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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Filosofia Decolonial

Repensando o Mundo para Além das Amarras Coloniais

Um Café com a História

Imagine que estamos sentados em uma cafeteria qualquer, discutindo o mundo com uma xícara de café à frente. O que diríamos sobre a história que nos trouxe até aqui? A verdade é que muito do que consideramos "normal" no mundo moderno foi moldado por processos de colonização. Da língua que falamos às referências acadêmicas que usamos, há uma herança invisível, mas poderosa, que estrutura nossa forma de pensar. E se questionássemos essa estrutura? E se pudéssemos reconstruir nosso pensamento a partir de outras perspectivas, que foram silenciadas ao longo dos séculos? É exatamente isso que propõe a filosofia decolonial.

O Que é a Filosofia Decolonial?

A filosofia decolonial surge como uma resposta crítica ao legado da colonização. Diferente de outras correntes que analisam o colonialismo como um evento do passado, os pensadores decoloniais argumentam que ele ainda está presente, manifestando-se em desigualdades econômicas, epistemológicas e culturais.

Walter Mignolo, um dos principais nomes do pensamento decolonial, fala sobre a "colonialidade do saber", que se refere à maneira como o conhecimento europeu foi imposto como universal, enquanto outros modos de pensar foram marginalizados. O filósofo colombiano Santiago Castro-Gómez complementa essa visão, ao destacar o "ponto zero epistemológico", isto é, a crença de que a ciência europeia e ocidental ocupa uma posição neutra e objetiva, quando, na realidade, é uma construção histórica que desconsidera outras formas de conhecimento.

A Colonialidade do Ser e do Poder

Os pensadores decoloniais também falam sobre a "colonialidade do ser" e a "colonialidade do poder". A colonialidade do ser, um conceito trabalhado por Frantz Fanon e aprofundado por Aníbal Quijano, refere-se à forma como o colonialismo desumanizou povos colonizados, impondo-lhes uma identidade inferior. Fanon descreveu esse fenômeno em "Pele Negra, Máscaras Brancas", onde analisou como o racismo estrutural gerado pela colonização moldou a subjetividade dos indivíduos.

Já a colonialidade do poder, termo cunhado por Quijano, aborda como as hierarquias sociais criadas na colonização – como a distinção entre europeus e não europeus – continuam operando no mundo contemporâneo. Isso se reflete, por exemplo, na forma como certos países do Sul Global são vistos como "atrasados" ou "em desenvolvimento", enquanto as nações ocidentais são consideradas o padrão de progresso.

A filosofia decolonial pode ser percebida em diversas situações do cotidiano, especialmente quando questionamos padrões impostos por uma história de colonização que ainda influencia nossas identidades, relações e até nossas formas de pensar. Aqui estão algumas situações práticas e como podemos construir uma filosofia própria a partir delas:

Escolhas culturais e consumo

  • Situação: Você entra em uma livraria e percebe que a maioria dos livros recomendados são de autores europeus ou norte-americanos. Na música, no cinema e na arte, o cenário se repete.
  • Reflexão decolonial: Por que certos autores, cineastas e músicos são considerados "referências universais" enquanto outras vozes são silenciadas?
  • Construção própria: Buscar, ler e divulgar autores locais, indígenas, afro-brasileiros e latino-americanos, dando espaço para perspectivas que falam a partir de nossa própria realidade.

Educação e currículo

  • Situação: Em aulas de história ou filosofia, os pensadores estudados são quase sempre europeus. Platão, Descartes, Kant e Hegel são tratados como os pilares do pensamento, enquanto ideias indígenas, africanas ou asiáticas são ignoradas.
  • Reflexão decolonial: Quem decide quais são os grandes pensadores? Por que formas de conhecimento ancestrais são frequentemente classificadas como "mito" e não como "filosofia"?
  • Construção própria: Valorizar os saberes de diferentes tradições, como o pensamento de Ailton Krenak, Lélia Gonzalez e N. Sri Ram, integrando-os às reflexões contemporâneas.

Relações de trabalho e hierarquias

  • Situação: Em uma empresa, os cargos de liderança são ocupados majoritariamente por pessoas brancas e de classes mais altas, enquanto trabalhadores racializados ficam em posições de menor prestígio.
  • Reflexão decolonial: O sucesso profissional está baseado apenas em mérito ou há estruturas históricas que dificultam o acesso igualitário a oportunidades?
  • Construção própria: Incentivar práticas de inclusão, valorizar a cultura e as competências locais no ambiente corporativo e promover lideranças mais diversas.

Autoimagem e identidade

  • Situação: Alguém diz que para ser "profissional" ou "bem-apresentado" é necessário alisar o cabelo ou evitar falar com sotaque regional.
  • Reflexão decolonial: De onde vêm esses padrões de beleza e de comportamento? Quem define o que é profissionalismo?
  • Construção própria: Reafirmar a identidade e a estética local, valorizando a diversidade como parte da riqueza cultural, em vez de moldar-se a padrões eurocêntricos.

Modos de viver e relação com a natureza

  • Situação: As cidades seguem um modelo de urbanização que prioriza a indústria e o consumo, enquanto comunidades indígenas e tradicionais são deslocadas ou têm seus territórios ameaçados.
  • Reflexão decolonial: Existe apenas um jeito de viver e organizar a sociedade? Há formas sustentáveis e coletivas de existir que foram descartadas pela lógica ocidental?
  • Construção própria: Aprender com modos de vida indígenas e quilombolas sobre sustentabilidade, comunidade e conexão com o meio ambiente, integrando esses valores ao nosso cotidiano.

Construir uma filosofia própria passa por questionar as referências que moldam nosso pensamento e resgatar os saberes locais que foram apagados ou marginalizados. Significa não apenas "desfazer" a colonização mental, mas também criar novos caminhos, novas epistemologias e novas formas de viver que reflitam a nossa realidade, nossas histórias e nossas potencialidades.

Como Pensar Fora da Lógica Colonial?

Diante desse cenário, a filosofia decolonial não propõe apenas uma crítica, mas um exercício ativo de reimaginar o mundo. Isso pode se dar de diversas formas:

Valorização de saberes locais: Em vez de tratar o conhecimento europeu como referência universal, é necessário resgatar epistemologias indígenas, africanas e asiáticas, que oferecem formas alternativas de ver e interagir com a realidade.

Crítica às instituições coloniais: A academia, a política e o mercado global ainda operam sob lógicas coloniais. Descolonizar significa questionar quem ocupa espaços de poder e quem tem acesso à produção do conhecimento.

Estética e cultura decolonial: A arte, a literatura e a música também são espaços de resistência. Movimentos como a literatura indígena contemporânea e o afrofuturismo mostram como é possível criar narrativas que fogem da lógica eurocêntrica.

Filosofia Como Ato de Liberdade

A filosofia decolonial nos convida a um exercício de liberdade: repensar o mundo sem as amarras impostas pela colonialidade. Isso significa estar aberto a novas formas de ver a realidade e, mais do que isso, dar espaço para que vozes antes silenciadas possam falar. Se a colonização foi um processo de imposição, a decolonialidade precisa ser um processo de escuta e reconstrução.

Então, ao terminar nosso café, fica o convite para um novo olhar. Se até o modo como pensamos foi colonizado, talvez seja hora de começar a descolonizar não apenas o mundo, mas também a nossa própria forma de ver, sentir e filosofar.


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Filosofia da Sombra

O que Escolhemos Não Ser

Outro dia, observando uma vitrine qualquer, me peguei imaginando como seria minha vida se tivesse escolhido outra profissão, outro lugar para viver, outra forma de ser. É um pensamento comum, mas que logo desvia para um território pouco explorado: não apenas o que poderia ter sido, mas o que escolhi não ser.

