Lembro quando estávamos almoçando num dia normal do trabalho quando minha amiga desabafou:
—
Sabe, às vezes acho que minha mãe não me amava. Quer dizer, ela cuidava de mim,
me educou, mas nunca houve carinho, nunca um abraço espontâneo, uma palavra de
afeto. Só exigência, cobrança. Hoje, adulta, me pego sem saber como demonstrar
afeto, como se isso fosse uma língua estrangeira.
Fiquei
em silêncio por um instante, lembrei que ela não foi a primeira pessoa a
desabafar sobre esta mesma mágoa. Esse tipo de confissão não pede respostas
prontas. O que dizer? Que ela deveria superar? Que sua mãe fez o melhor que
podia? Que o amor pode estar presente mesmo sem demonstração? Tudo isso pode
ser verdade, mas nenhuma dessas frases apaga a ferida de uma infância sem
afeto.
O
Peso da Ausência
A
filosofia há tempos se debruça sobre a influência da criação na formação do
indivíduo. Freud já apontava que as relações primárias moldam nosso
inconsciente de maneiras profundas. Simone de Beauvoir, por outro lado,
questionava a construção social do papel materno e como certas mulheres viam a
maternidade mais como um dever do que como uma experiência afetiva.
O
problema é que, para a criança, o afeto é a primeira forma de reconhecimento.
Sem ele, o mundo pode parecer hostil, frio, mecânico. A criança aprende a se
proteger, mas, ao fazer isso, constrói muros internos que podem durar uma vida
inteira. Crescer sob um olhar que apenas julga, mas não acolhe, forma um adulto
que pode passar anos tentando provar seu valor—às vezes, sem saber exatamente
para quem.
O
Ciclo da Carência
É
curioso como esse tipo de criação dura pode gerar duas respostas opostas.
Alguns replicam o mesmo padrão, tornando-se pais rígidos e distantes, pois foi
assim que aprenderam a amar. Outros, ao contrário, se tornam exageradamente
afetuosos, como se quisessem compensar o que não tiveram. E há aqueles que
ficam no meio do caminho, sempre inseguros sobre como se conectar
emocionalmente.
O
filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé fala sobre como as relações humanas são
marcadas pela falta. Ele sugere que o amor materno é muitas vezes idealizado,
mas, na realidade, está cheio de falhas, limitações e até ressentimentos. Isso
significa que, talvez, nossa sociedade precise aceitar que nem toda mãe
consegue amar da forma esperada, seja por suas próprias dores, por sua
história, ou simplesmente por ser humana demais.
O
Que Fazer com Essa Mágoa?
Minha
amiga perguntou, depois de um tempo:
—
E agora? Como eu curo isso?
Acho
que ninguém tem uma resposta definitiva. Algumas pessoas buscam terapia, outras
tentam encontrar figuras maternas substitutas, e há quem aprenda a se dar o
carinho que nunca recebeu. O importante talvez seja reconhecer que a falta de
afeto não define o nosso valor.
No
fim, olhar para trás sem rancor pode ser o maior ato de liberdade. E, quem
sabe, aprender a demonstrar afeto, ainda que aos poucos, seja a maior revolução
para quem cresceu sem ele.