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sexta-feira, 30 de maio de 2025

Tempo e Ser

 

Já reparou como, às vezes, o tempo parece escorrer por entre os dedos — como areia molhada? Você acorda, toma café, vai ao trabalho, responde e-mails, olha o relógio, almoça apressado, volta... e, quando vê, é noite. Você viveu, mas passou por você?

Heidegger, já mais velho, também pensava nisso. E decidiu voltar à pergunta que nunca o abandonou: o que é o ser? Mas agora com outra lente: o tempo não é só um pano de fundo — ele é o próprio caminho por onde o ser se mostra.

 

1. Uma inversão: não somos nós que controlamos o tempo

A primeira mudança de chave em Tempo e Ser é essa: não somos nós que temos o tempo — é o tempo que nos tem.

Parece estranho? Pensa naquela reunião que você achou que ia durar 15 minutos e virou 2 horas. Ou naquele feriado que voou. O tempo não se mede só no relógio. Ele é vivido — e, por isso, pode expandir ou encolher. Heidegger chama isso de tempo próprio, tempo apropriador (Ereignis).

 

2. Do ser como presença ao ser como doação

Lá em Ser e Tempo, Heidegger ainda tratava o ser como algo que se manifestava dentro do tempo. Agora, em Tempo e Ser, ele diz que o tempo é a condição do ser se mostrar. O ser não está “lá” o tempo todo — ele se doa, se revela, se retira.

É como as pessoas na nossa vida: tem amigos que aparecem quando a gente menos espera — e outros que, mesmo presentes, estão ausentes. O ser também é assim — se dá no tempo certo, e só no tempo certo.

 

3. O Ereignis: o momento em que o ser acontece

Heidegger inventa uma palavra complexa: Ereignis. Traduzem como “acontecimento apropriador” ou “evento de apropriação”. Mas pense nisso como aquele instante em que tudo se encaixa, mesmo que por um segundo.

Tipo quando você está andando na rua, distraído, e sente que está no lugar certo, na hora certa. Ou quando escuta uma música antiga e algo em você se revela — uma lembrança, uma emoção esquecida.

Não é você quem provoca isso — é o tempo que te entrega.

 

4. O tempo como clareira (Lichtung)

Heidegger fala que o ser precisa de uma clareira para aparecer — como uma luz que atravessa a floresta. Essa luz é o tempo.

Na prática? É como quando você finalmente tem um domingo livre. Silêncio em casa. Você senta, olha pela janela e pensa em tudo que não pensa durante a semana. A vida parece abrir espaço para você pensar no que está fazendo com ela.
Esse instante de clareira é um presente do tempo. E o ser, tímido, aparece ali — se você estiver atento.

 

5. Nem cronômetro, nem relógio — tempo como relação

Heidegger nos convida a abandonar a ideia de tempo como algo linear e medido em minutos. Ele quer que a gente perceba o tempo como relação com o ser.
Você já teve um almoço com alguém que parecia durar cinco minutos, mas mudou o seu mês? Ou já ficou olhando para o teto por três horas sem conseguir respirar de tanta angústia? O tempo que vale não é o dos ponteiros, mas o da experiência.

 

Viver é acolher o tempo que nos escolhe

Em Tempo e Ser, Heidegger não está oferecendo uma receita de como aproveitar melhor o tempo, como os gurus da produtividade. Ele está dizendo:

“Pare de correr. Escute o tempo. Ele não é seu inimigo. Ele é o próprio lugar onde o ser se mostra.”

Na prática? Talvez seja deixar o celular de lado por meia hora. Sentar em silêncio. Ouvir um amigo com atenção. Aceitar que nem tudo está no nosso controle — e que o que realmente importa acontece quando você permite que o tempo aconteça em você.

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Origem Inquieta

De onde vem o mundo?

Estava outro dia na fila do pão, dessas que misturam cheiro de fermento com conversa fiada, quando ouvi uma senhora dizer ao neto: “Tudo isso foi Deus que fez, meu filho.” O menino respondeu: “Mas e antes de Deus?” Eu sorri com o canto da boca. Ali, entre o pão francês e o troco contado, surgiu de novo a pergunta mais antiga e mais angustiante: de onde vem o mundo?

Não se trata apenas de uma curiosidade cósmica. Essa questão tem unhas que arranham nossa paz, principalmente nas madrugadas insones ou nas tardes em que o sentido escorre como areia entre os dedos. Recordo de momentos de admiração ao olhar as ondas do mar beijando a areia branca, o pensamento naquele embalinho instigaram a me fazer a pergunta angustiante: De onde vem o mundo? O que havia antes do tempo, antes do espaço, antes da primeira ideia? Havia algo ou havia o nada? E, se havia o nada, como é que o nada virou alguma coisa?

A origem: entre mitos e equações

Desde os antigos, inventamos narrativas para acalmar esse abismo. Os gregos criaram o Caos, uma espécie de mistura primitiva sem forma, da qual emergiram os deuses e o mundo. Já os hindus falam de um ciclo eterno de criação, conservação e destruição — o universo como um respirar cósmico, sem começo fixo. A Bíblia começa com “No princípio”, mas nunca explica de onde veio o “princípio”. Os cientistas modernos trocam os deuses por o Big Bang, mas também tropeçam: de onde veio a singularidade inicial?

É curioso que, mesmo com telescópios que captam luz de bilhões de anos atrás, a pergunta permanece tão inquietante quanto nas cavernas. O mistério não diminuiu. Apenas sofisticamos o vocabulário da dúvida.

