O Sofrimento da Liberdade na Era do Consumo
Escolher
um lanche parece algo simples. Mas experimente entrar em uma prateleira de
supermercado com dezenas de tipos de pães, queijos e recheios diferentes. De
repente, a tarefa se torna um dilema. O integral ou o tradicional? O com ou sem
glúten? O de fermentação natural ou aquele com grãos variados? A promessa de
liberdade se dissolve em ansiedade. Bem-vindo à modernidade, onde o excesso de
opções é um fardo disfarçado de privilégio.
A
sociedade contemporânea, marcada pelo consumo desenfreado e pelo ideal de
individualidade, nos presenteia com um paradoxo: quanto mais livre se torna
nossa capacidade de escolher, mais angustiados nos sentimos. Jean-Paul Sartre
afirmou que "estamos condenados à liberdade", sugerindo que cada
decisão que tomamos nos define e, portanto, carrega um peso existencial. No
entanto, Sartre não viveu o suficiente para enfrentar a tirania das prateleiras
de supermercado ou o catálogo infinito das plataformas de streaming. Hoje, a
condenação à liberdade se sofisticou e assumiu a forma de infindáveis
possibilidades de consumo.
A
promessa da modernidade era clara: a multiplicação das opções nos tornaria mais
felizes. Mas pesquisas psicológicas, como as conduzidas por Barry Schwartz,
autor de O Paradoxo da Escolha, mostram que a abundância de alternativas gera
frustração. Escolher um produto implica abrir mão de todos os outros, e essa
renúncia nos atormenta. O indivíduo moderno, atolado em possibilidades, se
torna um eterno insatisfeito.
N.
Sri Ram, em suas reflexões teosóficas, apontava que a verdadeira liberdade não
está na capacidade de escolher entre uma variedade de opções externas, mas na
emancipação interior das compulsões e ilusões que nos aprisionam. A busca pela
satisfação através do consumo é, muitas vezes, uma tentativa de preencher um
vazio que nada externo pode saciar.
O
sofrimento da liberdade na era do consumo também reflete uma mudança nas
dinâmicas de identidade. Se antes as escolhas eram limitadas por tradições e
estruturas sociais bem definidas, hoje a identidade é um projeto em constante
reformulação. Quem sou eu? O tipo de celular que uso, a roupa que escolho, o
que coloco no meu carrinho de compras são pequenas declarações de um
"eu" que se constrói através do consumo. Mas esse "eu"
nunca está pronto, pois o mercado está sempre oferecendo uma nova versão
melhorada daquilo que já temos. Assim, a identidade se torna um produto
inacabado, e a angústia, uma mercadoria constante.
O
caminho para escapar desse ciclo vicioso talvez esteja na reavaliação do que
significa ser livre. Reduzir o excesso de escolhas pode não ser um retrocesso,
mas uma maneira de recuperar a serenidade. Buscar a qualidade em vez da
quantidade, definir limites próprios para o consumo e encontrar satisfação em
experiências em vez de produtos são possíveis soluções para essa inquietação
contemporânea.
Assim,
talvez a verdadeira liberdade não esteja em ter todas as opções do mundo, mas
em saber quando dizer "basta". Quem diria que, no final, um lanche
poderia ensinar tanto sobre a existência?