A armadilha que pensa como a gente
Outro
dia, tentando cancelar um serviço de internet, me vi preso num diálogo kafkiano
com um robô que me dizia que eu só poderia cancelar pelo telefone — e o
telefone me mandava de volta pro site. Depois de meia hora nisso, me caiu a
ficha: isso é um Ardil 22. E mais — nós somos cheios de pequenos Ardis 22. Eles
moram nas empresas, nos sistemas, nas relações e até dentro da cabeça da gente.
O
famoso "Catch-22", inventado por Joseph Heller, é mais do que uma
ironia militar: é um modo de existência. Na história, o piloto Yossarian quer
sair da guerra alegando insanidade. Mas o fato de ele querer sair da guerra
prova que ele é são. Logo, não pode sair. Está preso. Pronto. A lógica fecha
sobre si mesma como uma ratoeira — elegante, cruel, racional.
Mas
será que o Ardil 22 não é, no fundo, uma metáfora do labirinto lógico em que
vivemos quando tudo parece exigir coerência, mas o mundo real é feito de
paradoxos?
O
paradoxo como forma de controle
Os
Ardis 22 da vida não precisam usar farda. Eles aparecem em frases como:
–
"Se você precisa pedir ajuda, então não está pronto para recebê-la."
–
"Você só pode conseguir experiência tendo experiência."
–
"Se você não tem segurança, não pode conseguir crédito. Mas sem crédito,
como terá segurança?"
O
Ardil 22 é uma estrutura mental e social que gera imobilidade. Ele usa a lógica
para travar a ação. E talvez o mais angustiante seja perceber que muitas dessas
armadilhas não vêm de fora, mas são construídas dentro da gente. São as
autoexigências circulares: “Só vou descansar quando terminar tudo” — mas “nunca
termina tudo”, então nunca descanso.
Segundo
Zygmunt Bauman, vivemos em uma modernidade líquida, onde as certezas evaporaram
e as estruturas sólidas viraram gelatina. Dentro desse mundo fluido, o Ardil 22
atua como uma espécie de pseudoestrutura: ele nos dá a sensação de lógica e
ordem, mesmo quando está nos paralisando.
O
Ardil interior: quando a mente vira carcereira
Vamos
além: talvez o Ardil 22 seja também um modo de operar do ego. O ego quer
proteger, mas também quer controlar. Ele diz: “Se você se mostrar vulnerável,
será fraco.” Mas também: “Se você não se mostrar, nunca será compreendido.”
Estamos presos entre ser vistos e ser julgados, entre agir e falhar, entre
falar e ser mal interpretados.
E
aí surge a pergunta: existe saída? Ou o Ardil é como um labirinto cujas paredes
se movem cada vez que encontramos uma saída?
Sri
Ram e o Ardil do espírito
O
pensador N. Sri Ram, num de seus escritos mais belos, disse que "a
liberdade não está em escapar das condições, mas em compreendê-las por
dentro." Ou seja, talvez a saída do Ardil 22 não esteja na quebra do
paradoxo, mas no reconhecimento da sua natureza. Ele é uma armadilha — sim —
mas só porque acreditamos que ele precisa ser resolvido como um problema de
matemática. E talvez ele seja, na verdade, um koan zen: um paradoxo para
silenciar a mente lógica e abrir o coração.
Rir
antes que nos enlouqueçamos
O
Ardil 22 da vida é aquele momento em que, para ser feliz, você precisa parar de
buscar a felicidade — mas parar de buscar já é, de novo, uma forma de busca. É
aquele nó que só se desfaz quando você para de puxar. Quando percebe que a
saída do labirinto talvez seja parar de correr por ela e simplesmente sentar no
chão. Ou rir. Porque o Ardil 22 perde a força quando você ri dele. Quando você
entende que ele pensa como você, mas você pode pensar diferente.
E
aí, talvez, a verdadeira sanidade seja exatamente aceitar que às vezes não há
saída lógica. E tudo bem. A vida é maior do que as suas contradições.
Fica aí a sugestão de leitura do romance:
“Ardil 22” por Joseph
Heller (Autor), A. B. Pinheiro de Lemos (Tradutor), Mariana
Menezes (Tradutor)Edição de Bolso da Best Seller
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