A metafísica do espanto

O filósofo alemão Martin Heidegger formulou a questão de forma ainda mais radical: “Por que há o ente e não antes o nada?” O que ele quer dizer é: a existência em si é um espanto. O fato de que algo, qualquer coisa — uma pedra, uma formiga, um pensamento — exista, já é mais difícil de explicar do que qualquer fórmula sobre a origem.

Porque, veja: o nada seria mais simples. O nada não precisa de explicação. Mas o mundo está aqui, insistente. Então, por que algo existe?

Alguns tentaram resolver isso dizendo que o mundo “sempre existiu”. Outros apelam a um criador eterno. Há os que dizem que é tudo ilusão — como os budistas, que falam de Maya, a aparência das coisas. Mas todas essas respostas, quando examinadas com calma, escorregam da mão como sabão molhado. Talvez o erro seja esse: querer que o mundo se explique como um enigma com solução única.

Você ainda está aí lendo este ensaio? Angustiado em saber as respostas?

Uma proposta inusitada: o mundo como erro fecundo

E se, em vez de um plano divino ou de uma sequência causal lógica, o mundo fosse fruto de um erro criativo? Como uma frase dita sem querer que muda o rumo da conversa. Como aquele gole de café que cai da mão e, ao pingar, revela a forma de um rosto no chão. Talvez o mundo tenha surgido como um acidente cósmico fecundo, um tropeço que gerou a dança.

O pensador brasileiro Rubem Alves dizia que talvez Deus tenha criado o mundo como quem escreve um poema, sem saber exatamente o final — apenas impelido por uma necessidade de beleza. Nesse sentido, o mundo não veio de um lugar, mas de um desejo. Não nasceu de uma origem definida, mas de uma ânsia de manifestação. Como um grito no escuro, como um riso sem motivo.

O mundo como pergunta, não como resposta

No fim das contas, talvez o mundo não tenha vindo de algum lugar porque ele é o próprio vir-a-ser. Ele não tem um ponto de partida fixo, mas é um fluxo, uma pergunta encarnada. A cada manhã que nasce, o mundo está se originando de novo. Cada olhar que se espanta é uma nova criação.

Talvez devêssemos parar de perguntar “de onde vem o mundo?” e começar a viver como se o mundo fosse um convite a criar sentidos. Um convite feito sem explicação, mas com infinita abertura.

Afinal, como dizia o poeta Rilke, “Viver as perguntas” talvez seja mais sábio do que querer todas as respostas.

E a pergunta ecoa de novo — talvez no fundo da xícara de café, talvez no silêncio entre dois olhares:

De onde vem o mundo?

Talvez ele venha exatamente daqui — do lugar onde essa pergunta pulsa.

sábado, 17 de maio de 2025

Naturalismo de Quine

A maçã na mesa...

Outro dia, vi uma maçã em cima da mesa e pensei: “Maçã”. Só isso. Não parei para duvidar da existência da fruta nem me perguntei se poderia ser uma ilusão. Minha reação foi natural, automática, sensível e prática: “Maçã”.

Se René Descartes estivesse ao meu lado, talvez perguntasse: “Mas como você sabe que essa maçã é real? E se for um sonho?”. Se fosse David Hume, ele talvez me lembrasse que não temos certeza do que existe fora das nossas impressões. Mas se fosse Quine, ele daria um gole no café e diria:

“Calma. Vamos entender como você chegou a essa crença — do jeito que a ciência faz.”

Porque o naturalismo de Quine é isso: não queremos mais fundações absolutas para o conhecimento, mas sim compreender, com base na ciência, como nosso cérebro constrói o mundo a partir dos estímulos que recebe. Se eu vi a maçã, o que está em jogo não é um argumento lógico para provar que ela existe — mas o modo como meus olhos, minha linguagem, minha cultura e meu cérebro cooperaram para formar a ideia de “maçã”.

Do mundo ao cérebro, do cérebro ao mundo

Segundo Quine, quando recebo um feixe de luz nos olhos e meu cérebro interpreta isso como “fruta”, não há filosofia pura que separe isso da psicologia ou da neurociência. O que há é um sistema inteiro de crenças, hipóteses e hábitos mentais que vão se ajustando à medida que a experiência avança.

Não testamos crenças isoladas, mas todo um “ecossistema de ideias” que vamos carregando e corrigindo. Por isso, a filosofia, para Quine, não está acima da ciência. Está junto dela. E a epistemologia — o estudo do conhecimento — não deve procurar certezas a priori, mas sim acompanhar o que fazemos de fato quando pensamos, aprendemos ou julgamos.

No supermercado com Quine

Fui ao supermercado comprar café. Olhei a prateleira, comparei preços, marcas, descrições e, no fim, escolhi um com “notas de chocolate”. Quais estímulos me levaram a essa escolha? A embalagem vermelha? A palavra “especial”? O cheiro imaginado do café? Quine acharia esse momento fascinante. Ele não perguntaria se foi “certo ou errado”, mas como, biologicamente e culturalmente, esse julgamento aconteceu.

O naturalismo quineano transforma o ato banal de escolher café num microexperimento de como o ser humano pensa. Estamos sempre ajustando nosso conhecimento conforme novas informações aparecem — e isso não precisa de um tribunal lógico para funcionar, mas de observação, de estudo real.

Sem fundações eternas, mas com pés no chão

Quine nos convida a parar de buscar fundamentos inalcançáveis. Em vez disso, ele propõe que a filosofia caminhe com a ciência e olhe para o mundo com olhos atentos, humildes e investigativos.