Nosso tempo é obcecado pela identidade. Livros de autoajuda, discursos motivacionais e até o algoritmo das redes sociais giram em torno da ideia de descobrir quem você é. Mas e se, ao invés de perguntar "quem sou eu?", perguntássemos "quem não sou?" ou "quem escolhi não ser?" A identidade pode não ser apenas aquilo que abraçamos, mas também o que rejeitamos – e é essa sombra, esse rastro de vidas não vividas, que nos molda silenciosamente.

A Identidade Negativa

A identidade, como geralmente pensamos, é construída por afirmação: "sou isso", "faço aquilo", "acredito nisso". Mas ela também se forma por negação: "não sou isso", "nunca faria aquilo", "jamais acreditaria nisso". Desde pequenos, traçamos limites invisíveis entre aquilo que aceitamos ser e o que deixamos para trás. Cada escolha não é apenas um caminho seguido, mas um leque de possibilidades descartadas.

Esse fenômeno fica evidente em decisões grandes, como a escolha de uma carreira. O médico que nunca foi músico. O professor que jamais foi atleta. O advogado que poderia ter sido cineasta. Mas ele também está nas pequenas escolhas do dia a dia. O "não vou responder essa provocação". O "não quero ser essa pessoa".

Seríamos capazes de definir uma vida inteira apenas pelo que uma pessoa não foi? Talvez. Pense em alguém que passou a vida fugindo de conflitos, rejeitando riscos, evitando envolvimentos. Essa identidade negativa moldou sua existência tanto quanto qualquer decisão afirmativa.

A Sombra e o Eu

Carl Jung falava da "sombra" como o lado oculto da psique, aquilo que reprimimos ou negamos em nós mesmos. Mas aqui, a ideia da sombra vai além do inconsciente. Não se trata apenas de desejos reprimidos, mas de tudo aquilo que, consciente ou inconscientemente, deixamos de ser.

Toda escolha carrega uma perda. Ao decidir seguir um caminho, não apenas escolhemos um destino, mas deixamos de trilhar todos os outros. Será que nossa sombra – esse espectro de vidas não vividas – se acumula silenciosamente, nos observando de longe?

Se sim, como lidar com ela? Alguns vivem atormentados pelas possibilidades que não seguiram, sentindo-se aprisionados pelas decisões tomadas. Outros fazem as pazes com suas sombras, reconhecendo que são parte essencial do que são.

O Peso das Escolhas

Nietzsche dizia que deveríamos viver de forma a desejar o eterno retorno: escolher cada ato como se fôssemos repeti-lo infinitamente. Mas essa perspectiva pode ser angustiante. Afinal, como ter certeza de que nossas escolhas são as certas? Talvez devêssemos perguntar não apenas o que escolhemos ser, mas o que escolhemos não ser – e se essa sombra é um peso ou um alívio.

Na vida, nunca seremos tudo o que poderíamos ter sido. Mas talvez seja justamente essa ausência que dá forma ao que realmente somos.


sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Filosofia das Microdecisões

O Impacto do Insignificante no Destino

Outro dia, enquanto escolhia entre pegar um atalho pela rua principal ou contornar o quarteirão, fui tomado por uma curiosidade: e se essas pequenas escolhas fossem mais importantes do que imaginamos? Um desvio aqui, uma troca de palavras ali, e a vida poderia tomar um rumo completamente inesperado. Parece exagero, mas talvez as microdecisões — aquelas aparentemente banais — contenham o verdadeiro potencial transformador das nossas vidas.

O Poder das Pequenas Escolhas

Costumamos imaginar o destino como algo moldado por grandes eventos: mudar de cidade, escolher uma carreira, casar ou ter filhos. Contudo, e se os detalhes fossem igualmente determinantes? Heráclito dizia que “a grandeza não está no rio em si, mas no fluxo”. Em outras palavras, o impacto da vida pode residir nos pequenos movimentos que fazemos dentro dela. Essa é a filosofia das microdecisões: cada gesto ou escolha, por menor que seja, contribui para a construção de nosso ser.

Determinismo e Livre-Arbítrio

As microdecisões desafiam as fronteiras entre determinismo e livre-arbítrio. Ao mesmo tempo em que parecem ser escolhas triviais, essas ações muitas vezes são condicionadas por forças sociais, psicológicas e históricas. Por exemplo, ao decidir qual rota tomar no trajeto diário, somos influenciados por hábitos, condições climáticas e até mesmo por memórias associadas a cada caminho. Spinoza nos lembraria que agimos sob a ilusão de liberdade, enquanto nossas escolhas obedecem a causas que desconhecemos. Contudo, Sartre contraporia que cada microdecisão é também um ato de afirmação do ser.

Temporalidade e a Importância do Agora

Heidegger traz uma perspectiva essencial para entender as microdecisões: o presente é o campo onde o ser se manifesta. Cada escolha, por menor que pareça, é um momento de engajamento com a nossa própria existência. A decisão de dedicar cinco minutos extras a uma conversa ou de desligar o celular para observar uma paisagem são exemplos de como o presente é recheado de potencialidades. Nessas pequenas escolhas, revelamos nossa relação com o tempo e com o que consideramos importante.

Complexidade e Caos

A teoria do caos sugere que pequenos eventos podem gerar grandes impactos em sistemas complexos — o famoso “efeito borboleta”. Essa ideia ecoa na filosofia das microdecisões: uma ação aparentemente trivial pode desencadear mudanças significativas. Imagine que você decide entrar em uma livraria por impulso e, ao folhear um livro, encontra uma ideia que muda sua perspectiva de vida. Pequenos gestos podem ser catalisadores de transformações profundas.

A Ética do Insignificante

Se cada microdecisão tem um impacto potencial, elas também carregam um peso ético. Kant argumentaria que o valor moral de uma ação não está em sua magnitude, mas na intenção que a guia. Assim, ao sorrir para um desconhecido ou ao dedicar até mesmo um gesto de gentileza, você participa da construção de um mundo melhor. Pequenas escolhas podem não apenas mudar nossas vidas, mas também transformar a experiência coletiva.

Microdecisões na Era Digital

A era digital amplifica as microdecisões, oferecendo milhares de escolhas diárias: qual notícia ler, que foto curtir, qual conteúdo compartilhar. Essas pequenas ações moldam nossas redes de relações e, consequentemente, nossa identidade. Um simples clique pode desencadear conversas, conexões e oportunidades inesperadas. Contudo, também precisamos ser cautelosos: a dispersão e a superficialidade são riscos constantes em um mundo repleto de microdecisões digitais.

Vivendo o Detalhe

Então, para concluir, a filosofia das microdecisões é um chamado para que olhemos para os detalhes com mais atenção. Longe de serem insignificantes, essas pequenas escolhas são as fibras que tecem a narrativa de nossas vidas. Elas nos lembram que a grandeza não está apenas nos grandes eventos, mas na habilidade de viver o presente com consciência e intenção. Talvez o segredo de uma vida significativa resida exatamente nisso: na coragem de tratar o pequeno como algo extraordinário.


sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Filosofia nas Margens

A filosofia nas margens chama-se “nota de rodapé” é a sombra do texto. Estava aqui pensando como a nota de rodapé é importante, ela contém o esclarecimento que dá liga ao conteúdo. Enquanto o discurso principal ocupa o centro do palco, iluminado e amplificado, a nota de rodapé permanece discreta, como um sussurro no canto de uma sala cheia. Pequena, quase invisível, mas carregada de significados, ela é um lembrete de que o essencial nem sempre está à vista.

O Espaço Marginal e a Vida Cotidiana

No universo acadêmico, a nota de rodapé é a fiel escudeira do texto. Ela referencia, comenta, contextualiza e, por vezes, questiona. Fora das páginas, ela se assemelha àquilo que relegamos à margem de nossas vidas: gestos simples, conversas informais, silências que pairam entre uma frase e outra. Esses momentos, como as notas de rodapé, são frequentemente desconsiderados, mas são eles que estruturam o tecido de nossa existência.

Michel de Certeau, em sua “Invenção do Cotidiano”, nos convida a olhar para essas margens com mais atenção. Segundo ele, é no cotidiano que encontramos a verdadeira expressão da criatividade humana. A nota de rodapé da vida, aquilo que parece banal, pode ser, na verdade, a força silenciosa que sustenta o todo.

