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quarta-feira, 23 de julho de 2025

Paradoxo do preconceito

Ele é sempre ruim ou pode ajudar a construir conhecimento?

Preconceito é uma palavra que costuma carregar um peso negativo — e não à toa. Quando pensamos em preconceito, lembramos de injustiças, exclusões, julgamentos apressados. Mas e se a história for um pouco mais complexa? E se parte do preconceito for, paradoxalmente, necessária para que a gente entenda o mundo?

Esse é o paradoxo do preconceito: ele pode ser tanto um erro social perigoso, quanto uma ferramenta provisória do pensamento humano.

 

Preconceito como base do conhecimento

Vamos por partes. Antes de se tornar algo negativo, o preconceito é, em sua essência, um juízo antecipado — uma ideia formada antes da experiência direta. E isso é, em muitos casos, inevitável.

Por exemplo: você está caminhando no mato e vê algo se mexendo entre as folhas. Parece uma cobra. Você não espera para conferir se ela é venenosa ou inofensiva. Age com base num julgamento rápido, que pode salvar sua vida. Isso é um preconceito instintivo, e faz parte do nosso kit de sobrevivência.

Esse tipo de julgamento também aparece em situações mais sutis: desconfiamos de um beco escuro, ficamos atentos a alguém que fala com agressividade, temos receio de um alimento com cheiro estranho. Nosso cérebro está o tempo todo fazendo “atalhos” para economizar energia mental. Isso é natural.

O filósofo Hans-Georg Gadamer dizia que não começamos a entender nada do zero. Todo conhecimento novo parte de pré-compreensões que já temos. O problema é quando essas ideias prévias deixam de ser provisórias e viram certezas inflexíveis.

 

Preconceito como obstáculo social e moral

E é aí que o preconceito se torna um problema sério. Quando esse julgamento rápido vira uma convicção fechada sobre o outro — sem espaço para escuta, sem chance de revisão — ele não ajuda mais, ele atrapalha.

Imagine um professor que defende a inclusão e critica o racismo, mas na hora de selecionar candidatos para uma bolsa, exclui automaticamente quem tem sotaque do interior ou quem estudou em escola pública, porque “não se encaixa no perfil”. Sem perceber, ele está praticando exatamente o tipo de exclusão que diz combater.

Ou alguém que luta contra a homofobia, mas faz piadas com religiões. Ou a pessoa que se orgulha de ser “tolerante”, mas não aceita nenhuma opinião diferente da sua. É o paradoxo de combater o preconceito com preconceito.

Outro exemplo comum é a famosa frase: “Não sou preconceituoso, até tenho amigos [desse grupo].” Como se a exceção justificasse a regra. A pessoa não percebe que está tentando negar um sistema inteiro de discriminação com base em um caso isolado — o que, na verdade, reafirma o preconceito.

 

Reconhecer para transformar

O sociólogo Pierre Bourdieu explicava que os preconceitos mais perigosos são justamente os que não reconhecemos como preconceito — porque já estão naturalizados. Eles se escondem no “jeito certo de falar”, na “aparência profissional”, no “quem tem cara de liderança”. Ele chamava isso de violência simbólica: quando ideias arbitrárias parecem naturais, como se fossem parte da ordem do mundo.

Já o filósofo Immanuel Kant lembrava que nossa mente opera com estruturas que antecedem a experiência, mas que o verdadeiro conhecimento exige revisão constante dessas estruturas. Ou seja: preconceitos existem, mas precisam ser colocados à prova.

 

O ponto de partida não pode ser o ponto final

O preconceito pode ser um ponto de partida provisório do pensamento, uma forma de navegar rapidamente pelo desconhecido. Mas ele não pode ser o ponto final. Quando vira uma sentença definitiva sobre os outros, ele deixa de ser ferramenta e passa a ser prisão.

Por isso, o verdadeiro antídoto contra o preconceito não é só “não ter preconceito” — isso é impossível —, mas reconhecer os próprios vieses, questioná-los e estar disposto a mudá-los.