A maçã na mesa não é um problema filosófico abstrato. É uma oportunidade para entender como funcionamos, como pensamos, como acreditamos.

E, com sorte, ainda dá para comer a maçã no final.

O mundo segundo Quine: um copo d’água e algumas dúvidas

Estava na cozinha, enchendo um copo d’água, quando me peguei pensando: “Que confiança cega a gente tem no mundo, né?”. Abro a torneira, espero que a água saia, tomo sem pensar duas vezes. Ninguém faz um teste de realidade antes de tomar água. A gente age como se o mundo estivesse ali, funcionando.

E é aí que Quine entra de novo, com seu naturalismo na mochila e um olhar desconfiado — não da realidade, mas das perguntas que fazemos sobre ela.

Exemplos cotidianos para entender Quine

No ônibus lotado

Você entra no ônibus, vê alguém com cara conhecida, mas não tem certeza. Seu cérebro começa a comparar, ajustar, buscar padrões. O rosto lembra alguém? A situação é plausível? Quais são as chances de ser a pessoa que você está pensando?

Segundo Quine, esse processo de reconhecimento não exige certezas absolutas, mas probabilidades funcionais, baseadas em um emaranhado de crenças anteriores, percepções atuais e memória. É a mente funcionando como uma pequena “ciência informal”.

A criança que aprende o que é "gato"

Ela ouve a palavra, vê o bicho, associa. Mas também vê um cachorro pequeno e chama de gato. Com o tempo, acerta. A linguagem, para Quine, não nasce do dicionário, mas da interação viva com o mundo. A criança aprende pelo uso, pela repetição, pela correção — como num experimento empírico contínuo.

A superstição do número 13

Mesmo quem não acredita em superstições às vezes evita o número 13. Quine diria que isso é parte do nosso sistema de crenças, que inclui não só ciência e razão, mas também elementos culturais, simbólicos e emocionais, que resistem ao teste da experiência por outros caminhos. O naturalismo não exige que sejamos lógicos o tempo todo, mas que entendamos como realmente funcionamos.

Mas… e as críticas a Quine?

Apesar de seu enorme impacto, o naturalismo de Quine também recebeu críticas. Eis algumas:

- Reduzir a epistemologia à psicologia?

Filósofos como Jaegwon Kim alegam que, ao transformar a epistemologia em um ramo da psicologia, Quine abandona questões normativas importantes — como distinguir boas razões de crenças falsas, ou discutir o que é conhecimento verdadeiro, e não apenas funcional.

- Falta de critério normativo

Se tudo vira um experimento empírico, como saber o que é “melhor” saber? O risco é cair num relativismo prático: o que “funciona” para um grupo pode não funcionar para outro — e a filosofia perde seu papel de julgamento crítico.

- E a lógica? E a ética?

Críticos também dizem que nem todas as áreas da filosofia podem ou devem se submeter ao naturalismo. Como naturalizar discussões éticas? Ou a lógica matemática? Nem tudo cabe num laboratório.

Entre a torneira e o telescópio

Mesmo com as críticas, o legado de Quine é imenso. Ele trouxe a filosofia para perto do mundo, para perto da torneira, do ônibus, do supermercado, da criança e do cientista. Nos ensinou a olhar para a mente humana com os pés no chão — e isso, num mundo cheio de abstrações, já é um gesto filosófico poderoso.

No fim, talvez o naturalismo de Quine não explique tudo. Mas ele nos ajuda a começar pelas perguntas certas:

Como pensamos, de fato? Como lidamos com o mundo sem garantias? E por que acreditamos que há mesmo uma maçã sobre a mesa?

 

Algumas sugestões de leitura:

Da um ponto de vista lógico – Willard Van Orman Quine

A palavra e o objeto – Willard Van Orman Quine

Editora: WMF Martins Fontes 

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Suposições

As trincas por onde a luz entra...

Outro dia, numa conversa entre amigos, alguém disse: “Isso é só uma suposição tua.” E aquilo ficou ressoando na minha cabeça. Suposição... essa palavra meio desvalorizada, tratada como inimiga da certeza. Mas e se as suposições fossem justamente o oposto do que pensamos? E se elas fossem não falhas, mas fendas? Não erros, mas aberturas? Comecei a olhar para elas como quem examina as rachaduras de uma parede antiga — não para consertá-las, mas para ver que talvez seja por ali que a luz entra.

No fundo, toda pergunta começa com uma suposição. Antes de saber algo, é preciso supor que algo possa ser sabido. E mais: supor que vale a pena saber. Toda busca, toda dúvida, todo caminho novo que nos tira do automático parte de uma pequena centelha supositiva — uma faísca que diz: “E se...?”

Nietzsche dizia que “não há fatos, apenas interpretações”. E o que é uma interpretação, senão uma suposição cultivada com método, emoção ou intuição? O problema não é supor. O problema é parar de supor. Quando paramos de fazer suposições, entramos naquilo que alguns chamam de “convicção”, mas que, muitas vezes, é só um jeito mais elegante de chamar a rigidez.

A criança supõe o tempo todo. Ela acha que o armário pode ter um mundo escondido dentro. Supõe que o gato da vizinha é mágico. Supõe que o amanhã vai ser diferente. Isso não é ingenuidade — é imaginação operando em alta voltagem. O adulto, ao contrário, aprende a esmagar as suposições com a pá do “bom senso”. Mas veja que curioso: é quando o adulto volta a supor, como o artista, o filósofo ou o cientista, que ele volta a fazer descobertas.