Notas de Rodapé e Invisibilidade

Há, na nota de rodapé, um paradoxo de invisibilidade. Apesar de estar lá, é muitas vezes ignorada. Esse fenômeno pode ser comparado ao que acontece com pessoas ou situações que se encontram à margem da sociedade. A filosofia, ao longo dos séculos, frequentemente deu voz às margens: os excluídos, os não ouvidos, os que vivem fora do holofote.

Pensemos em Hannah Arendt e sua reflexão sobre a banalidade do mal. Assim como as notas de rodapé, as ações individuais, muitas vezes pequenas e ignoradas, podem carregar significados profundos e transformações inesperadas. Quando prestamos atenção às margens, percebemos que o que é pequeno pode conter o poder de reescrever o texto principal.

O Poder do Detalhe

Uma nota de rodapé pode mudar tudo. Um exemplo clássico é o da ciência: uma citação em uma nota marginal pode abrir caminhos para novas descobertas. Na vida cotidiana, isso se traduz em pequenas escolhas que parecem insignificantes — um desvio no caminho para o trabalho, uma conversa casual com um desconhecido — mas que acabam transformando a narrativa inteira.

Essa ideia encontra eco na filosofia de Gilles Deleuze, para quem a potência está no detalhe, na diferença. É na singularidade das notas de rodapé que encontramos a possibilidade de rupturas criativas, de novas leituras e interpretações do texto que chamamos vida.

Lendo as Margens

Ao final, a nota de rodapé nos ensina sobre humildade e perspectiva. Ela nos lembra de que nem tudo que importa está à frente de nossos olhos. Talvez devêssemos viver mais como leitores atentos, capazes de perceber e valorizar as margens do nosso existir. Afinal, a grandeza da nota de rodapé está em seu papel silencioso: não é o texto principal, mas sem ela, o texto se torna incompleto.


domingo, 3 de novembro de 2024

Filosofia Vedanta

Imagine por um momento que você está sentado em um café, observando o movimento das pessoas. Algumas correm apressadas, outras parecem perdidas em seus pensamentos. De repente, você se pergunta: quem sou eu nesse cenário? O que me define nesse momento? O que está por trás de todos esses rostos apressados, das preocupações diárias, das camadas de identidade que vestimos? A filosofia Vedanta surge como uma tentativa de responder a essa inquietação universal, trazendo a reflexão de que talvez, por trás de tudo o que vemos e acreditamos ser, exista algo muito mais profundo, e surpreendentemente simples.

No coração da Vedanta está a ideia de que o "eu" — o verdadeiro eu, não o ego — é uma parte inseparável de uma realidade maior, conhecida como Brahman. Esse Brahman não é uma entidade distante ou um ser com forma específica; ele é a essência de tudo, a força vital que permeia o universo. Segundo a Vedanta, nós e o cosmos somos, em última análise, a mesma coisa. Essa é a grande sacada: nós somos o universo em movimento.

Atman e o encontro com o verdadeiro eu

Um dos ensinamentos mais fascinantes da Vedanta é sobre o Atman, que podemos traduzir como o "eu verdadeiro" ou a alma individual. Mas não se trata de uma alma separada, vagando por aí, como muitas vezes imaginamos. O Atman, segundo a Vedanta, é, na verdade, idêntico ao Brahman. Isso significa que nossa essência mais profunda não está limitada à nossa identidade individual, à nossa história, aos nossos medos ou às nossas conquistas. É algo infinitamente maior.

Já pensou como muitas vezes gastamos energia tentando nos definir? Sou isso ou sou aquilo. Sou bom, sou ruim. Sou meu trabalho, minhas relações, meu sucesso ou meu fracasso. A Vedanta nos convida a abandonar essa busca incessante por definições externas e olhar para dentro. Não aquele “dentro” onde encontramos nossos pensamentos acelerados e ansiedades, mas um lugar mais profundo, silencioso, onde o ego começa a se desfazer. Ali, no silêncio, descobrimos que o Atman — nosso eu mais íntimo — está além dessas flutuações, em perfeita unidade com tudo o que existe.

A ilusão de Maya

Porém, reconhecer essa unidade não é fácil. O mundo que nos cerca parece separado, fragmentado. As coisas vêm e vão, pessoas entram e saem das nossas vidas, e temos a sensação constante de que estamos em busca de algo, tentando preencher um vazio. A Vedanta nos diz que essa sensação de separação é causada por Maya, a ilusão que encobre a verdadeira natureza da realidade. Maya é o véu que nos impede de perceber que, por trás da multiplicidade de formas e nomes, há uma unidade absoluta.

No nosso cotidiano, estamos imersos em Maya de todas as maneiras. Imagine um dia comum: acordamos, verificamos mensagens, corremos para cumprir compromissos, reagimos ao que acontece ao nosso redor. Tudo isso parece tão real e urgente que raramente paramos para questionar o que está por trás dessa correria. O que a Vedanta sugere é que, ao reconhecer a presença de Maya, podemos começar a nos desapegar da ilusão de que tudo o que acontece externamente define quem somos. Não significa ignorar o mundo, mas vivê-lo com mais leveza, compreendendo que nossa essência está além das circunstâncias passageiras.

A busca pela libertação (Moksha)

Essa percepção, segundo a Vedanta, é o que nos liberta. O objetivo da vida, de acordo com essa filosofia, não é acumular bens, conquistar fama ou nos agarrar a rótulos, mas sim alcançar a moksha, a libertação do ciclo de nascimento e morte, da roda interminável do samsara. Quando percebemos que o Atman e o Brahman são um só, o apego à ilusão do ego desaparece e, com ele, o medo e a ansiedade que surgem da sensação de sermos seres separados e vulneráveis.

Claro, isso soa como um ideal distante, algo quase impossível de alcançar no meio da agitação cotidiana. E talvez seja por isso que a Vedanta não sugere um caminho único para chegar lá. Jnana Yoga, o caminho do conhecimento, é uma das formas de aproximar-se dessa realização. A prática consiste em questionar quem somos, olhar para além do corpo e da mente, e buscar respostas através da introspecção e do estudo dos textos sagrados.

No entanto, o grande diferencial da Vedanta é que ela não é uma filosofia que exige afastamento do mundo ou negação da vida. Ao contrário, ela nos convida a viver de forma plena, mas com consciência. A ideia é que, mesmo participando do jogo da vida, possamos nos lembrar de que ele é, no fundo, uma encenação. Podemos nos divertir, aprender, amar e até sofrer, mas tudo isso com a percepção de que, por trás das máscaras e dos papéis, somos o próprio universo se experimentando.

Vedanta no dia a dia

No dia a dia, a Vedanta pode se manifestar em pequenos momentos de pausa. Talvez durante uma conversa difícil, quando percebemos que o que está sendo dito é apenas uma camada superficial. Ou quando observamos o nascer do sol e sentimos que há algo de eterno e imutável ali, que transcende o tempo. A prática é lembrar que o Atman está presente em todas essas experiências e que, por mais que o mundo pareça fragmentado, há uma unidade que sustenta tudo.

A filosofia Vedanta nos oferece uma nova lente para enxergar a vida. Ela não nega o mundo, mas nos ajuda a transcender as ilusões que ele cria, abrindo espaço para uma visão mais ampla e serena da existência. E, quem sabe, no meio dessa correria, possamos descobrir que somos, afinal, muito mais do que pensávamos ser. Essa é a magia da Vedanta: ela nos coloca em contato com o mistério de sermos ao mesmo tempo parte e o todo.

