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sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Bartleby, o escrevente: uma história de Wall Street

 


Um livro instigante, intrigante e provocador que levará o leitor a fazer uma infinidade de interpretações e perguntas, será o leitor que conforme sua interpretação encontrará sua resposta, isto é, se houver resposta, geralmente as boas perguntas não tem respostas, por esta razão a mãe filosofia é fascinante, ela nos abre uma infinidade de ideias com inúmeras perspectivas e possibilidades, vai do relativo ao absoluto.

O significado e a resposta de cada um nos remetem a noção de relativismo, o sofista Protágoras em sua sabedoria disse que "O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.", onde cada indivíduo compreende uma coisa de sua forma específica. A frase se fundamenta na teoria do filósofo pré-socrático Heráclito, que fez a descrição do fluir contínuo da realidade, afirmando que o conhecimento pode ser modificado em razão das circunstâncias variáveis da compreensão, o mundo se realiza na contradição, o homem se realiza na contradição, o homem ora ama e odeia simultaneamente!

A mitologia egípcia é genial, em sua linguagem não existe uma palavra para amor e outra para ódio, para eles a palavra é uma só, é “amoródio”, o uso da palavra dependerá do sentimento vivido a cada instante e a aplicação do termo. No Tarô egípcio escolheria o Arcano 16 que representa a “fragilidade”, em sua leitura o valor do temporal se exalta em função do eterno; o perecível tem vital importância no vir-a-ser das coisas. Reciprocidade no amor e no ódio, na indiferença e no cuidado, na traição e a lealdade. Quer definição mais humana? Na leitura proporcionada de Bartleby ele nos fará transitar numa mescla de sentimentos, para nós ocidentais entre o amor e o ódio existem muitos outros sentimentos!

 Arcano 16 “A Fragilidade” – Tarô Egípcio

Essa “estória provinda da Wall Street” descreve um universo de trabalho desumano, cujos habitantes, todos eles, são degradados a animal laborans, quantos de nós não vivemos em situações semelhantes, nos submetemos para um bem maior que é o pão de cada dia? Ruminamos em nossas mentes perecíveis, um misto de lealdade, indiferença, amor da promoção e ódio na traição da demissão.

A novela apresenta-se detalhadamente numa atmosfera sombria, hostil do escritório espessamente rodeado de arranha-céus. A menos de três metros ergue-se “alto o muro de tijolos, que se tornou preto por causa da idade e por estar sempre à sombra”. Ao ambiente de trabalho, que parece uma caixa de água, falta todo e qualquer traço de “vida” (deficiente in what landscape painters call “life”). Ali, toda vida foi apagada. Também Bartleby instala-se nos tombs e morre em total isolamento e solidão.

 

Ele representa ainda um sujeito de obediência. Ele ainda não desenvolve sintomas daquela depressão que é uma marca característica da sociedade do desempenho pós-moderna.

 

Bartleby, ao adotar a negação como filosofia, ele impossibilita o rompimento da redoma que o cerca, através desta atitude podemos correlacionar aos muros e barreiras que nós “humanos” criamos, muros da vergonha, analfabetismos, restrições a populações, tudo muito angustiante criado pela barreira do aço intransponível. As populações resignadas desistem de lutar por mudanças, indivíduos que disciplinadamente vivem na alienação da negação, poderíamos dizer que populações inteiras sofrem “sem saber que sofrem” da Síndrome de Bartleby! A negação de Bartleby é profunda ao ponto de descobrirem que Bartleby morreu - ele "preferiria não" comer e morreu de fome.

 

 

“Bartleby, o escrivão” foi publicado anonimamente numa revista americana em 1853 e, desde então, tem gerado entre seus leitores uma infinidade de interpretações. Considerado pelos críticos como a precursora da literatura do absurdo (seguimento da literatura/filosofia que teve em Kafka e Camus seus principais representantes), esta novela é detentora de uma notável riqueza metafórica.

A figura enigmática de Bartleby estende-se para além do romance, capaz de causar-nos, assim como para o narrador, forte incômodo diante de um personagem tão intrigante e insondável. Seu final intenso e impactante torna a obra de Melville um excelente romance psicológico que tirará o leitor de sua zona de conforto. Uma história de rápida leitura, porém, capaz de intrigar o leitor por dias, ou melhor, para sempre!