Supor é uma forma de humildade ativa. É reconhecer que não sabemos, mas suspeitamos. E é nessa suspeita que o pensamento se move. A suposição não é um erro: é o risco do pensamento em movimento. Quem só aceita o que está provado já ficou para trás — porque a verdade, como a luz, muitas vezes chega pelas trincas, não pela porta da frente.

Em tempos de certezas gritadas, supor é quase um ato subversivo. Enquanto tudo ao redor exige opinião formada, discurso pronto, convicção blindada, o supositório filosófico (não confundir com o remédio!) é um antídoto contra a arrogância do saber. É ele que permite a pergunta que ainda não sabemos fazer. É ele que nos abre para o outro, para o novo, para o inesperado.

Suposições são rachaduras existenciais por onde o inusitado pode escapar do escuro. São pequenas frestas que mantêm a mente arejada e o espírito curioso. Não se trata de crer em qualquer coisa, mas de manter o espaço interno em que algo ainda possa ser crido. Como disse Leonard Cohen, “é pela rachadura que a luz entra”. E, talvez, seja pela suposição que o real se reinventa.

Aqui vai um comentário de Merleau-Ponty, filósofo francês da fenomenologia. Ele escreveu:

"A verdade não habita no homem interior, nem está só fora dele; ela nasce entre os homens, como um esforço para comunicar-se."

Ao pensarmos nisso, percebemos que a suposição é justamente esse “entre”. Não é o saber que está consolidado dentro de nós, nem a evidência concreta do mundo lá fora — é o movimento que nasce entre, no espaço ambíguo da possibilidade. Supor é já se dirigir ao outro, ao mundo, a si mesmo transformado, em um gesto de escuta. A suposição, nesse sentido, é menos um erro do que uma abertura para a experiência.

Merleau-Ponty diria que a suposição carrega em si um corpo — porque ela se dá no mundo vivido, na carne da experiência. E talvez por isso, supor não é apenas pensar: é viver com a disposição de quem sabe que a verdade não é um ponto fixo, mas um campo em construção. Um campo em que cada suposição pode se tornar ponte, e não obstáculo.

Você já teve uma ideia atravessada no peito: tudo o que penso saber começou como suposição.

Não como certeza, não como dado técnico, nem como fórmula química. Mas como aquele pensamento bobo que aparece no banho: e se o que disseram não for bem assim? E se não for isso, e se for outra coisa, e se eu estiver vendo tudo torto — ou certo demais?

Tem dia que a realidade parece dura como concreto. Mas aí vem uma suposição e faz um trinco. Um fiapinho de dúvida, de delírio, de desejo. Pronto: já não estamos mais no mesmo lugar. Uma suposição é como virar o rosto só um centímetro e enxergar um canto de mundo que antes estava escondido.

Não, a suposição não é uma fraqueza. É um poder secreto. Um gesto de desconfiança do óbvio. Ela é o que resta da infância em nós: a coragem de achar que o impossível pode estar só dormindo.

Tem quem viva com cimento no pensamento. Tudo sólido, tudo pronto, tudo guardado em pastas. Mas aí chega a suposição, esse sopro que bagunça as gavetas, essa corrente de ar que entra por debaixo da porta e pergunta: tem certeza?

A suposição é uma visita. Ela não pede licença, mas também não invade. Fica ali no canto da sala mental, olhando tudo com uma sobrancelha arqueada. Às vezes vai embora, às vezes fica. Às vezes vira ideia. Outras vezes vira caminho.

Talvez por isso, Platão desconfiava da imaginação. E Merleau-Ponty — como já te contei — abraçava a ambiguidade. Ele entendia que a verdade não tem endereço fixo. Ela dança. E só quem supõe aprende os passos.

“O mundo não é o que eu penso, mas o que eu vivo.” — disse ele.

Então, viver é supor. Supor que vale a pena. Supor que vai dar certo. Supor que o outro sente como eu. Supor que amanhã a gente acorda um pouco menos endurecido. Supor que há beleza onde ninguém mais procura. Supor que esse texto faça sentido pra alguém, mesmo que não pra todos.

Porque no fim, a suposição é só isso: um clarão num corredor escuro. Nem luz inteira, nem breu completo. Só o suficiente pra dar o próximo passo. 

sábado, 28 de dezembro de 2024

Enxertos de Memória

À medida que vamos envelhecendo vamos aumentando os lapsos de memória, e como seres humanos vamos preenchendo lacunas com enxertos que parecem ser interessantes. Falar dos enxertos de memória é fascinante, refletir a respeito mostra como nossa mente preenche lacunas com informações inventadas ou distorcidas, criando lembranças que parecem reais, mas são uma mistura de fatos e ficção. Isso acontece quando tentamos lembrar onde deixamos as chaves e acabamos convencidos de que estão na mesa de entrada, mesmo que estejam no bolso.

Sigmund Freud, o pai da psicanálise, estudou isso e chamou de "recalque", mostrando que essas memórias fabricadas podem influenciar nossa percepção de nós mesmos e do mundo. Discutir isso nos ajuda a entender melhor a fragilidade da nossa memória e a ser mais críticos e compreensivos com nossas próprias lembranças e as dos outros. Aqui percebemos nossa capacidade de enganar e sermos autoenganados.

