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sábado, 19 de abril de 2025

Ardil 22

A armadilha que pensa como a gente

Outro dia, tentando cancelar um serviço de internet, me vi preso num diálogo kafkiano com um robô que me dizia que eu só poderia cancelar pelo telefone — e o telefone me mandava de volta pro site. Depois de meia hora nisso, me caiu a ficha: isso é um Ardil 22. E mais — nós somos cheios de pequenos Ardis 22. Eles moram nas empresas, nos sistemas, nas relações e até dentro da cabeça da gente.

O famoso "Catch-22", inventado por Joseph Heller, é mais do que uma ironia militar: é um modo de existência. Na história, o piloto Yossarian quer sair da guerra alegando insanidade. Mas o fato de ele querer sair da guerra prova que ele é são. Logo, não pode sair. Está preso. Pronto. A lógica fecha sobre si mesma como uma ratoeira — elegante, cruel, racional.

Mas será que o Ardil 22 não é, no fundo, uma metáfora do labirinto lógico em que vivemos quando tudo parece exigir coerência, mas o mundo real é feito de paradoxos?

O paradoxo como forma de controle

Os Ardis 22 da vida não precisam usar farda. Eles aparecem em frases como:

– "Se você precisa pedir ajuda, então não está pronto para recebê-la."

– "Você só pode conseguir experiência tendo experiência."

– "Se você não tem segurança, não pode conseguir crédito. Mas sem crédito, como terá segurança?"

O Ardil 22 é uma estrutura mental e social que gera imobilidade. Ele usa a lógica para travar a ação. E talvez o mais angustiante seja perceber que muitas dessas armadilhas não vêm de fora, mas são construídas dentro da gente. São as autoexigências circulares: “Só vou descansar quando terminar tudo” — mas “nunca termina tudo”, então nunca descanso.

Segundo Zygmunt Bauman, vivemos em uma modernidade líquida, onde as certezas evaporaram e as estruturas sólidas viraram gelatina. Dentro desse mundo fluido, o Ardil 22 atua como uma espécie de pseudoestrutura: ele nos dá a sensação de lógica e ordem, mesmo quando está nos paralisando.

O Ardil interior: quando a mente vira carcereira

Vamos além: talvez o Ardil 22 seja também um modo de operar do ego. O ego quer proteger, mas também quer controlar. Ele diz: “Se você se mostrar vulnerável, será fraco.” Mas também: “Se você não se mostrar, nunca será compreendido.” Estamos presos entre ser vistos e ser julgados, entre agir e falhar, entre falar e ser mal interpretados.

E aí surge a pergunta: existe saída? Ou o Ardil é como um labirinto cujas paredes se movem cada vez que encontramos uma saída?

Sri Ram e o Ardil do espírito

O pensador N. Sri Ram, num de seus escritos mais belos, disse que "a liberdade não está em escapar das condições, mas em compreendê-las por dentro." Ou seja, talvez a saída do Ardil 22 não esteja na quebra do paradoxo, mas no reconhecimento da sua natureza. Ele é uma armadilha — sim — mas só porque acreditamos que ele precisa ser resolvido como um problema de matemática. E talvez ele seja, na verdade, um koan zen: um paradoxo para silenciar a mente lógica e abrir o coração.

Rir antes que nos enlouqueçamos

O Ardil 22 da vida é aquele momento em que, para ser feliz, você precisa parar de buscar a felicidade — mas parar de buscar já é, de novo, uma forma de busca. É aquele nó que só se desfaz quando você para de puxar. Quando percebe que a saída do labirinto talvez seja parar de correr por ela e simplesmente sentar no chão. Ou rir. Porque o Ardil 22 perde a força quando você ri dele. Quando você entende que ele pensa como você, mas você pode pensar diferente.

E aí, talvez, a verdadeira sanidade seja exatamente aceitar que às vezes não há saída lógica. E tudo bem. A vida é maior do que as suas contradições.