Sugestão de Leitura:

Shankara. Viveka Chudamani: A Joia Suprema do Discernimento. Tradução de Swami Dayananda Saraswati. São Paulo: Vidya Mandir, 2004.


sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Filosofia e IA


Ouvi dizer que a ideia de que a filosofia só pode tratar da inteligência humana, imediatamente discordei e complementei: é uma visão limitada, especialmente quando pensamos na filosofia como uma disciplina que reflete sobre questões amplas e fundamentais. A inteligência artificial (AI) não apenas pode, mas já é um tema fértil para a filosofia, pois levanta perguntas profundas sobre a natureza da inteligência, consciência, ética, e até mesmo o que significa ser humano.

A filosofia sempre se ocupou de reflexões sobre a mente, a cognição, e a moralidade. Se a AI desafia nossas noções de inteligência, então ela naturalmente se torna um objeto de reflexão filosófica. Por exemplo, perguntas como “A AI pode ter consciência?” ou “Qual o status moral de uma máquina com capacidades cognitivas complexas?” são questões filosóficas clássicas que transcendem a mera limitação à inteligência humana.

Pense nos dilemas éticos em torno do uso da AI em decisões judiciais ou de saúde. Uma IA pode tomar decisões justas? Qual é a responsabilidade ética por erros cometidos por uma AI? Como seres humanos, temos de enfrentar as implicações dessas tecnologias para as sociedades, para os empregos, e até para a própria autonomia humana.

Filosoficamente, nomes como Alan Turing e John Searle já se debruçaram sobre a questão da inteligência artificial há décadas. Turing propôs o famoso "Teste de Turing", que questiona se uma máquina pode imitar um ser humano ao ponto de não podermos mais distinguir entre a resposta de uma máquina e a de uma pessoa. John Searle, por outro lado, com seu argumento da "sala chinesa", levanta questões sobre a verdadeira compreensão ou consciência por parte das máquinas.

A filosofia, portanto, pode — e deve — tratar da inteligência artificial, justamente porque ela nos desafia a redefinir conceitos como inteligência, moralidade, e autonomia. Essa reflexão não se limita à cognição humana, mas expande-se para novos horizontes, convidando pensadores a explorarem como a humanidade lida com essas criações que se aproximam daquilo que antes considerávamos exclusivo aos seres humanos.

Então, concordo: não se trata de restringir a filosofia à inteligência humana, mas de expandi-la para compreender e refletir sobre a inteligência artificial como um fenômeno que faz parte do mundo contemporâneo.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Caixa Preta

Estava manuseando uma caixa preta pensando que haveria dentro desta caixa com aparência “misteriosa”, o que ela guardaria em seu interior, dali foi um pulo para imaginar por analogia o que se passa no interior da caixa preta de nossa mente, a filosofia imediatamente estendeu seu tapete mágico da imaginação me convidando a embarcar e seguir em frente, foi assim que comecei a viajar e explorar a ideia da “caixa preta”.

A ideia da "caixa preta" remete a um conceito de mistério, algo que observamos de fora sem necessariamente compreender o que está acontecendo dentro. Na filosofia, esse termo pode ser usado para refletir sobre como lidamos com o desconhecido e a complexidade, seja em relação à mente humana, à tecnologia ou às estruturas sociais.

A caixa preta da mente

Imagine a nossa própria mente como uma caixa preta. Não conseguimos observar diretamente o que ocorre no interior dos nossos pensamentos. Sabemos que existem impulsos, memórias, traumas, desejos e racionalizações se movendo dentro, mas muitas vezes não conseguimos acessar esses processos com clareza. Sigmund Freud, por exemplo, já descrevia o inconsciente como uma dimensão inacessível diretamente, mas que afeta tudo o que somos e fazemos. O que vem à tona, as nossas ações e falas, são como a saída de uma caixa preta, resultados de um processo misterioso.

Da mesma forma, como lidamos com a ideia de autoconsciência ou de descobrir nossos verdadeiros motivos? Quando refletimos sobre o conceito de "encontrar a si mesmo", estamos explorando uma caixa preta pessoal. O desafio é que, apesar de podermos observar nossas próprias ações, pensamentos e decisões, nem sempre conseguimos desvendar completamente de onde vêm nossas motivações mais profundas. A filosofia existencialista, por exemplo, lida com essa busca incessante pelo sentido da vida, pelo "eu" autêntico que parece estar escondido nas profundezas da nossa caixa preta mental.

A caixa preta da tecnologia

Outro campo onde a ideia da caixa preta é extremamente relevante é na tecnologia. Atualmente, grande parte das nossas vidas está conectada a sistemas digitais que operam sob o véu da caixa preta. Pense nos algoritmos que decidem o que vemos nas redes sociais, nas inteligências artificiais que analisam dados e oferecem soluções, ou nos dispositivos que monitoram nossa saúde. Todos esses sistemas são "caixas pretas": funcionam de maneira complexa, mas os usuários raramente sabem como.

Isso levanta questões filosóficas importantes: como confiamos em algo que não entendemos completamente? Ao delegarmos decisões a esses sistemas, estamos nos colocando nas mãos de caixas pretas que podem moldar comportamentos e influenciar percepções. E, mais do que isso, o que essas caixas estão escondendo? Alguns filósofos da tecnologia, como Bruno Latour, discutem o papel da confiança no uso de tecnologias complexas. Dependemos de sistemas que operam além da nossa compreensão direta, e essa dependência cria uma relação quase de fé com o funcionamento deles.

A caixa preta social

Na sociedade, a caixa preta aparece quando falamos de estruturas de poder e controle. Muitas das decisões que afetam nossas vidas acontecem dentro de sistemas que são opacos para o cidadão comum. Governos, corporações, mercados financeiros, todos operam como caixas pretas, em que os processos internos são invisíveis para a maioria, e o que vemos são apenas os resultados. Aqui, a filosofia política se pergunta: como garantir que essas caixas operem de maneira justa e ética? Filósofos como Michel Foucault dedicaram-se a entender como o poder opera através de mecanismos ocultos, observando que, muitas vezes, o controle vem justamente do que não conseguimos ver ou compreender.

Filosofia da caixa preta como metáfora da existência

Viver é, de certa forma, lidar com caixas pretas. A imprevisibilidade da vida, as motivações internas dos outros, e até os segredos que guardamos de nós mesmos, formam um complexo de camadas invisíveis. Podemos observar os efeitos das ações e tentamos decifrar os processos, mas sempre há um mistério latente. O filósofo Heidegger, ao discutir a ideia do "Ser", também aborda a dificuldade de entendermos a totalidade da existência. Ele sugere que a existência é muitas vezes um "ser-lançado" em meio ao desconhecido, e nossa tarefa é constantemente desvelar o que podemos, mas sem nunca alcançar um entendimento completo.

Assim, a "filosofia da caixa preta" não é apenas uma reflexão sobre tecnologias ou sistemas, mas também uma metáfora poderosa para a condição humana. A vida é cheia de caixas pretas: sejam os mistérios do próprio eu, os mecanismos ocultos da sociedade, ou os processos que guiam o mundo ao nosso redor. A grande questão que a filosofia da caixa preta nos propõe é como lidamos com o desconhecido — aceitamos a opacidade, ou continuamos tentando abrir essas caixas, mesmo sabendo que algumas delas podem nunca ser completamente reveladas?

A filosofia da caixa preta nos coloca, então, diante do mistério essencial do ser. Vivemos com a constante tentação de abrir as caixas, mas também com a humildade de reconhecer que nunca entenderemos tudo. Isso não significa que não devemos tentar, mas que a busca em si já é uma forma de existência, uma relação contínua entre o que conhecemos e o que nos escapa.


sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Filosofia da Tecnologia





Pensamento: “Máquina Pensa, Humano Pensa e Sente”

Acordo pela manhã e, antes de qualquer coisa, a minha mão já busca o celular. Não é tanto a vontade de ver as notificações, mas um hábito enraizado que se tornou quase automático. O despertador que me acorda já é uma criação tecnológica, mas ele é apenas o início. O meu dia é permeado por interações com tecnologia: o café da manhã muitas vezes esquentado no micro-ondas, a música que toca enquanto preparo o pão, e o carro que me leva ao trabalho com um GPS me guiando pelas ruas da cidade procurando escapar das tranqueiras do trânsito. A tecnologia se infiltra na minha rotina de forma tão natural que quase não percebo. Mas será que ela também está moldando a forma como penso e sinto?