A capacidade de enganar não se limita apenas às mentiras intencionais que contamos no dia a dia. Ela também se manifesta de maneira sutil e involuntária nos lapsos de memória que experimentamos. Nossa mente, em sua busca constante por coerência e completude, muitas vezes preenche lacunas com informações fabricadas ou alteradas, criando "enxertos" que se misturam com nossas lembranças verdadeiras. Esse fenômeno pode ser tão natural quanto perigoso, e sua compreensão nos leva a refletir sobre a complexidade da memória humana.

Enxertos de Memória no Cotidiano

Imagine a seguinte situação: você está conversando com um amigo sobre um evento que aconteceu há alguns anos. Durante a conversa, percebe que não se lembra exatamente de todos os detalhes. Em vez de admitir o esquecimento, sua mente começa a preencher essas lacunas com fragmentos de outras experiências, informações parcialmente corretas ou até mesmo pura invenção. Sem perceber, você pode acabar criando uma narrativa que parece totalmente real, mas que é, na verdade, uma mistura de fatos e ficção.

Outro exemplo comum é quando tentamos recordar onde colocamos um objeto importante, como as chaves de casa. Se não conseguimos lembrar, nossa mente pode criar um cenário plausível com base em hábitos passados ou em suposições lógicas. “Eu sempre coloco as chaves na mesa de entrada”, você pensa, e essa falsa memória se solidifica, mesmo que, dessa vez, as chaves estejam em outro lugar.

O Pensador e a Memória

Um dos pensadores que explorou profundamente a fragilidade e a complexidade da memória foi Sigmund Freud, o pai da psicanálise. Freud acreditava que nossa mente possui mecanismos de defesa que podem distorcer ou reprimir memórias para proteger nosso ego de experiências dolorosas ou traumáticas. Ele chamou esses processos de “recalque” e sugeriu que, muitas vezes, preenchemos as lacunas de nossa memória com enxertos para manter uma narrativa coerente de nossa vida.

Freud argumentava que essas memórias enxertadas não são apenas erros inofensivos, mas podem influenciar significativamente nossa percepção de nós mesmos e do mundo ao nosso redor. Elas podem moldar nossos comportamentos, nossas crenças e até mesmo nossas emoções, sem que estejamos plenamente conscientes dessas alterações.

Consequências e Reflexões

Os enxertos de memória podem ter consequências variadas. Em alguns casos, eles são inofensivos e podem até ser reconfortantes, ajudando-nos a criar uma sensação de continuidade e identidade. No entanto, em outras situações, essas falsas memórias podem levar a mal-entendidos, conflitos e até problemas legais.

Por exemplo, testemunhas em um tribunal podem fornecer depoimentos baseados em memórias enxertadas, acreditando sinceramente que estão falando a verdade. Isso pode comprometer a justiça e levar a decisões equivocadas. No âmbito pessoal, memórias distorcidas podem afetar nossos relacionamentos, causando ressentimentos ou falsas acusações.

A capacidade de enganar, quando vista através do prisma dos enxertos de memória, revela-se uma característica intrínseca e complexa da natureza humana. Nossa mente, na sua incessante busca por ordem e significado, frequentemente recorre a esses enxertos para preencher as lacunas de nossa memória. Embora esse mecanismo possa nos ajudar a manter uma narrativa coerente de nossas vidas, ele também nos lembra da fragilidade e da subjetividade de nossas lembranças.

É crucial reconhecer que nossas memórias não são infalíveis. Manter um grau de ceticismo saudável sobre nossas próprias recordações pode nos ajudar a ser mais compreensivos com os outros e mais conscientes das limitações de nossa mente. Afinal, como disse Freud, "A verdade é como o sol. Você pode escondê-la por um tempo, mas ela não vai desaparecer." E assim também é com nossas memórias – um intrincado jogo de luz e sombra, verdade e ficção, que compõe a tapeçaria de nossa existência.


quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Sombras de Tolos

"Sob a luz do dia, todos somos iguais", dizia um sábio anônimo de esquina, enquanto o sol se punha lentamente. Mas à medida que a luz se desvanece, as sombras começam a crescer, revelando o outro lado de nós mesmos, aquele que nem sempre mostramos, ou melhor, aquele que preferimos esconder.

As sombras de tolos não são apenas meros contornos alongados projetados no chão ao entardecer. Elas são reflexos de escolhas, omissões, e muitas vezes de uma persistente ignorância que se recusa a reconhecer a verdade. O tolo é aquele que, em sua cegueira voluntária, prefere a escuridão à luz, camuflando-se em uma sombra confortável que distorce a realidade.

No dia a dia, quantas vezes nos pegamos seguindo a sombra de nossas próprias inseguranças? Às vezes, agimos como tolos ao ignorar conselhos, ao nos recusarmos a aprender com os erros, ou ao não ver o óbvio que está bem diante de nós. Quantas decisões tomamos baseadas no medo de enfrentar a verdade, preferindo a segurança de uma sombra que nos protege temporariamente, mas que no final só nos aprisiona?

Um filósofo diria que a sombra do tolo é aquela que se alimenta da ignorância, cresce na arrogância e se perpetua na negação. Ela não é apenas a ausência de luz, mas a ausência de desejo pela luz. O tolo, ao invés de encarar o mundo com coragem, esconde-se atrás de sua sombra, preferindo o conforto de suas falsas certezas e que ainda acredita no mundo ideal do Instagram.