 

Fica aí a sugestão de leitura do romance:

“Ardil 22” por Joseph Heller (Autor), A. B. Pinheiro de Lemos (Tradutor), Mariana Menezes (Tradutor)Edição de Bolso da Best Seller


domingo, 3 de novembro de 2024

Sempre Mais

Estava escutando a música “Eu Quero Sempre Mais” com Pitty e Ira no acústico do Ira, e não poderia deixar passar este breve momento de reflexão. O desejo de querer sempre mais é como uma chama que nunca se apaga completamente. Esse "mais" é a busca incessante por algo que, por vezes, nem sabemos exatamente o que é, mas que sentimos que está ali, fora do alcance, esperando para ser conquistado. O querer mais, no entanto, pode ser uma jornada de descobertas profundas ou uma prisão de insatisfações eternas. E é nesse ponto que a filosofia tem muito a nos dizer.

Link da Música “Eu quero sempre mais”:

https://www.youtube.com/watch?v=NwZNsOaY-fU&list=RDBj8t8oaNSOc&index=7

O Desejo: Motor e Prisão

Desde os tempos antigos, filósofos analisaram a natureza do desejo e da ambição. Para Platão, o desejo era parte da alma humana, um dos elementos que compõem a essência do ser. Porém, o desejo, se não controlado, poderia nos afastar do que ele chamava de "Bem" – aquilo que nos traria verdadeira realização. Esse querer sempre mais nos lança numa busca pelo inalcançável, mas será que essa busca é produtiva?

Schopenhauer, por exemplo, vê o desejo como uma força que nos impulsiona, mas que, ao mesmo tempo, nos escraviza. Para ele, a vida é uma dança entre desejar e se frustrar. Quando obtemos o que queremos, logo um novo desejo aparece, e o ciclo recomeça. É uma prisão, mas ao mesmo tempo é o motor que nos mantém em movimento. Nessa visão, o querer mais é uma espécie de condenação, um ciclo perpétuo de insatisfação.

A Ilusão do Mais

Vivemos em uma sociedade que celebra o "sempre mais": mais dinheiro, mais bens materiais, mais status, mais sucesso. Parece que, quanto mais temos, mais acreditamos que estamos próximos da felicidade. Mas essa é uma ilusão poderosa. Hannah Arendt nos lembra que, ao confundir o ter com o ser, acabamos por diluir nossa própria identidade, trocando o sentido de vida por um acúmulo de objetos ou realizações externas.

Esse querer constante nos afasta de apreciar o que já temos. Ao focar no que falta, esquecemos de reconhecer o que já está presente. Em vez de saborear o momento, olhamos constantemente para o próximo desejo, para a próxima meta. É como caminhar numa esteira: movemos as pernas, fazemos esforço, mas não saímos do lugar. A satisfação plena parece sempre escorregar pelos nossos dedos.

Querer Mais: Um Caminho de Crescimento ou um Ciclo de Vazio?

Se o desejo e a ambição fazem parte da nossa natureza, como então lidar com esse querer mais sem nos perdermos? Talvez a resposta esteja em compreender que o "mais" que buscamos não precisa ser necessariamente material ou imediato. Podemos canalizar esse desejo para o autoconhecimento, para a busca de experiências significativas e para o cultivo de valores internos.

Nietzsche, com sua filosofia do "Eterno Retorno", nos provoca a pensar sobre a qualidade das nossas escolhas. Se soubéssemos que teríamos que viver esta vida, exatamente como ela é, eternamente, será que ainda assim desejaríamos as mesmas coisas? Ao trazer essa reflexão, ele nos convida a ponderar sobre o que realmente vale a pena ser desejado. Esse "mais" que queremos pode, muitas vezes, ser apenas uma distração para evitar enfrentar o vazio existencial.

O Equilíbrio Entre o Querer e o Ser

Talvez a chave esteja em encontrar um equilíbrio. O querer mais pode nos impulsionar, mas precisa ser um desejo consciente, que esteja em sintonia com nossa essência. Ao invés de buscar preencher o vazio com coisas externas, podemos buscar uma expansão do "ser" em vez de apenas do "ter".

Esse “sempre mais” pode então se transformar numa busca saudável, onde o desejo deixa de ser uma prisão e passa a ser uma força de crescimento. Buscar mais sabedoria, mais compaixão, mais compreensão – esses são desejos que nos alimentam, em vez de nos esgotar.