Como escreveu Albert Camus:

“Nomear um preconceito já é começar a se libertar dele.”


quinta-feira, 17 de julho de 2025

Ideologia do Trabalho

O que nos move e o que nos esgota

Nunca saímos do momento presente! Esta frase não sai da minha mente, ela fica martelando a cabeça o tempo todo, eis que meus pensamentos me conduziram naquilo que a maioria das pessoas faz que é trabalhar, o ser humano de maneira geral adquire valor através do trabalho, pelo menos é assim que nosso mundo entende, mas nem sempre o trabalho foi visto como valor. Já foi castigo divino, obrigação de escravos, necessidade dos pobres. Hoje, ele se confunde com identidade: quem é você? “Sou dentista.” “Sou entregador.” “Sou gerente.” O verbo “ser” aparece antes mesmo de qualquer outra coisa — como se o que fazemos definisse quem somos. Na verdade, penso que estamos por enquanto, agora uma coisa e daqui a pouco outra.

Mas de onde vem essa ideia? Por que tantas pessoas se sentem culpadas quando não estão produzindo? Por que o desemprego causa vergonha, mesmo quando não é culpa de ninguém?

A resposta começa com um olhar sociológico: o trabalho é uma construção social. Ele não é natural, nem sempre teve o mesmo sentido. A forma como pensamos e sentimos o trabalho é atravessada por ideologias — sistemas de crenças que nos ensinam o que é certo, o que é bonito, o que é digno — e também por experiências psicológicas que marcam profundamente nossa relação com o mundo e conosco.

 

A maquiagem ideológica do trabalho

Na sociedade capitalista, o trabalho é exaltado como virtude. Desde pequenos, aprendemos que “quem trabalha vence” e que “o esforço traz recompensa”. Essas frases soam nobres, mas muitas vezes escondem realidades duras.

Um exemplo atual é o do entregador de aplicativo. Ele pedala o dia inteiro, sem salário fixo, sem direitos, sem proteção social. Mas as empresas o chamam de “empreendedor”. Essa ideia é uma maquiagem ideológica: transforma um trabalhador precarizado em um herói moderno da liberdade. Ao dizer que ele “é seu próprio patrão”, esconde-se que ele está preso a um sistema algorítmico, instável e impessoal.

Essa ideologia do empreendedorismo individual vende liberdade, mas entrega solidão e risco. A responsabilidade pelo sucesso ou fracasso recai apenas sobre o sujeito, nunca sobre o sistema.

 

A psicologia de quem se sente culpado por não render

A consequência disso aparece no plano psicológico. Muitos trabalhadores internalizam a ideia de que não estão se esforçando o suficiente. Mesmo exaustos, pensam que precisam “fazer mais”, “entregar mais”, “ser melhores”. O cansaço vira fracasso pessoal.

Além disso, vivemos hoje sob a promessa do “trabalho com propósito”. Não basta mais pagar as contas — o trabalho tem que ser apaixonante. Essa exigência cria angústia. Afinal, e se meu trabalho não for incrível? E se eu não amar o que faço? A culpa bate como se a vida estivesse errada.

E o desemprego, então? Ele não é só falta de renda — é quase um luto. A pessoa perde não só o salário, mas também o sentido, o pertencimento, a rotina. A ideologia do mérito ensina que “quem quer, consegue”, e o desempregado passa a se sentir um fracassado, mesmo sendo vítima de uma crise, de uma reestruturação, de algo muito maior do que ele.

Não se pode ignorar que há religiões que associam o sucesso profissional e a melhoria das condições de vida a uma espécie de reconhecimento ou bênção divina. Nesse contexto, aqueles que não conseguem progredir, obter um emprego digno ou melhorar sua situação econômica podem acabar se sentindo excluídos desse suposto favor divino. Psicologicamente, isso pode gerar um profundo sentimento de rejeição, como se o amor de Deus não os alcançasse. O resultado é uma carga emocional de frustração, derrota e desânimo — sentimentos que, longe de impulsionar a pessoa, muitas vezes a paralisam e dificultam ainda mais seu progresso.

 

A sociologia que desnaturaliza tudo

A sociologia nos convida a olhar tudo isso com outros olhos. Ela mostra que o trabalho, como o conhecemos, foi moldado por séculos de disputas, transformações e imposições culturais. A ideologia faz com que certas formas de trabalho sejam vistas como “superiores” (advogado, médico), enquanto outras, essenciais, sejam desvalorizadas (faxineiro, motorista, cuidadora).