Mas nem tudo está perdido. Mesmo o tolo tem a oportunidade de sair das sombras. Basta que ele decida, com coragem, olhar para o sol e encarar a luz da verdade, mesmo que ela seja dura e ofuscante. Porque, no fim das contas, a luz é o único caminho para deixar de ser sombra, para deixar de ser tolo. Assim, quando você se encontrar hesitando, pense nas sombras que está criando. São elas reflexos de sua sabedoria ou simplesmente as sombras de um tolo?

sábado, 13 de julho de 2024

Areia Movediça

Entrar na areia movediça do outro porque tem pouca luz?

Imagine-se caminhando por um campo aberto durante a noite. Há uma leve neblina no ar e a única luz disponível é a da lua, parcialmente coberta por nuvens. Você segue um caminho conhecido, mas algo o atrai para uma área desconhecida, uma trilha que parece promissora, mas também um pouco sombria. A curiosidade, talvez a necessidade de compreender mais sobre o terreno, leva você a adentrar esse novo caminho.

Essa metáfora pode ser aplicada ao convívio humano, onde entrar na areia movediça do outro significa se aventurar na complexidade das experiências, emoções e pensamentos de outra pessoa, muitas vezes porque as próprias circunstâncias da vida estão pouco iluminadas. Quando nos sentimos perdidos ou incertos, podemos buscar refúgio na compreensão do outro, na tentativa de encontrar clareza para nossa própria escuridão.

Cotidiano na Areia Movediça

Na prática, isso acontece em diversas situações. Pense em um amigo passando por um momento difícil, onde você sente a necessidade de oferecer apoio. Inicialmente, sua abordagem é cautelosa, você tateia o terreno tentando entender a profundidade das emoções envolvidas. À medida que se envolve mais, percebe que a situação é mais complicada do que aparentava, como areia movediça que parece estável, mas cede sob seus pés.

No trabalho, talvez você encontre um colega enfrentando problemas pessoais que afetam seu desempenho. A princípio, você pode hesitar em se envolver profundamente, temendo as consequências para sua própria estabilidade emocional. No entanto, a falta de clareza sobre sua própria situação pode levá-lo a mergulhar na situação do outro, na esperança de encontrar um sentido maior ou até mesmo respostas para suas próprias dúvidas.

Luz na Escuridão

O filósofo Søren Kierkegaard pode nos ajudar a refletir sobre essa dinâmica. Ele argumentava que a vida é um processo contínuo de se tornar um eu verdadeiro, o que muitas vezes envolve confrontar nossas próprias incertezas e medos. Quando entramos na areia movediça do outro, na verdade estamos confrontando aspectos de nós mesmos que talvez evitássemos. Ao ajudar alguém a encontrar a clareza, também buscamos nossa própria luz.

Kierkegaard falava sobre a "angústia da possibilidade", onde a incerteza do futuro e as múltiplas possibilidades nos deixam ansiosos. Entrar na escuridão do outro pode ser uma tentativa de lidar com nossa própria angústia, projetando nossa busca de sentido em um contexto mais tangível. É como se, ao iluminar a jornada do outro, pudéssemos encontrar pistas para iluminar a nossa própria.

Reflexão Final

Entrar na areia movediça do outro porque tem pouca luz é uma experiência profundamente humana. É uma mistura de compaixão, curiosidade e uma busca quase desesperada por clareza. Embora arriscado, esse ato pode trazer insights valiosos sobre quem somos e como nos conectamos com o mundo ao nosso redor. É um lembrete de que, mesmo nas situações mais obscuras, a busca por compreensão mútua pode revelar luzes inesperadas e caminhos compartilhados. 

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Ver a Luz

Hoje vamos bater um papo sobre algo que todo mundo já ouviu falar em algum momento da vida: "ver a luz". Não, não estou falando daquela luzinha que você vê quando bate a cabeça na quina da mesa (apesar de já ter acontecido com todo mundo, né?). Estou falando daquela luz que ilumina a alma, que traz clareza aos pensamentos e aquece o coração.

Então, o que significa "ver a luz"? Bem, isso vai além do físico, é mais sobre o espiritual e emocional. É quando você finalmente entende algo importante, quando uma verdade profunda se revela para você, quando você sente uma conexão mais forte com algo maior que você mesmo.

Pensa comigo: quantas vezes na vida a gente se sente perdido, no escuro, sem rumo? Aí, do nada, BOOM! Você vê a luz. Pode ser após um período de dificuldades, quando tudo parece estar indo por água abaixo. É como se alguém acendesse uma lanterna na escuridão e você finalmente enxergasse o caminho à frente.

Mas essa jornada de "ver a luz" não é só sobre superar desafios ou momentos difíceis. Às vezes, é sobre encontrar a paz interior, entender quem você é de verdade e qual é o seu propósito neste mundo louco. É como se a luz iluminasse as partes mais obscuras da sua alma, mostrando que você é muito mais do que suas inseguranças e medos.

Agora, vou dar um toque especial aqui e trazer um pensador que manja muito desse lance espiritual e emocional: Carl Jung. Esse cara era um psicólogo suíço que falava bastante sobre o "processo de individuação", que é basicamente o caminho para se tornar quem você realmente é. Jung falava sobre a importância de confrontar e integrar as partes obscuras da nossa personalidade para alcançar a plenitude.

Para Jung, "ver a luz" não era só sobre entender a si mesmo, mas também sobre se conectar com algo maior, com o inconsciente coletivo, com o divino. É como se, ao vermos a luz dentro de nós mesmos, também nos conectássemos com a luz que permeia o universo.

