A forma como se fala determina o que se pode pensar.

No cotidiano, isso aparece quando buscamos uma palavra exata para nomear o que sentimos – e, só quando a encontramos, conseguimos agir. O mal-estar vira “ciúme”, ou “angústia”, ou “pressentimento”. Dar nome é mapear o território interno. Wittgenstein já dizia: “os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo.”

Pensar com a boca

Existe uma sabedoria na fala espontânea. Às vezes, a gente só entende o que pensa quando começa a explicar. Isso é comum em sessões de terapia, aulas, ou mesmo numa conversa de bar. O pensamento se desdobra conforme a fala se articula. Como se a mente esperasse a boca para ter coragem de se revelar.

Numa perspectiva neurolinguística, esse processo envolve uma retroalimentação entre as zonas cerebrais responsáveis pela formulação verbal e aquelas que coordenam emoções, memória e juízo. O que dizemos influencia o que sentimos, e o que sentimos influencia o que conseguimos dizer. Um circuito vivo.

A fala é o útero do pensamento

Ao contrário do que se pensa, a fala não é filha do pensamento – é sua mãe. Sem linguagem, o pensamento se esvai em intuições fugidias. Com a linguagem, ele ganha corpo, história, direção. Pensamos porque falamos, e falamos para nos tornar.

Talvez por isso conversar seja tão essencial à saúde mental. Ou por isso, quando estamos confusos, dizemos: “preciso botar pra fora.” Ao falar, damos forma ao informe. Ao ouvir a nós mesmos, nos compreendemos melhor. A linguagem é, no fundo, um espelho falante – e talvez seja nela que finalmente nos encontramos.


segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Pensar Demais

Vivemos em uma era onde a informação chega a nós a todo instante, e a mente, por vezes, parece estar em um turbilhão constante de pensamentos. Se você já se pegou pensando "penso demais" em meio a um simples café da manhã, saiba que não está sozinho. Vamos explorar juntos algumas situações cotidianas em que o excesso de pensamento se manifesta e refletir sobre o que grandes pensadores têm a dizer sobre esse fenômeno.

Situações do Cotidiano

Na fila do supermercado: Você está ali, aparentemente tranquilo, aguardando sua vez. Mas, de repente, sua mente começa a divagar. Será que eu comprei o suficiente para o jantar de hoje? E se eu esquecer de algo importante? Aquela promoção estava mesmo vantajosa? E, enquanto isso, a fila parece não andar.

No trabalho: Um projeto precisa ser entregue, mas antes mesmo de começar, você se perde em uma espiral de pensamentos. Será que estou seguindo o caminho certo? E se eu falhar? Será que meus colegas estão me julgando? O peso das expectativas, tanto as próprias quanto as alheias, transforma uma simples tarefa em um desafio monumental.

À noite, na cama: Quando o mundo finalmente silencia, sua mente não faz o mesmo. Repassa conversas do dia, analisa ações, questiona decisões. A cama, que deveria ser um lugar de descanso, vira um palco para debates internos intermináveis.

O Pensador

O filósofo francês René Descartes é famoso por sua frase "Penso, logo existo" ("Cogito, ergo sum"). Essa máxima celebra a capacidade de pensar como a essência da existência humana. No entanto, Descartes também advertia sobre os perigos do excesso de pensamentos. Ele acreditava que um raciocínio claro e distinto era fundamental, mas que o excesso de dúvidas poderia levar à paralisia.

Breve Reflexão

Pensar demais não é necessariamente um vilão. Afinal, a reflexão nos permite tomar decisões mais informadas e entender melhor o mundo ao nosso redor. No entanto, quando o pensamento se torna um ciclo interminável de questionamentos e ansiedades, ele pode nos aprisionar em uma teia de incertezas.

O segredo talvez esteja em encontrar um equilíbrio. Aprender a reconhecer quando estamos pensando demais e tentar desviar nossa mente para algo mais leve. Meditação, exercícios físicos e hobbies podem ser ótimas válvulas de escape. Às vezes, deixar o pensamento fluir sem pressões é o que precisamos para achar a clareza.

Pensar demais é um fenômeno comum na vida moderna. As situações cotidianas podem facilmente desencadear uma avalanche de pensamentos, e isso é parte do que nos torna humanos. Porém, lembrar as palavras de Descartes e buscar o equilíbrio pode nos ajudar a transformar o pensamento excessivo em uma ferramenta de autoconhecimento e crescimento, ao invés de um fardo.

Então, quando se pegar pensando demais, respire fundo e lembre-se: você não está sozinho. E talvez, só talvez, a resposta esteja em não pensar tanto assim.