Já reparou como, às vezes, o tempo parece escorrer por entre os dedos — como areia molhada? Você acorda, toma café, vai ao trabalho, responde e-mails, olha o relógio, almoça apressado, volta... e, quando vê, é noite. Você viveu, mas passou por você?
Heidegger, já mais velho, também pensava nisso. E decidiu voltar à pergunta que
nunca o abandonou: o que é o ser? Mas agora com outra lente: o tempo
não é só um pano de fundo — ele é o próprio caminho por onde o ser se mostra.
1.
Uma inversão: não somos nós que controlamos o tempo
A
primeira mudança de chave em Tempo e Ser é essa: não somos nós que
temos o tempo — é o tempo que nos tem.
Parece
estranho? Pensa naquela reunião que você achou que ia durar 15 minutos e virou
2 horas. Ou naquele feriado que voou. O tempo não se mede só no relógio. Ele é
vivido — e, por isso, pode expandir ou encolher. Heidegger chama isso de tempo
próprio, tempo apropriador (Ereignis).
2.
Do ser como presença ao ser como doação
Lá
em Ser e Tempo, Heidegger ainda tratava o ser como algo que se
manifestava dentro do tempo. Agora, em Tempo e Ser, ele diz que o tempo
é a condição do ser se mostrar. O ser não está “lá” o tempo todo — ele
se doa, se revela, se retira.
É
como as pessoas na nossa vida: tem amigos que aparecem quando a gente menos
espera — e outros que, mesmo presentes, estão ausentes. O ser também é assim — se
dá no tempo certo, e só no tempo certo.
3.
O Ereignis: o momento em que o ser acontece
Heidegger
inventa uma palavra complexa: Ereignis. Traduzem como “acontecimento
apropriador” ou “evento de apropriação”. Mas pense nisso como aquele
instante em que tudo se encaixa, mesmo que por um segundo.
Tipo
quando você está andando na rua, distraído, e sente que está no lugar certo, na
hora certa. Ou quando escuta uma música antiga e algo em você se revela — uma
lembrança, uma emoção esquecida.
Não
é você quem provoca isso — é o tempo que te entrega.
4.
O tempo como clareira (Lichtung)
Heidegger
fala que o ser precisa de uma clareira para aparecer — como uma luz que
atravessa a floresta. Essa luz é o tempo.
Na
prática? É como quando você finalmente tem um domingo livre. Silêncio em casa.
Você senta, olha pela janela e pensa em tudo que não pensa durante a semana. A
vida parece abrir espaço para você pensar no que está fazendo com ela.
Esse instante de clareira é um presente do tempo. E o ser, tímido,
aparece ali — se você estiver atento.
5.
Nem cronômetro, nem relógio — tempo como relação
Heidegger
nos convida a abandonar a ideia de tempo como algo linear e medido em minutos.
Ele quer que a gente perceba o tempo como relação com o ser.
Você já teve um almoço com alguém que parecia durar cinco minutos, mas mudou o
seu mês? Ou já ficou olhando para o teto por três horas sem conseguir respirar
de tanta angústia? O tempo que vale não é o dos ponteiros, mas o da
experiência.
Viver
é acolher o tempo que nos escolhe
Em
Tempo e Ser, Heidegger não está oferecendo uma receita de como
aproveitar melhor o tempo, como os gurus da produtividade. Ele está dizendo:
“Pare
de correr. Escute o tempo. Ele não é seu inimigo. Ele é o próprio lugar onde o
ser se mostra.”
Na
prática? Talvez seja deixar o celular de lado por meia hora. Sentar em
silêncio. Ouvir um amigo com atenção. Aceitar que nem tudo está no nosso
controle — e que o que realmente importa acontece quando você permite que o
tempo aconteça em você.