Então, a moral da história é: não importa onde você esteja na vida, sempre há uma luz lá fora esperando para ser vista. Às vezes, pode ser preciso enfrentar algumas sombras, mas no final, a luz sempre prevalece. Então, continue sua jornada, mantenha os olhos abertos e, quem sabe, você também verá a luz. 

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Barro e Luz

Você já parou para pensar naquilo que nos constitui? Naquilo que nos faz ser quem somos, no âmago da nossa existência? Somos feitos de barro, ou somos feitos de luz? Essa questão, aparentemente simples, carrega consigo uma profundidade que nos convida a refletir sobre nossa essência, sobre o que nos torna verdadeiramente humanos.

No dia a dia, estamos imersos em uma realidade material, onde o concreto parece ditar as regras. Desde as primeiras horas da manhã, nos envolvemos em uma rotina que nos conecta com o mundo físico: acordamos, nos alimentamos, trabalhamos, nos relacionamos. Parece que somos moldados pelo barro da existência terrena, sujeitos às suas limitações e contingências.

Imagine-se em uma segunda-feira típica. Você acorda com o som do despertador, sentindo-se como se tivesse sido esculpido de argila, ainda moldável, mas já tomando forma. Arrasta-se para fora da cama, pronto para enfrentar mais um dia de desafios e responsabilidades. O trânsito caótico, a pressão no trabalho, as preocupações do dia a dia - tudo isso parece confirmar a ideia de que somos apenas criaturas físicas, presas às circunstâncias materiais.

No entanto, mesmo nas situações mais mundanas, há lampejos de algo mais. É como se uma centelha divina residisse dentro de nós, uma luz que nos guia mesmo nos momentos mais sombrios. Pense naquela conversa com um amigo que te confortou nos momentos de tristeza, ou na sensação de paz ao contemplar um pôr do sol deslumbrante. São momentos como esses que nos fazem questionar se somos realmente feitos apenas de barro.

Às vezes, a dualidade entre barro e luz se manifesta de maneira mais evidente em nossas vidas. Por exemplo, quando enfrentamos desafios de saúde, como uma doença grave. Nesses momentos, nosso corpo parece falhar, nos lembrando de nossa fragilidade física. No entanto, é também nesses momentos de provação que muitos de nós descobrimos uma força interior que não sabíamos possuir - uma luz que nos sustenta mesmo nas horas mais sombrias.

E o que dizer das artes? Da música que nos arrebata, das pinturas que nos transportam para outros mundos, das histórias que nos fazem sonhar? Nesses momentos de contemplação estética, somos elevados para além das limitações do mundo material, tocando algo mais profundo dentro de nós, algo que transcende a mera existência física.

Portanto, talvez a verdadeira essência da humanidade resida na intersecção entre o barro e a luz. Somos seres físicos, sim, moldados pelas circunstâncias materiais da vida. Mas também somos seres espirituais, conectados a algo maior do que nós mesmos, alimentados por uma luz interior que nos guia em nossa jornada.

Então, quando se encontrar imerso nas complexidades do cotidiano, lembre-se: somos feitos de barro, sim, mas também somos feitos de luz. E é essa dualidade que nos torna verdadeiramente humanos.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Mãos de Luz


Se pararmos por um momento para observar nossas mãos, perceberemos um mundo de diversidade contido em cada dedo, em cada gesto que fazemos. As mãos são mais do que simples apêndices; são ferramentas de expressão, instrumentos de trabalho e veículos de amor. Neste papo informal, vamos dar uma visada na incrível variedade que as mãos apresentam e por que vale a pena refletir sobre essa diversidade. Elas não são apenas partes do corpo; são símbolos da complexidade da vida e, de maneiras surpreendentes, conectam filosofias, espiritualidades e culturas. Vamos refletir sobre o que nossas mãos podem nos ensinar sobre a riqueza que está escondida na diferença.

Uma sugestão de leitura que aborda o tema de maneira singular é o livro "Mãos de Luz", escrito por Barbara Ann Brennan, oferece uma perspectiva única sobre o poder das mãos no contexto da energia e da cura. Brennan, renomada terapeuta energética, nos guia por um fascinante mundo onde as mãos não são apenas instrumentos físicos, mas portadoras de luz e energia vital. É um livro de descobertas que sem dúvida nos faz pensar como podemos despertar e descobrir em nós potências que precisam ser desenvolvidas para uso em favor do bem.

As Mãos como Canais de Energia: No universo de Brennan, as mãos não são simplesmente extensões do corpo, mas canais através dos quais a energia flui. Ela explora a ideia de que nossas mãos são capazes de captar, canalizar e redistribuir energias sutis que permeiam o corpo e o ambiente ao nosso redor. Este conceito transforma a maneira como entendemos o papel das mãos, transcendendo sua função física para algo mais profundo.

A Diversidade de Toques Terapêuticos: "Mãos de Luz" destaca a diversidade de toques terapêuticos que as mãos podem oferecer. Desde toques suaves e reconfortantes até movimentos mais intensos, cada abordagem tem a capacidade única de interagir com o campo energético do indivíduo. Essa diversidade de toques reflete a necessidade de adaptação e personalização na prática da cura energética.

Imposição das Mãos e Cura: A técnica da imposição das mãos, tão presente em diversas tradições espirituais e terapêuticas, é explorada à luz dos conceitos energéticos apresentados por Brennan. Ela descreve como a transmissão intencional de energia através das mãos pode influenciar positivamente o equilíbrio energético do receptor, tocando não apenas o corpo físico, mas também os aspectos sutis da existência.