Bartleby desenvolve sintomas característicos da neurastenia. Vista dessa forma, a sua fórmula “I would prefer not to” não expressa nem a potência negativa do nãopara nem o instinto inibitório que seria essencial para o “caráter espiritual” (Geistigkeit). Representa, ao contrário, a falta de iniciativa e a apatia pela qual Bartleby acaba inclusive sucumbindo.

 

Bartleby nos surpreende com a resposta “I would prefer not to” , “Preferia não fazê-lo”.

Certo dia, quando o narrador pede a Bartleby para revisar um documento, o jovem simplesmente responde: "Eu preferiria não fazer". É a primeira das inúmeras recusas seguintes de Bartleby. Para a consternação do narrador e irritação dos outros escrivães, Bartleby executa cada vez menos suas tarefas no escritório. O narrador tenta por diversas vezes entender Bartleby e aprender sobre ele, mas o jovem repete sempre a mesma frase quando é requisitado a fazer suas tarefas ou dar informações a seu respeito: "Eu preferiria não fazer". 

Há uma atenuante onde Bartleby poderia se negar a fazer outros serviços, Bartleby tinha uma mesa no escritório; que copiava à taxa usual de quatro centavos a lauda (cem palavras); mas que estava para sempre dispensado de conferir o próprio trabalho, tarefa que caberia a Turkey e Nippers, em tributo, sem dúvida, à acuidade superior dos dois; ademais, Bartleby não devia, sob hipótese alguma, executar tarefas próprias de um simples garoto de recados.

Em um fim de semana, quando o narrador passa pelo escritório, ele descobre que Bartleby está morando no lugar. A vida de solidão de Bartleby toca o narrador: à noite e aos domingos, Wall Street é tão desoladora quanto uma cidade fantasma. Ele fica ora com pena, ora com raiva do comportamento bizarro de Bartleby.

Enquanto isso, Bartleby continua a negar os trabalhos que têm para fazer, respondendo sempre com um "Eu preferiria não fazer". Isso continua até chegar ao ponto em que Bartleby não faz absolutamente nada. Mas mesmo assim o narrador não despede o jovem Bartleby. O relutante escrivão tem um estranho domínio sobre seu patrão, e o narrador sente que não pode fazer nada para prejudicar seu desesperado empregado. A urgência aumenta quando os sócios do narrador se perguntam sobre a presença de Bartleby no escritório, reparando que o jovem não faz nada.

Algum tempo depois, o narrador ouve um rumor que desfaz o discernimento da vida de Bartleby. O jovem trabalhava no Dead Letter Office, mas perdeu seu emprego. O narrador percebe que as cartas mortas teriam feito qualquer um com o temperamento de Bartleby se afundar em grande melancolia. As cartas são emblemas de nossa mortalidade e a falha de nossas boas intenções. Através de Bartleby o narrador olhou o mundo como os miseráveis escrivães o veem.

As últimas palavras da história são do narrador: "Oh Bartleby! Oh Humanidade!".

Fontes:

Melville, Herman, 1819-1891. Bartleby, o escrevente: uma história de Wall Street / Herman Melville ; tradução e notas Tomaz Tadeu ; ilustrações Javier Zabala. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.

Han, Byung-Chul. Sociedade do cansaço / Byung-Chul Han ; tradução de Enio Paulo Giachini. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2015.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Bartleby,_o_Escriv%C3%A3o

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Uma reflexão filosófica sobre a experiência da paciência durante o confinamento

 

 

Se há alguma coisa que dá sabedoria à alma, é a paciência. Qual era o segredo dos mestres que realizaram grandes coisas, inspiraram muitas pessoas e ajudaram muitas almas? O segredo deles era a paciência.  Inayat Khan

 

Alguns dias atrás falávamos sobre um tema muito caro neste momento em que nos encontramos confinados: a paciência, falamos sobre a experiência em que nós humanos globalizados estamos sendo submetidos, e paciência é um dos melhores remédios, talvez seja o melhor remédio, aquele que fara a diferença entre viver ou morrer.

 

Experiência em pandemia não tínhamos nenhuma até agora, no entanto decorridos 164 dias de confinamento podemos falar de algo que já foi, ainda é, e será por algum tempo, nosso dialogo imediatamente adotou o modelo discursivo da experiência humana, histórico e narrativo em que o antes e o depois se encontram encadeados por uma lógica em que a cada instante se sucede a outro e assim até ao futuro incerto.