Essa reflexão nos leva ao campo da Filosofia da Tecnologia, um ramo da filosofia que busca entender o impacto das ferramentas tecnológicas na vida humana. Desde a invenção da roda até a inteligência artificial, o ser humano sempre buscou criar instrumentos que facilitassem a vida. Mas o que acontece quando essas ferramentas começam a moldar nossas escolhas, nossa maneira de viver e até nossa identidade?

O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), um dos filósofos que mergulhou nessa questão, fala sobre a ideia de "enquadramento" (Ge-stell). Para ele, a tecnologia moderna não é apenas um conjunto de ferramentas, mas uma forma de ver o mundo, um paradigma que enxerga tudo — inclusive o ser humano — como um recurso a ser utilizado. Em seu ensaio "A Questão da Técnica", Heidegger alerta que essa visão tecnicista pode nos afastar de uma compreensão mais autêntica do ser. Quando tudo se torna uma questão de eficiência e funcionalidade, perdemos a conexão com o que é verdadeiramente significativo.

Vamos pensar na forma como interagimos nas redes sociais. Aplicativos projetados para maximizar nosso tempo de uso fazem com que sejamos atraídos por notificações e curtidas, enquanto o tempo de uma conversa face a face, ou até mesmo de uma pausa para contemplação, se torna cada vez mais raro. A nossa identidade, em certo sentido, é moldada por algoritmos que definem o que devemos ver, comprar ou desejar.

Em situações cotidianas, como decidir qual série assistir ou escolher o restaurante mais próximo, é comum deixarmos as decisões para a tecnologia, sem refletir sobre o impacto disso na nossa autonomia. Essa dependência pode parecer trivial, mas o filósofo italiano, contemporâneo Luciano Floridi, em sua obra "A Revolução da Informação" (publicada em português), argumenta que estamos nos tornando "informacionalmente dependentes", onde o fluxo de informações e a interação digital começam a dominar as nossas vidas a tal ponto que a linha entre o real e o virtual se confunde.

Porém, há um contraponto importante. A tecnologia também nos oferece novas formas de expressão, de conexão e até de autoconhecimento. Ela não precisa ser vista apenas como uma força que nos distancia da essência humana. O próprio Heidegger, apesar de suas críticas, não condenava a tecnologia em si, mas sim o uso desmedido e acrítico dela.

Albert Borgmann (1937-2023), estadunidense, é outro filósofo contemporâneo conhecido por suas reflexões sobre tecnologia, oferece uma perspectiva instigante sobre essa questão. Em sua obra "Technology and the Character of Contemporary Life" (em tradução livre, "A Tecnologia e o Caráter da Vida Contemporânea"), Borgmann introduz a ideia de "paradigma do dispositivo". Segundo ele, a tecnologia moderna transforma o mundo em uma coleção de dispositivos que prometem conforto e conveniência, mas que, ao mesmo tempo, nos distanciam das experiências mais autênticas e significativas da vida.

Borgmann argumenta que, ao substituir o engajamento direto com o mundo por interações mediadas por dispositivos, estamos perdendo a conexão com o que ele chama de "focal things" (coisas focais) — atividades que exigem nossa atenção plena e que, em troca, nos oferecem uma experiência de realização genuína.

Em situações cotidianas, como decidir qual série assistir ou escolher o restaurante mais próximo, é comum deixarmos as decisões para a tecnologia, sem refletir sobre o impacto disso na nossa autonomia. Essa dependência pode parecer trivial, mas Borgmann alerta que ela contribui para um empobrecimento da vida. O simples ato de cozinhar uma refeição caseira, em vez de pedir comida por um aplicativo, pode ser visto como uma forma de resistir ao paradigma do dispositivo e reengajar-se com as atividades que dão sentido à nossa existência.

O contraponto importante aqui é que a tecnologia não precisa ser vista apenas como uma força que nos distancia da essência humana. O próprio Borgmann também não condena a tecnologia em si, mas sim o uso desmedido e acrítico dela. Ele sugere que devemos cultivar uma relação equilibrada com a tecnologia, utilizando-a como uma ferramenta que complementa, em vez de substituir, as experiências focais que enriquecem nossas vidas. Percebemos que os filósofos parecem se manifestar de maneira parecida quanto ao dilema, e em alguns pontos são até repetitivos, noutros trazem a tona reflexões muito oportunas.

Então, o que fazer diante desse dilema? Talvez a chave esteja em encontrar um equilíbrio, em usar a tecnologia como uma extensão das nossas capacidades, sem permitir que ela nos defina. Isso requer uma vigilância constante, uma reflexão sobre como e por que usamos as ferramentas tecnológicas no dia a dia. O simples ato de decidir passar menos tempo nas redes sociais ou de optar por caminhar sem o auxílio do GPS pode ser um passo pequeno, mas significativo, na direção de uma vida mais consciente.

A Filosofia da Tecnologia, portanto, nos convida a pensar sobre nossa relação com as máquinas e como essa relação está moldando o que significa ser humano. Como Albert Borgmann nos lembra, a verdadeira realização vem de engajamentos que exigem nossa presença total, e não de interações superficiais mediadas por dispositivos. Não se trata de evitar a tecnologia, mas de integrá-la de forma que ela enriqueça, e não empobreça, nossa experiência de vida. 







quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Uma reflexão filosófica sobre a experiência da paciência durante o confinamento

 

 

Se há alguma coisa que dá sabedoria à alma, é a paciência. Qual era o segredo dos mestres que realizaram grandes coisas, inspiraram muitas pessoas e ajudaram muitas almas? O segredo deles era a paciência.  Inayat Khan

 

Alguns dias atrás falávamos sobre um tema muito caro neste momento em que nos encontramos confinados: a paciência, falamos sobre a experiência em que nós humanos globalizados estamos sendo submetidos, e paciência é um dos melhores remédios, talvez seja o melhor remédio, aquele que fara a diferença entre viver ou morrer.

 

Experiência em pandemia não tínhamos nenhuma até agora, no entanto decorridos 164 dias de confinamento podemos falar de algo que já foi, ainda é, e será por algum tempo, nosso dialogo imediatamente adotou o modelo discursivo da experiência humana, histórico e narrativo em que o antes e o depois se encontram encadeados por uma lógica em que a cada instante se sucede a outro e assim até ao futuro incerto.

Nosso diálogo com viés filosófico, naquele momento presente era tudo: nele encontrava-se a memória do passado (nossas experiências) e as expectativas do futuro.

No presente encontra-se a memória do passado do poder ir e vir, as expectativas do futuro, neste futuro que nos sinaliza com continuidade de confinamento voluntário e compulsório, distanciamento social, e em algum momento dele encontra-se a vacina libertadora.

Nossa sensação presente é de paralisação, é um presente que a cada respiração vai ficando para trás com sensação de estarmos presos a ele, fechado em si mesmo, e assim será este sentimento até que nos seja disponibilizada a vacina que poderá nos libertar da prisão imposta pela COVID 19, no entanto as notícias são otimistas, as pesquisas realizadas em diferentes países, informam que estão em estágios avançados e acendem as luzes do porvir iluminando o presente.

 

“Nossa vida não é senão uma longa espera”, Sartre em O Ser e o Nada

 

A lógica do dito popular “longe dos olhos, longe do coração” expressam o sentimento geral, mesmo que virtualmente estejamos nos vendo e falando, o ser humano precisa mais do que ver e falar virtualmente, é preciso ver pessoalmente, tocar, abraçar, beijar, precisamos mais do que a frieza tecnológica pode nos oferecer. Este momento é o momento de entendermos o que significa paciência, nela encontra-se a força até então desconhecida e que poucos a conhecem e utilizam para vencer as dificuldades de suas vidas.