As Mãos na Percepção da Aura: Brennan introduz a fascinante ideia de que as mãos podem ser instrumentos para perceber e interagir com a aura, o campo energético que envolve o corpo. Ao aprender a sentir e interpretar as nuances da aura por meio das mãos, somos capacitados a compreender melhor as complexidades da saúde física e emocional.

"Mãos de Luz" nos convida a repensar a natureza das mãos, transcendendo a visão convencional para abraçar a riqueza da energia que possuímos. Este olhar profundo destaca como as mãos não apenas executam tarefas físicas, mas também desempenham um papel crucial na expressão e no equilíbrio da energia vital. Ao explorar os ensinamentos de Brennan, descobrimos um novo significado nas mãos - um convite para a jornada fascinante de compreender e utilizar sua luz interior.

Além de Brennan, outros já trataram sobre a diversidade que é uma característica intrínseca à natureza humana e ao mundo que nos rodeia. Em nenhum lugar isso é mais evidente do que na anatomia das mãos, onde os dedos, apesar de não serem idênticos em forma, contribuem para a unidade funcional. Então vamos prosseguir analisando agora através da visão filosófica da unidade na diversidade, ancorada tanto na filosofia ocidental quanto nas perspectivas do budismo.

Filósofos ocidentais como Aristóteles e Hegel abordaram a questão da diversidade e unidade em diferentes contextos. Aristóteles, em sua filosofia, enfatizou a ideia de que a unidade emerge da diversidade, criando uma harmonia na variedade. Hegel, por sua vez, explorou a dialética entre opostos, argumentando que a contradição é essencial para o desenvolvimento da unidade. A mão, com seus dedos distintos, pode ser vista como um microcosmo que reflete as complexidades da vida. Cada dedo tem sua função única, mas é na sua cooperação que a mão atinge sua máxima eficácia. Essa analogia pode ser aplicada à sociedade, onde a diversidade de habilidades e perspectivas contribui para a riqueza coletiva.

Budismo e a Compreensão da Unidade na Diversidade: O budismo, com sua ênfase na interdependência e na natureza transitória da realidade, oferece uma perspectiva única sobre a coexistência de elementos diversos. A filosofia budista ensina que a compreensão da interconexão de todas as coisas é fundamental para alcançar a iluminação. No budismo, a mão tem um papel significativo em práticas meditativas. Mudras, gestos simbólicos feitos com as mãos, são usados para canalizar a energia e expressar conceitos espirituais. A diversidade de mudras representa a variedade de caminhos espirituais, enquanto a unidade reside na busca comum pela iluminação.

Os dedos não são idênticos, mas são iguais na medida em que a diversidade formal dos singulares atinge a igualdade, por potência, no envoltório da mão, esta metáfora dos dedos da mão ilustra de maneira poderosa a filosofia da unidade na diversidade. Seja na tradição filosófica ocidental ou na perspectiva budista, a compreensão de que a diversidade é essencial para a harmonia e a unidade oferece insights valiosos para a forma como percebemos o mundo ao nosso redor. Assim como os dedos colaboram para a função integral da mão, a humanidade, ao abraçar e celebrar suas diferenças, pode alcançar uma maior realização coletiva.

Como vimos, as mãos, com sua diversidade intrínseca, têm sido fonte de reflexão filosófica e espiritual em várias tradições. Além das perspectivas filosóficas ocidentais e budistas, a visão do kardecismo adiciona uma dimensão espiritual à análise da unidade na diversidade. No contexto do kardecismo, as mãos são frequentemente vistas como instrumentos através dos quais a energia espiritual é canalizada. Allan Kardec, fundador do espiritismo, destacou a mediunidade como uma forma pela qual as mãos podem servir como veículo de comunicação entre o mundo físico e espiritual.

Assim como os dedos desempenham funções específicas na mão, as mãos no kardecismo são vistas como instrumentos versáteis para diferentes tarefas espirituais. Seja na imposição das mãos para transmissão de energias curativas ou na psicografia, a diversidade de usos reflete a variedade de dons espirituais presentes na prática kardecista. O kardecismo enfatiza a prática da caridade como um caminho espiritual. Neste contexto, as mãos são instrumentos de auxílio e apoio ao próximo. A diversidade de habilidades e ações solidárias unem-se na expressão máxima de caridade, demonstrando como a unidade pode emergir da diversidade.

A abordagem kardecista, ao valorizar a diversidade de dons espirituais e o papel das mãos como instrumentos de transmissão energética, converge de certa forma com a filosofia budista. Ambas as tradições reconhecem a interdependência e a coexistência de diversas manifestações na busca espiritual.

A metáfora das mãos, ao integrar as perspectivas filosóficas ocidentais, budistas e kardecistas, revela uma complexidade única. Enquanto as mãos representam a diversidade funcional na esfera física, elas transcendem para servir como instrumentos de conexão espiritual e manifestação da caridade. Nesse entendimento, a unidade na diversidade ganha uma dimensão mais profunda, ilustrando a riqueza que surge quando diferentes tradições se entrelaçam em busca de compreensão e elevação espiritual.

Fonte:

Brennan, Barbara Ann. Mãos de Luz. Um guia para a cura através do campo de energia humana. Trad. Octávio Mendes Cajado. Ed. Pensamento, São Paulo, 1987.

Sodré, Muniz. Pensar Nagô. Ed. Vozes. Petrópolis, RJ, 2017