Nosso diálogo com viés filosófico, naquele momento presente era tudo: nele encontrava-se a memória do passado (nossas experiências) e as expectativas do futuro.

No presente encontra-se a memória do passado do poder ir e vir, as expectativas do futuro, neste futuro que nos sinaliza com continuidade de confinamento voluntário e compulsório, distanciamento social, e em algum momento dele encontra-se a vacina libertadora.

Nossa sensação presente é de paralisação, é um presente que a cada respiração vai ficando para trás com sensação de estarmos presos a ele, fechado em si mesmo, e assim será este sentimento até que nos seja disponibilizada a vacina que poderá nos libertar da prisão imposta pela COVID 19, no entanto as notícias são otimistas, as pesquisas realizadas em diferentes países, informam que estão em estágios avançados e acendem as luzes do porvir iluminando o presente.

 

“Nossa vida não é senão uma longa espera”, Sartre em O Ser e o Nada

 

A lógica do dito popular “longe dos olhos, longe do coração” expressam o sentimento geral, mesmo que virtualmente estejamos nos vendo e falando, o ser humano precisa mais do que ver e falar virtualmente, é preciso ver pessoalmente, tocar, abraçar, beijar, precisamos mais do que a frieza tecnológica pode nos oferecer. Este momento é o momento de entendermos o que significa paciência, nela encontra-se a força até então desconhecida e que poucos a conhecem e utilizam para vencer as dificuldades de suas vidas.

 

Chegam boas notícias da vacina, estas notícias são como músicas para os ouvidos, recarregam as forças da paciência para combater a escuridão os nevoeiros, negruras e debilidades das pessoas, infortúnios, males e sofrimentos do mundo.

  

As coisas vão ficar bem, tudo que precisamos é de um pouco de paciência.  Guns N' Roses

Na vivencia angustiante deste momento, a paciência que é uma virtude é levada a prova, junto a ela está a esperança de dias melhores. A paciência é a força que pulsa silenciosa que espera apesar de tudo, a paciência é nossa forma de não aceitar o “presente fechado em si mesmo”, lutamos contra a ideia de sua temporalidade peculiar procurando minimizar os efeitos do sentimento opressivo de impotência, temos esperanças de um futuro melhor.

 

O tempo e a paciência são dois eternos beligerantes. Leon Tolstói

 

Falamos a vida toda que é necessária paciência para resistir aos golpes da vida sem sucumbir, e com capacidade de padecer, de suportar e continuar esperando, no entanto, paciência não é resignação, na resignação o sujeito não tem por que esperar por nada e aquele que tem paciência espera tendo em sua essência uma meta, um objetivo.

 

A paciência {é uma das] qualidades "femininas" que têm como origem a nossa opressão, mas que deve ser preservada após a nossa libertação. SIMONE DE BEAUVOIR

 

Falar sobre a paciência é falar desta virtude que me fortaleceu e me preveniu diante dos desafios diários, muitas vezes foi com esta forma de luta que me permitiu resistir aos golpes da vida sem sucumbir, encarando de frente as adversidades sem me deixar destruir por elas, aguentando sem abatimento a carga da existência e os ataques da aflição que vive um espirito consciente de seu confinamento num corpo em viagem neste mundo.

 

Eu penso e penso, durante meses e anos, e em noventa e nove vezes a conclusão está errada. Na centésima vez eu acerto.  ALBERT EINSTEIN

 

É na paciência que encontramos a força para manter acesa a esperança de sentido diante da esmagadora evidência do excesso de mal neste mundo.

 

 O confinamento está fazendo as pessoas prestarem mais atenção as notícias e aos noticiários, há muita maldade circulando, inclusive nas redes sociais, uns assim procedem por ideologia política, outros pela índole maléfica, alimentada por informações falsas (fake news), comuns nesse tempo de pós-verdade, de versões se sobrepondo a fatos. Alguns destes acolhem o mal e o estimulam, no mesmo tempo em que proferem discursos de uma falsa piedade, aproveitando-se do momento para superfaturarem equipamentos e insumos para saúde.