 

Chegam boas notícias da vacina, estas notícias são como músicas para os ouvidos, recarregam as forças da paciência para combater a escuridão os nevoeiros, negruras e debilidades das pessoas, infortúnios, males e sofrimentos do mundo.

  

As coisas vão ficar bem, tudo que precisamos é de um pouco de paciência.  Guns N' Roses

Na vivencia angustiante deste momento, a paciência que é uma virtude é levada a prova, junto a ela está a esperança de dias melhores. A paciência é a força que pulsa silenciosa que espera apesar de tudo, a paciência é nossa forma de não aceitar o “presente fechado em si mesmo”, lutamos contra a ideia de sua temporalidade peculiar procurando minimizar os efeitos do sentimento opressivo de impotência, temos esperanças de um futuro melhor.

 

O tempo e a paciência são dois eternos beligerantes. Leon Tolstói

 

Falamos a vida toda que é necessária paciência para resistir aos golpes da vida sem sucumbir, e com capacidade de padecer, de suportar e continuar esperando, no entanto, paciência não é resignação, na resignação o sujeito não tem por que esperar por nada e aquele que tem paciência espera tendo em sua essência uma meta, um objetivo.

 

A paciência {é uma das] qualidades "femininas" que têm como origem a nossa opressão, mas que deve ser preservada após a nossa libertação. SIMONE DE BEAUVOIR

 

Falar sobre a paciência é falar desta virtude que me fortaleceu e me preveniu diante dos desafios diários, muitas vezes foi com esta forma de luta que me permitiu resistir aos golpes da vida sem sucumbir, encarando de frente as adversidades sem me deixar destruir por elas, aguentando sem abatimento a carga da existência e os ataques da aflição que vive um espirito consciente de seu confinamento num corpo em viagem neste mundo.

 

Eu penso e penso, durante meses e anos, e em noventa e nove vezes a conclusão está errada. Na centésima vez eu acerto.  ALBERT EINSTEIN

 

É na paciência que encontramos a força para manter acesa a esperança de sentido diante da esmagadora evidência do excesso de mal neste mundo.

 

 O confinamento está fazendo as pessoas prestarem mais atenção as notícias e aos noticiários, há muita maldade circulando, inclusive nas redes sociais, uns assim procedem por ideologia política, outros pela índole maléfica, alimentada por informações falsas (fake news), comuns nesse tempo de pós-verdade, de versões se sobrepondo a fatos. Alguns destes acolhem o mal e o estimulam, no mesmo tempo em que proferem discursos de uma falsa piedade, aproveitando-se do momento para superfaturarem equipamentos e insumos para saúde.

 

Evitar o fanatismo das ideologias este deveria ser o lema de cada um, as ideologias são como carcereiros que cuidam de tirar da cabeça de seus escravos a esperança de haver vida noutro caminho, são fechadas em si mesmas, evitam qualquer contato que possam contaminar sua plantação disciplinada e ordenada, são indivíduos da mesma espécie separados, manipulados, catalogados, produto da adesão cega de algum sistema, doutrina, na maioria das vezes levados a extremos de intolerância, pregam o amor para os escravos de seu senhor e o ódio aos escravos doutro senhor, porem escravos, sempre escravos.

 

Assim como um ambiente quente e úmido é propício à disseminação de bactérias mortais, as ideologias são especialmente propicias a disseminação de atos de pensar do tipo rebanho, carregando em seu ambiente a circularidade de luta incessante em torno de si mesmo, retornando ao mesmo ponto de conflito irresolúvel.

Seu raciocínio se baseia em uma série de vieses de que ela sequer se dá conta, sua cegueira não permite enxergar a verdade dos outros e que sua verdadeira função seria a de apagar as diferenças, de possuir senso de humanidade e igualdade, as ideologias intensificam as diferenças desarmonizando a sociedade, agem como são, apenas escravos, não há uma luta hegeliana entre o senhor e o escravo, não há liberdade real, é apenas uma manifestação unilateral da impaciência negativa. Chauí nos ensina que:

 

..., a função da ideologia é a de apagar as diferenças, como as de classes, e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento de identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a humanidade, a liberdade, a igualdade, a nação, ou o Estado.” (Marilena Chauí, o que é ideologia 1980).

 

O indivíduo que tem paciência não é dogmático, nem intolerante, nem fanático, por isso não é escravo de alguma ideologia. Este indivíduo flui entre as ideologias sem se contaminar e deixar ser submetido a manipulações mentais. 

A paciência participante o eleva a contemplação dos fatos, desenvolvendo um talento do jogo do observador, fazendo sua jogada e não se deixando envolver pela jogada do outro, esta é uma decisão primaria no jogo da vida, é um dom, um talento primordial que decide sobre o que pertence e o que não pertence a ele, o que é ou deve ser e o que não, esta é a lógica do pensamento do indivíduo que tem paciência.

 

 

A paciência impulsiona.

LAMA SURYA  DAS

A paciência tem uma dupla vertente: a passividade participante do observador que se insere na realidade a observar, observa, sem nada alterar, e atividade de quem age tendo uma meta a atingir, é nela que as forças da perseverança se manifestam para enfim chegar em algum lugar e ao fim, com paciência evitamos a precipitação e cometer mais erros.

Temos na boa paciência a força para agir aqui e agora se for necessário, sem adiar, nem atrasar a intervenção oportuna e urgente, com convicção e compromisso.

 

 

Para aprender a ter paciência, você precisa primeiro ter muita paciência. STANISLAW J. LEC

 

A paciência deve ser do tipo vigilante ou vigília paciente, apta a agir e expressão humana no momento oportuno, sua característica a dimensão temporal e sua identificação com a esperança sem resignação, assim como nos diz “Esquirol”:

 

A autentica paciência ligada a esperança é tão essencial ao ser humano como o pão que ele come ou o ar que respira. Tanto que a paciência não é apenas uma virtude entre outras. Sua evidente dimensão temporal e sua identificação com a esperança fazem-na inclusive candidata a expressar o humano. Esquirol, p.116

 

A gravidade do surto que se transformou em pandemia forçou-nos seres humanos a observar com mais atenção para o planeta, tentando entender a razão por estarmos mundialmente paralisados. Em princípio, supostamente, teria surgido o coronavirus de seu hospedeiro natural o morcego, a contaminação teria ocorrido pela manipulação do morcego, consumido como alimento (será?), esta é uma das hipóteses apresentada pelos cientistas, a transmissão da doença para humanos teria surgido através da manipulação destes animais em mercados de Wuhan na China. Por lá é um alimento frequente na vida dos chineses mesmo sendo do conhecimento geral que morcegos costumam abrigar uma série de vírus nocivos aos humanos.

 

A distância atualmente não representa muito, pois basta uma passagem de avião, algumas horas de voo e estamos nos conectando fisicamente, qualquer vírus pode chegar no outro lado do mundo em questão de minutos ou horas.

 

Para nós ocidentais parece ser muito exótico o consumo de morcego como alimento, além do morcego outros animais consumidos por lá, também nos causam repulsa, tais como cobras, gafanhotos, sapos, cães e etc.

 

Temos em nosso cardápio outros animais silvestres, caçados para alimento ou comercialização, há um verdadeiro mercado negro explorando a natureza de maneira criminosa e devastadora. Nem a pandemia conseguiu conter o mercado de caça ilegal.

 

Há um limite onde a paciência deixa de ser uma virtude. Edmund Burke

 

No Brasil praticamente todo dia temos notícias da venda, consumo e tráfico de animais silvestres, é comum em diversas regiões. Também há abuso e crueldade presentes nas granjas industriais e na criação de animais, ficam confinados para engorda e maciez da carne, muitos vivendo em condições muito precárias.

 

Adote o ritmo da natureza. O segredo dela é a paciência. Ralph Waldo Emerson

 

A natureza vem reagindo aos abusos disparando vários tipos de doenças, representando ameaças mundiais como a gripe aviaria, ebola, sars, influenza.