 

Evitar o fanatismo das ideologias este deveria ser o lema de cada um, as ideologias são como carcereiros que cuidam de tirar da cabeça de seus escravos a esperança de haver vida noutro caminho, são fechadas em si mesmas, evitam qualquer contato que possam contaminar sua plantação disciplinada e ordenada, são indivíduos da mesma espécie separados, manipulados, catalogados, produto da adesão cega de algum sistema, doutrina, na maioria das vezes levados a extremos de intolerância, pregam o amor para os escravos de seu senhor e o ódio aos escravos doutro senhor, porem escravos, sempre escravos.

 

Assim como um ambiente quente e úmido é propício à disseminação de bactérias mortais, as ideologias são especialmente propicias a disseminação de atos de pensar do tipo rebanho, carregando em seu ambiente a circularidade de luta incessante em torno de si mesmo, retornando ao mesmo ponto de conflito irresolúvel.

Seu raciocínio se baseia em uma série de vieses de que ela sequer se dá conta, sua cegueira não permite enxergar a verdade dos outros e que sua verdadeira função seria a de apagar as diferenças, de possuir senso de humanidade e igualdade, as ideologias intensificam as diferenças desarmonizando a sociedade, agem como são, apenas escravos, não há uma luta hegeliana entre o senhor e o escravo, não há liberdade real, é apenas uma manifestação unilateral da impaciência negativa. Chauí nos ensina que:

 

..., a função da ideologia é a de apagar as diferenças, como as de classes, e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento de identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a humanidade, a liberdade, a igualdade, a nação, ou o Estado.” (Marilena Chauí, o que é ideologia 1980).

 

O indivíduo que tem paciência não é dogmático, nem intolerante, nem fanático, por isso não é escravo de alguma ideologia. Este indivíduo flui entre as ideologias sem se contaminar e deixar ser submetido a manipulações mentais. 

A paciência participante o eleva a contemplação dos fatos, desenvolvendo um talento do jogo do observador, fazendo sua jogada e não se deixando envolver pela jogada do outro, esta é uma decisão primaria no jogo da vida, é um dom, um talento primordial que decide sobre o que pertence e o que não pertence a ele, o que é ou deve ser e o que não, esta é a lógica do pensamento do indivíduo que tem paciência.

 

 

A paciência impulsiona.

LAMA SURYA  DAS

A paciência tem uma dupla vertente: a passividade participante do observador que se insere na realidade a observar, observa, sem nada alterar, e atividade de quem age tendo uma meta a atingir, é nela que as forças da perseverança se manifestam para enfim chegar em algum lugar e ao fim, com paciência evitamos a precipitação e cometer mais erros.

Temos na boa paciência a força para agir aqui e agora se for necessário, sem adiar, nem atrasar a intervenção oportuna e urgente, com convicção e compromisso.

 

 

Para aprender a ter paciência, você precisa primeiro ter muita paciência. STANISLAW J. LEC

 

A paciência deve ser do tipo vigilante ou vigília paciente, apta a agir e expressão humana no momento oportuno, sua característica a dimensão temporal e sua identificação com a esperança sem resignação, assim como nos diz “Esquirol”:

 

A autentica paciência ligada a esperança é tão essencial ao ser humano como o pão que ele come ou o ar que respira. Tanto que a paciência não é apenas uma virtude entre outras. Sua evidente dimensão temporal e sua identificação com a esperança fazem-na inclusive candidata a expressar o humano. Esquirol, p.116

 

A gravidade do surto que se transformou em pandemia forçou-nos seres humanos a observar com mais atenção para o planeta, tentando entender a razão por estarmos mundialmente paralisados. Em princípio, supostamente, teria surgido o coronavirus de seu hospedeiro natural o morcego, a contaminação teria ocorrido pela manipulação do morcego, consumido como alimento (será?), esta é uma das hipóteses apresentada pelos cientistas, a transmissão da doença para humanos teria surgido através da manipulação destes animais em mercados de Wuhan na China. Por lá é um alimento frequente na vida dos chineses mesmo sendo do conhecimento geral que morcegos costumam abrigar uma série de vírus nocivos aos humanos.

 

A distância atualmente não representa muito, pois basta uma passagem de avião, algumas horas de voo e estamos nos conectando fisicamente, qualquer vírus pode chegar no outro lado do mundo em questão de minutos ou horas.

 

Para nós ocidentais parece ser muito exótico o consumo de morcego como alimento, além do morcego outros animais consumidos por lá, também nos causam repulsa, tais como cobras, gafanhotos, sapos, cães e etc.

 

Temos em nosso cardápio outros animais silvestres, caçados para alimento ou comercialização, há um verdadeiro mercado negro explorando a natureza de maneira criminosa e devastadora. Nem a pandemia conseguiu conter o mercado de caça ilegal.

 

Há um limite onde a paciência deixa de ser uma virtude. Edmund Burke

 

No Brasil praticamente todo dia temos notícias da venda, consumo e tráfico de animais silvestres, é comum em diversas regiões. Também há abuso e crueldade presentes nas granjas industriais e na criação de animais, ficam confinados para engorda e maciez da carne, muitos vivendo em condições muito precárias.

 

Adote o ritmo da natureza. O segredo dela é a paciência. Ralph Waldo Emerson

 

A natureza vem reagindo aos abusos disparando vários tipos de doenças, representando ameaças mundiais como a gripe aviaria, ebola, sars, influenza.

Percebemos, sabemos disto tudo, mas nada fazemos para conter o abuso consumista, o consumo por si só não tem sentido, ele é manipulador quando não tem nada a ver com a satisfação das necessidades.

 

Para a nossa avareza, o muito é pouco; para a nossa necessidade, o pouco é muito.  Sêneca

 

As necessidades humanas estão diretamente ligadas ao consumo, no entanto a fomentação ao consumo criou o que chamamos de “consumistas compulsivos” realizando desejos desenfreados.

 

Os homens quando não são forçados a lutar por necessidade, lutam por ambição.  Maquiavel

 

Vivemos num mundo predominantemente de produção alienada, o consumo é artificialmente estimulado, e consequentemente o consumo também se torna alienado, segundo Karl Marx, a alienação trata-se de uma forma de dominação.

 

A desvalorização do mundo humano aumenta em proporção direta com a valorização do mundo das coisas.”   Karl Marx

 

A alienação para ser combatida também necessita de paciência, pois se não soubermos esperar pacientemente não saberemos reconhecer aquilo que realmente desejamos e precisamos, estaremos fazendo apenas a vontade de outro e não a nossa.

 

A espera intensifica o desejo. Na realidade, ela nos ajuda a reconhecer quais são nossos verdadeiros desejos. Ela separa nossos entusiasmos passageiros de nossos verdadeiros anseios. DAVID RUNCORN

 

O turbilhão produção-consumo em que o homem está mergulhado impede-o de ver com clareza a própria exploração e a perda da liberdade, de tal forma se acha reduzido na alienação e regressão ao que Marcuse chama de unidimensionalidade (ou seja, a uma só dimensão), que na linguagem hegeliano-marxista, se chamava reificação, a transformação tendencial dos seres humanos em objetos e a consequente perda da capacidade humana de conceber a possibilidade de diferentes níveis da existência e de criação humana.

 

Hoje temos a capacidade de transformar o mundo num inferno e estamos a caminho de fazê-lo. Mas também temos a capacidade de fazer exatamente o contrário.  Marcuse

 

Neste turbilhão produção-consumo é a natureza quem sai perdendo, e nós também, pois somos parte da natureza. Ao longo de décadas a exploração insustentável vem agredindo a natureza, e muito do que se faz é para atender metas de produção alienada.

 Dura é a luta contra o desejo, que compra o que quer à custa da alma.  Heráclito

A natureza vem nos dando recados e nos mantivemos surdos e cegos, diante da cegueira e descontrole, já que o homem não tem controle sobre si mesmo, e não consegue conter outros homens de explorar irracionalmente, temos a impressão de que a natureza esteja punindo os abusos consumistas através de doenças e desta pandemia.

 

Aparentemente o coronavirus já estaria vivendo em nossos esgotos aguardando pacientemente por um gatilho, ainda nos dando uma oportunidade de arrependimento e conscientização dos problemas causados por nós.

 

Os problemas nada mais são do que oportunidades vestindo roupas de trabalho. HBNRY J. KAISER

 

Diante da irreversibilidade do passado, o tempo que é sinônimo da vida e da paciência exigirá de cada um de nós um resgate desta conta que é gigantesca, devemos estabelecer a meta de evitar a destruição daquilo que ainda nos resta e o pior, tentar salvar, se é que é possível, aquilo que já passou. 