Percebemos, sabemos disto tudo, mas nada fazemos para conter o abuso consumista, o consumo por si só não tem sentido, ele é manipulador quando não tem nada a ver com a satisfação das necessidades.

 

Para a nossa avareza, o muito é pouco; para a nossa necessidade, o pouco é muito.  Sêneca

 

As necessidades humanas estão diretamente ligadas ao consumo, no entanto a fomentação ao consumo criou o que chamamos de “consumistas compulsivos” realizando desejos desenfreados.

 

Os homens quando não são forçados a lutar por necessidade, lutam por ambição.  Maquiavel

 

Vivemos num mundo predominantemente de produção alienada, o consumo é artificialmente estimulado, e consequentemente o consumo também se torna alienado, segundo Karl Marx, a alienação trata-se de uma forma de dominação.

 

A desvalorização do mundo humano aumenta em proporção direta com a valorização do mundo das coisas.”   Karl Marx

 

A alienação para ser combatida também necessita de paciência, pois se não soubermos esperar pacientemente não saberemos reconhecer aquilo que realmente desejamos e precisamos, estaremos fazendo apenas a vontade de outro e não a nossa.

 

A espera intensifica o desejo. Na realidade, ela nos ajuda a reconhecer quais são nossos verdadeiros desejos. Ela separa nossos entusiasmos passageiros de nossos verdadeiros anseios. DAVID RUNCORN

 

O turbilhão produção-consumo em que o homem está mergulhado impede-o de ver com clareza a própria exploração e a perda da liberdade, de tal forma se acha reduzido na alienação e regressão ao que Marcuse chama de unidimensionalidade (ou seja, a uma só dimensão), que na linguagem hegeliano-marxista, se chamava reificação, a transformação tendencial dos seres humanos em objetos e a consequente perda da capacidade humana de conceber a possibilidade de diferentes níveis da existência e de criação humana.

 

Hoje temos a capacidade de transformar o mundo num inferno e estamos a caminho de fazê-lo. Mas também temos a capacidade de fazer exatamente o contrário.  Marcuse

 

Neste turbilhão produção-consumo é a natureza quem sai perdendo, e nós também, pois somos parte da natureza. Ao longo de décadas a exploração insustentável vem agredindo a natureza, e muito do que se faz é para atender metas de produção alienada.

 Dura é a luta contra o desejo, que compra o que quer à custa da alma.  Heráclito

A natureza vem nos dando recados e nos mantivemos surdos e cegos, diante da cegueira e descontrole, já que o homem não tem controle sobre si mesmo, e não consegue conter outros homens de explorar irracionalmente, temos a impressão de que a natureza esteja punindo os abusos consumistas através de doenças e desta pandemia.

 

Aparentemente o coronavirus já estaria vivendo em nossos esgotos aguardando pacientemente por um gatilho, ainda nos dando uma oportunidade de arrependimento e conscientização dos problemas causados por nós.

 

Os problemas nada mais são do que oportunidades vestindo roupas de trabalho. HBNRY J. KAISER

 

Diante da irreversibilidade do passado, o tempo que é sinônimo da vida e da paciência exigirá de cada um de nós um resgate desta conta que é gigantesca, devemos estabelecer a meta de evitar a destruição daquilo que ainda nos resta e o pior, tentar salvar, se é que é possível, aquilo que já passou. 

 

Algumas coisas, só podem acontecer através do tempo. Elas apenas acontecem o tempo as transporta. M. C. RICHARDS

 

Mesmo durante a pandemia ainda ouvimos declarações da retomada da produção e exploração em ritmo acelerado na tentativa de recuperar o volume de produção perdidos, no entanto se ainda não entendemos o sentido e o recado da natureza, o futuro será sombrio. 


Nos encontramos numa encruzilhada, nesta parada obrigatória estamos parados olhando para os caminhos que poderemos tomar, e lembrei de uma leitura e filme que vi, Matrix, lembro do diálogo entre Trinity e Neo: "Trinity lembra Neo: Você conhece esta estrada. Você sabe exatamente onde ela termina. E eu sei que não é onde você quer estar". A ficção que nasceu de uma maneira de refletir sobre a realidade, é na ficção que nos identificamos e olhamos para o real e o irreal como possibilidades, real por que estamos vivenciando e o irreal talvez seja a situação ideal do que poderia ou poderá vir a ser, a isto reagimos através de representações emocionais, coisa de humanos.

— Cedo ou tarde você descobrirá a diferença entre saber o caminho e percorrer o caminho.

— Eu lhe mostro a porta, mas é você que tem que atravessá-la.

— Não acredito em destino. Porque não gosto da ideia de não poder controlar minha vida.  Matrix

O confinamento de extensão global, onde cada família deve ficar confinada a seu próprio espaço, vivendo e convivendo num tipo de Big Brother, escrevendo e vivenciando seus próprios roteiros, antes o que era apenas ficção de querer saber que a representação era real para tirar dela um prazer real, agora a realidade é tão dura que se quebrar as regras do jogo de convivência os jogadores saem do jogo pelo risco de morte.

Os canais de filmes identificaram um grande aumento de interesse do público por filmes que falam de epidemias como “Sentidos do Amor”, “Epidemia”, “Eu sou a Lenda”, “REC”, “Extermínio”, “O Enigma de Andrômeda”, “Ensaios sobre a Cegueira”, “Contagio”, “Deranged”, “Os Doze Macacos”. Acredito que este interesse é o modo como nos identificamos com os personagens fictícios e que parte do interesse é porque nós temos agora a experiência e resposta emocional de quem experimenta ficção e realidade psicológica e cognitivamente.

Como num filme de terror, o monstro invisível coronavirus já estaria vivendo em nossos esgotos aguardando pacientemente por um gatilho, como se tivesse alguma inteligência ou servindo algum tipo de inteligência, estivesse à espreita nos observando, ainda nos dando uma oportunidade de reforma, mudança e conscientização dos problemas causados por nós, como o arrependimento e a mudança não vieram...cá estamos nós!

A ficção segue materializando-se na realidade, quem não leu gibis e assistiu desenho animado na TV a Família Jetsons – A Família do Futuro? “Os Jetsons”, criado pela Hanna-Barbera (um estúdio que produziu vários desenhos animados sensacionais, diga-se de passagem) na década de 60, e que contava sobre uma família que vivia no século 21. Na verdade, o ano específico em que a família vivia era 2062, então a gente ainda tem alguns anos para poder chegar à algumas inovações existentes no desenho, porem boa parte da estória já se materializou.

 

A relação do homem com o meio ambiente nesta retomada de convivio seja reavaliada, vamos sair deste filme de terror "real", que nesta retomada esteja presente a "sustentabilidade" como ordem mundial, primeiro mudamos o pensamento e em seguida criam-se novos hábitos de consumo, dando outro rumo para nossas vidas.

 

A maior descoberta da minha geração foi a de que o ser humano pode alterar sua vida alterando sua mente.  WILIIAM JAMES

 

Diante da crise, isto é, deste momento que exige o nosso julgamento, e que não temos elementos suficientes para fazer qualquer juízo, levantamos algumas questões para reflexão e para inflexão. Refletir é um convite a revisitar o que já foi visto. A inflexão nos convoca para uma mudança de olhar, encarar o que não observamos à primeira vista.

 

Quem sabe seja o momento de uma mudança de direção e de sentido?

 

Diante das mudanças advindas da pandemia causada pelo novo coronavírus, que não só atingiram as pessoas globalmente e modificaram suas dinâmicas sociais como, principalmente, será que irão ficar apenas nas "reflexões" sobre as necessidades da era atual?

 

Será que estes novos hábitos que foram adotados na forma de trabalhar, de se comunicar, de se relacionar, de estudar e, principalmente, no consumo da população, irão vingar após obtermos a vacina?

 

Quem sabe as respostas a questões como estas poderão surgir com o bom uso de nosso amigo “tempo”, estamos vivendo o tempo da espera, a espera que exige paciência, quem escreveu o roteiro da vida sabe a resposta, para nós mortais vamos em frente que de qualquer forma e seja o que for a resposta esta no futuro.