 

Algumas coisas, só podem acontecer através do tempo. Elas apenas acontecem o tempo as transporta. M. C. RICHARDS

 

Mesmo durante a pandemia ainda ouvimos declarações da retomada da produção e exploração em ritmo acelerado na tentativa de recuperar o volume de produção perdidos, no entanto se ainda não entendemos o sentido e o recado da natureza, o futuro será sombrio. 


Nos encontramos numa encruzilhada, nesta parada obrigatória estamos parados olhando para os caminhos que poderemos tomar, e lembrei de uma leitura e filme que vi, Matrix, lembro do diálogo entre Trinity e Neo: "Trinity lembra Neo: Você conhece esta estrada. Você sabe exatamente onde ela termina. E eu sei que não é onde você quer estar". A ficção que nasceu de uma maneira de refletir sobre a realidade, é na ficção que nos identificamos e olhamos para o real e o irreal como possibilidades, real por que estamos vivenciando e o irreal talvez seja a situação ideal do que poderia ou poderá vir a ser, a isto reagimos através de representações emocionais, coisa de humanos.

— Cedo ou tarde você descobrirá a diferença entre saber o caminho e percorrer o caminho.

— Eu lhe mostro a porta, mas é você que tem que atravessá-la.

— Não acredito em destino. Porque não gosto da ideia de não poder controlar minha vida.  Matrix

O confinamento de extensão global, onde cada família deve ficar confinada a seu próprio espaço, vivendo e convivendo num tipo de Big Brother, escrevendo e vivenciando seus próprios roteiros, antes o que era apenas ficção de querer saber que a representação era real para tirar dela um prazer real, agora a realidade é tão dura que se quebrar as regras do jogo de convivência os jogadores saem do jogo pelo risco de morte.

Os canais de filmes identificaram um grande aumento de interesse do público por filmes que falam de epidemias como “Sentidos do Amor”, “Epidemia”, “Eu sou a Lenda”, “REC”, “Extermínio”, “O Enigma de Andrômeda”, “Ensaios sobre a Cegueira”, “Contagio”, “Deranged”, “Os Doze Macacos”. Acredito que este interesse é o modo como nos identificamos com os personagens fictícios e que parte do interesse é porque nós temos agora a experiência e resposta emocional de quem experimenta ficção e realidade psicológica e cognitivamente.

Como num filme de terror, o monstro invisível coronavirus já estaria vivendo em nossos esgotos aguardando pacientemente por um gatilho, como se tivesse alguma inteligência ou servindo algum tipo de inteligência, estivesse à espreita nos observando, ainda nos dando uma oportunidade de reforma, mudança e conscientização dos problemas causados por nós, como o arrependimento e a mudança não vieram...cá estamos nós!

A ficção segue materializando-se na realidade, quem não leu gibis e assistiu desenho animado na TV a Família Jetsons – A Família do Futuro? “Os Jetsons”, criado pela Hanna-Barbera (um estúdio que produziu vários desenhos animados sensacionais, diga-se de passagem) na década de 60, e que contava sobre uma família que vivia no século 21. Na verdade, o ano específico em que a família vivia era 2062, então a gente ainda tem alguns anos para poder chegar à algumas inovações existentes no desenho, porem boa parte da estória já se materializou.

 

A relação do homem com o meio ambiente nesta retomada de convivio seja reavaliada, vamos sair deste filme de terror "real", que nesta retomada esteja presente a "sustentabilidade" como ordem mundial, primeiro mudamos o pensamento e em seguida criam-se novos hábitos de consumo, dando outro rumo para nossas vidas.

 

A maior descoberta da minha geração foi a de que o ser humano pode alterar sua vida alterando sua mente.  WILIIAM JAMES

 

Diante da crise, isto é, deste momento que exige o nosso julgamento, e que não temos elementos suficientes para fazer qualquer juízo, levantamos algumas questões para reflexão e para inflexão. Refletir é um convite a revisitar o que já foi visto. A inflexão nos convoca para uma mudança de olhar, encarar o que não observamos à primeira vista.

 

Quem sabe seja o momento de uma mudança de direção e de sentido?

 

Diante das mudanças advindas da pandemia causada pelo novo coronavírus, que não só atingiram as pessoas globalmente e modificaram suas dinâmicas sociais como, principalmente, será que irão ficar apenas nas "reflexões" sobre as necessidades da era atual?

 

Será que estes novos hábitos que foram adotados na forma de trabalhar, de se comunicar, de se relacionar, de estudar e, principalmente, no consumo da população, irão vingar após obtermos a vacina?

 

Quem sabe as respostas a questões como estas poderão surgir com o bom uso de nosso amigo “tempo”, estamos vivendo o tempo da espera, a espera que exige paciência, quem escreveu o roteiro da vida sabe a resposta, para nós mortais vamos em frente que de qualquer forma e seja o que for a resposta esta no futuro.

O tempo e a paciência estão intimamente ligados, a paciência inteligente aproveita o movimento do tempo contrapondo-se à espera passiva, a paciência é o movimento inteligente que aproveita bem este paradoxal tempo de parada forçada. 

 

Esperar por esperar não tem nenhum sentido, é sempre possível realizar algo útil enquanto se espera, aproveitemos para pensar em melhorar os novos hábitos adquiridos, alguns deverão ser mantidos e outros deverão ser adotados.

 

Nada é mais eficaz do que inspirar e expirar lenta e profundamente para administrar algo que você não pode controlar, e a seguir se concentrar naquilo que está bem na sua frente. OPRAH WINFREY

 

O confinamento em si já é frustrante e sem alguma atividade, pode ser entediante, estamos frustrados pela falta de liberdade e sendo obrigados a adiar e deixar de fazer coisas que nos davam prazer, os psicólogos dizem que o tédio é criado pela incapacidade de adiar um prazer e pela baixa tolerância à frustração. E, que todas as vezes que afirmamos que uma coisa é entediante, o que realmente estamos dizendo é que não temos paciência para aquilo.

 

O tédio é outro inimigo presente na vida de muitas pessoas, a falta de ocupação é o principal responsável por este sentimento, para dissipar este sentimento procure fazer alguma coisa que goste, principalmente atividades que exijam “mais” paciência.

 

Quando as pessoas se sentem entediadas, é basicamente com elas mesmas que estão entediadas. ERIC HOFFER

 

Há muita ansiedade e expectativas na espera da vacina que nos livre imediatamente do inimigo invisível COVID 19, as pessoas estão confinadas por tempo muito longo, e está causando muita irritação, a irritação como tantas outras reações do temperamento humano, é uma grande perda de tempo. Não estamos acostumados a ter a paciência da espera, neste caso, nossa impaciência também é inerente a nossa preocupação de quanto antes surgir a vacina, quanto antes retomaremos nossa vida normal e principalmente vidas serão salvas.

 

Se todos tivessem entrado em pânico quando os barcos lotados de refugiados se depararam, com tempestades ou piratas, tudo estaria perdido. Mas, se apegas uma pessoa permanecesse calma e centrada, isso seria o bastante. Ela indicaria o caminho para que todos sobrevivessem. THICH NHAT HANH

 

Depois desta experiência acredito que vivenciaremos outro tipo de “normalidade”, espero que seja diferente daquele tipo anterior de “normalidade”, afinal aquela normalidade tornou-se um problema com vários problemas como: produção alienada, transito engarrafado, poluição, consumo desenfreado, alienado e insustentável, estresse, desemprego. 

Tudo flui, nada permanece.  Heráclito

 Para milhares de pessoas será mais difícil voltar à normalidade, enfrentaram grandes perdas, para muitos a paciência extrapolou a capacidade de resiliência, milhares ainda enfrentam lutos, ainda mais sofridos porque sequer conseguiram despedir-se dos seus entes queridos. Para nós o ato de despedida é muito importante, é necessário tocar o corpo, olhar e proferir as últimas palavras, principalmente em nossa sociedade que ainda vê a morte como um tabu, e o assunto evitado ao ponto de tornar-se até oculto.

 

 Mais vale o homem lento para a ira do que o herói.

E um homem senhor de si do que o conquistador de uma cidade. PROVÉRBIOS 16:32

 Além da perda de alguém, há outro tipo de luto, que é a experiência da perda do emprego, há um sentimento de luto pela perda de um lugar, de uma vida tal como era conhecida, enfrentaram lutos, lutos muito difíceis de assimilar, vivenciados no confinamento parecem ter levado a um sentimento de fim da linha, nos lembrando que somos os únicos seres capazes de perceber a própria finitude e ter consciência da sua morte.