O tempo e a paciência estão intimamente ligados, a paciência inteligente aproveita o movimento do tempo contrapondo-se à espera passiva, a paciência é o movimento inteligente que aproveita bem este paradoxal tempo de parada forçada. 

 

Esperar por esperar não tem nenhum sentido, é sempre possível realizar algo útil enquanto se espera, aproveitemos para pensar em melhorar os novos hábitos adquiridos, alguns deverão ser mantidos e outros deverão ser adotados.

 

Nada é mais eficaz do que inspirar e expirar lenta e profundamente para administrar algo que você não pode controlar, e a seguir se concentrar naquilo que está bem na sua frente. OPRAH WINFREY

 

O confinamento em si já é frustrante e sem alguma atividade, pode ser entediante, estamos frustrados pela falta de liberdade e sendo obrigados a adiar e deixar de fazer coisas que nos davam prazer, os psicólogos dizem que o tédio é criado pela incapacidade de adiar um prazer e pela baixa tolerância à frustração. E, que todas as vezes que afirmamos que uma coisa é entediante, o que realmente estamos dizendo é que não temos paciência para aquilo.

 

O tédio é outro inimigo presente na vida de muitas pessoas, a falta de ocupação é o principal responsável por este sentimento, para dissipar este sentimento procure fazer alguma coisa que goste, principalmente atividades que exijam “mais” paciência.

 

Quando as pessoas se sentem entediadas, é basicamente com elas mesmas que estão entediadas. ERIC HOFFER

 

Há muita ansiedade e expectativas na espera da vacina que nos livre imediatamente do inimigo invisível COVID 19, as pessoas estão confinadas por tempo muito longo, e está causando muita irritação, a irritação como tantas outras reações do temperamento humano, é uma grande perda de tempo. Não estamos acostumados a ter a paciência da espera, neste caso, nossa impaciência também é inerente a nossa preocupação de quanto antes surgir a vacina, quanto antes retomaremos nossa vida normal e principalmente vidas serão salvas.

 

Se todos tivessem entrado em pânico quando os barcos lotados de refugiados se depararam, com tempestades ou piratas, tudo estaria perdido. Mas, se apegas uma pessoa permanecesse calma e centrada, isso seria o bastante. Ela indicaria o caminho para que todos sobrevivessem. THICH NHAT HANH

 

Depois desta experiência acredito que vivenciaremos outro tipo de “normalidade”, espero que seja diferente daquele tipo anterior de “normalidade”, afinal aquela normalidade tornou-se um problema com vários problemas como: produção alienada, transito engarrafado, poluição, consumo desenfreado, alienado e insustentável, estresse, desemprego. 

Tudo flui, nada permanece.  Heráclito

 Para milhares de pessoas será mais difícil voltar à normalidade, enfrentaram grandes perdas, para muitos a paciência extrapolou a capacidade de resiliência, milhares ainda enfrentam lutos, ainda mais sofridos porque sequer conseguiram despedir-se dos seus entes queridos. Para nós o ato de despedida é muito importante, é necessário tocar o corpo, olhar e proferir as últimas palavras, principalmente em nossa sociedade que ainda vê a morte como um tabu, e o assunto evitado ao ponto de tornar-se até oculto.

 

 Mais vale o homem lento para a ira do que o herói.

E um homem senhor de si do que o conquistador de uma cidade. PROVÉRBIOS 16:32

 Além da perda de alguém, há outro tipo de luto, que é a experiência da perda do emprego, há um sentimento de luto pela perda de um lugar, de uma vida tal como era conhecida, enfrentaram lutos, lutos muito difíceis de assimilar, vivenciados no confinamento parecem ter levado a um sentimento de fim da linha, nos lembrando que somos os únicos seres capazes de perceber a própria finitude e ter consciência da sua morte.

 

 A maneira mais rápida e certa de viver com dignidade é ser realmente o que aparentamos ser.

Todas as virtudes humanas aumentam e se fortificam quando as praticamos e as vivenciamos

SÓCRATES

 Estamos em tempo de uma tomada de consciência, não podemos nos dar ao luxo de perder mais nada, estamos todos juntos nesta empreitada, vivendo no mesmo planeta, vivemos no mesmo meio ambiente, este é o momento da tomada de consciência e refletir acerca de “valores”, valores envolvidos nestes “jogos de regras” de caráter sustentável coletivo, será fundamental pensar em consumir de maneira sustentável, pensando ludicamente, a sustentabilidade é um jogo cooperativo, se jogar direito, todos ganham!

 

 A tornada de consciência permite encarar a realidade para mudá-la. ANTHONY DE MELLO

Há um ditado popular que diz ser a pressa inimiga da perfeição; a vacina que ainda é uma promessa no presente para futuro próximo, será uma defesa para este recente mal que assolou os seres humanos, então que seja desenvolvida habilmente no seu devido tempo, respeitando todas as etapas de testes, analises e avaliações.

 

Todos os momentos representam um começo. Todos os momentos representam um fim. MARK SALZMAN

 

Vamos estar atentos para outros possíveis males, e talvez piores, no caso de não mudarmos nossa maneira de viver neste planeta, talvez a próxima reação da natureza nos impeça sequer de termos contato com o sol, aí nem a virtude da paciência ira conseguir segurar a pressão de mais um confinamento. 

 

Se amarmos e apreciarmos um ao outro tanto quanto pudermos, enquanto pudermos, tenho certeza de que o amor e a compaixão triunfarão no f i n a l. AUNG SAN SUU KYI

A medida que o tempo escorre entre nossos dedos, mais pessoas passam por necessidades básicas, elas estão impedidas de trabalhar e de buscar o pão. Conforme Iyanla Vanzant, o melhor que podemos fazer neste momento é convocar a nossa compaixão.

Temos observado que a maioria das pessoas tem procurado fazer o melhor que pode, contribuem dentro de suas possibilidades como nunca vimos antes, tantos contribuírem como agora. Quando nos lembramos disso, nossos corações se abrem e a paciência e a alegria nos inundam, é um prazer gratuito e “humano”.

O casamento entre paciência e compaixão é perfeito, ambas trabalham juntas para se apoiarem e se desenvolverem mutuamente.

 

Quanto mais paciência tivermos, mais seremos capazes de compreender e nos solidarizar com os sentimentos das outras pessoas, vamos nos colocar no lugar do outro para sentir o que o outro sente.

Quanto mais reagirmos com nossos corações, mais poderemos nos valer da fonte da força existente na paciência que está localizada no íntimo de cada um de nós.

 

Bibliografia

Chauí, Marilena. Convite a Filosofia. São Paulo: Ática, 2000

Esquirol, Josep M. O respirar dos dias – uma reflexão filosófica sobre a experiência do tempo. Tradução Cristina Antunes – Belo Horizonte: Autentica Editora, 2010

Irwin, William. Matrix, Bem-vindo ao deserto do real. Tradução de Marcos Malvezzi Leal. Madras Editora Ltda, São Paulo-SP, 2003

Ryan, M. J. (Maryjane), 1952- O poder da paciência / M. J. Ryan; tradução de Sônia Maria Moitrel Schwarts. - Rio de Janeiro: Sextante, 2006

 

Sites consultados:

https://www.webartigos.com/artigos/a-paciencia-e-o-tempo/1070 Acessado em 11/08/2020 ás 10:15hs

http://www.ip.usp.br/site/noticia/luto-medo-e-ansiedade-o-sofrimento-psicologico-na-pandemia/  Acessado em 11/08/2020 ás 11:49hs

https://filosofiatotal.com.br/consumo-alienado/  Acessado em 11/08/2020 ás 13:26hs

https://www.barrazine.com.br/2020/04/filosofia-ajuda-a-responder-questoes-levantadas-na-crise-do-novo-coronavirus/#gs.crwfgd Acessado em 13/08/2020 ás 10:15hs