 

 A maneira mais rápida e certa de viver com dignidade é ser realmente o que aparentamos ser.

Todas as virtudes humanas aumentam e se fortificam quando as praticamos e as vivenciamos

SÓCRATES

 Estamos em tempo de uma tomada de consciência, não podemos nos dar ao luxo de perder mais nada, estamos todos juntos nesta empreitada, vivendo no mesmo planeta, vivemos no mesmo meio ambiente, este é o momento da tomada de consciência e refletir acerca de “valores”, valores envolvidos nestes “jogos de regras” de caráter sustentável coletivo, será fundamental pensar em consumir de maneira sustentável, pensando ludicamente, a sustentabilidade é um jogo cooperativo, se jogar direito, todos ganham!

 

 A tornada de consciência permite encarar a realidade para mudá-la. ANTHONY DE MELLO

Há um ditado popular que diz ser a pressa inimiga da perfeição; a vacina que ainda é uma promessa no presente para futuro próximo, será uma defesa para este recente mal que assolou os seres humanos, então que seja desenvolvida habilmente no seu devido tempo, respeitando todas as etapas de testes, analises e avaliações.

 

Todos os momentos representam um começo. Todos os momentos representam um fim. MARK SALZMAN

 

Vamos estar atentos para outros possíveis males, e talvez piores, no caso de não mudarmos nossa maneira de viver neste planeta, talvez a próxima reação da natureza nos impeça sequer de termos contato com o sol, aí nem a virtude da paciência ira conseguir segurar a pressão de mais um confinamento. 

 

Se amarmos e apreciarmos um ao outro tanto quanto pudermos, enquanto pudermos, tenho certeza de que o amor e a compaixão triunfarão no f i n a l. AUNG SAN SUU KYI

A medida que o tempo escorre entre nossos dedos, mais pessoas passam por necessidades básicas, elas estão impedidas de trabalhar e de buscar o pão. Conforme Iyanla Vanzant, o melhor que podemos fazer neste momento é convocar a nossa compaixão.

Temos observado que a maioria das pessoas tem procurado fazer o melhor que pode, contribuem dentro de suas possibilidades como nunca vimos antes, tantos contribuírem como agora. Quando nos lembramos disso, nossos corações se abrem e a paciência e a alegria nos inundam, é um prazer gratuito e “humano”.

O casamento entre paciência e compaixão é perfeito, ambas trabalham juntas para se apoiarem e se desenvolverem mutuamente.

 

Quanto mais paciência tivermos, mais seremos capazes de compreender e nos solidarizar com os sentimentos das outras pessoas, vamos nos colocar no lugar do outro para sentir o que o outro sente.

Quanto mais reagirmos com nossos corações, mais poderemos nos valer da fonte da força existente na paciência que está localizada no íntimo de cada um de nós.

 

Bibliografia

Chauí, Marilena. Convite a Filosofia. São Paulo: Ática, 2000

Esquirol, Josep M. O respirar dos dias – uma reflexão filosófica sobre a experiência do tempo. Tradução Cristina Antunes – Belo Horizonte: Autentica Editora, 2010

Irwin, William. Matrix, Bem-vindo ao deserto do real. Tradução de Marcos Malvezzi Leal. Madras Editora Ltda, São Paulo-SP, 2003

Ryan, M. J. (Maryjane), 1952- O poder da paciência / M. J. Ryan; tradução de Sônia Maria Moitrel Schwarts. - Rio de Janeiro: Sextante, 2006

 

Sites consultados:

https://www.webartigos.com/artigos/a-paciencia-e-o-tempo/1070 Acessado em 11/08/2020 ás 10:15hs

http://www.ip.usp.br/site/noticia/luto-medo-e-ansiedade-o-sofrimento-psicologico-na-pandemia/  Acessado em 11/08/2020 ás 11:49hs

https://filosofiatotal.com.br/consumo-alienado/  Acessado em 11/08/2020 ás 13:26hs

https://www.barrazine.com.br/2020/04/filosofia-ajuda-a-responder-questoes-levantadas-na-crise-do-novo-coronavirus/#gs.crwfgd Acessado em 13/08/2020 ás 10:15hs