O sociólogo Max Weber, por exemplo, analisou como a ética protestante ajudou a criar a ideia moderna do trabalho como dever moral. Já Karl Marx denunciou a alienação: o trabalhador moderno perde o controle sobre o que produz, e ainda assim é convencido de que deve se orgulhar disso. Pierre Bourdieu mostrou como o trabalho também é um capital simbólico — ele dá prestígio, status, reconhecimento, ou a falta disso.

E entre os brasileiros, José de Souza Martins nos lembra que o trabalho é, ao mesmo tempo, meio de inclusão e exclusão. Ele pode dignificar ou degradar. Pode dar sentido ou sugar a alma.

 

Entre o dever e a identidade

No fim das contas, o trabalho está no centro de uma encruzilhada. Ele é necessário, mas também pode ser opressor. Pode ser fonte de autoestima ou de adoecimento. E muitas vezes, as ideologias nos ensinam a amar o que nos explora, e a nos culpar pelo que nos falta.

Por isso, entender o trabalho não é só falar de salário, função ou carreira. É também entender como nos construímos como sujeitos — e como podemos nos libertar, aos poucos, da ideia de que o trabalho define todo o nosso valor.

Talvez seja hora de recuperar o sentido mais amplo da vida: trabalhar, sim, mas também viver, pensar, sentir, pertencer. Nem toda vocação precisa ter crachá. E nem todo sucesso se mede por produção.


segunda-feira, 14 de julho de 2025

Padrão Cultural

Muito Além do Que a Gente Vê

Sabe aquela sensação de que, em várias situações do dia a dia, tem um jeitinho “normal” que todo mundo espera que a gente siga? Seja na forma de falar, se vestir, comer, ou até na maneira como a gente celebra as coisas — existe um conjunto invisível de regras que, no fundo, organizam tudo isso. É o que a gente chama de padrão cultural. E olha, ele está em todo lugar, mesmo quando a gente nem percebe.

Mas o que é esse tal padrão cultural, afinal? E por que a gente sempre se sente puxado por ele — às vezes querendo se encaixar, outras querendo fugir?

O Padrão Cultural como Arquitetura Invisível da Vida Social

Na filosofia e sociologia, o padrão cultural é como aquele mapa que guia o comportamento e as expectativas dentro de uma comunidade. É uma construção coletiva que nasce da repetição, da tradição, e da negociação constante entre as pessoas. Ele não é algo fixo, imutável, mas mais um fluxo, um rio que se adapta conforme a gente caminha.

Pierre Bourdieu, um dos grandes pensadores da sociologia contemporânea, chamou a atenção para o conceito de habitus: um conjunto de disposições internalizadas, que moldam o jeito de pensar, sentir e agir das pessoas. O padrão cultural é, em grande medida, isso — uma bagagem silenciosa que carregamos, às vezes sem nem saber.

Mas não para por aí. O padrão cultural é também um palco de poder. Ele decide o que é “normal” e, por consequência, o que é marginalizado ou estranho. Quem dita esses padrões? Muitas vezes, as estruturas dominantes: as elites econômicas, políticas e simbólicas. Por isso, entender os padrões culturais é também um exercício de questionar quem tem voz, quem impõe e quem fica de fora.

A Inovação do Padrão: Quando o Novo Surge do Velho

Aqui vem a parte inovadora do nosso papo: o padrão cultural não é só um guardião do passado, mas também o berço do futuro. Porque, para existir novidade, tem que haver referência — um padrão a ser quebrado, remixado, ou reinventado.

Pense na cultura pop, nas tendências de moda, nas gírias que surgem do nada e dominam as redes sociais. Tudo isso é o padrão cultural em movimento, sendo desconstruído e reconstruído em tempo real. O que parecia rígido e imutável se revela fluido, híbrido, múltiplo.

E a tecnologia só acelera esse processo, criando uma espécie de “padrão mutante” que desafia fronteiras geográficas e sociais.

Entre a Conformidade e a Rebeldia: O Jogo do Padrão Cultural

A gente vive num constante vai e vem entre se ajustar aos padrões e querer se diferenciar deles. É o que o filósofo Michel Foucault chamou de relações de poder e resistência — o padrão cultural é uma forma de poder, mas também uma arena onde surgem as resistências.

Cada gesto fora do padrão, cada expressão diferente, é um ato político. Quando alguém decide não usar o “uniforme social” esperado, está, mesmo que inconscientemente, provocando uma reflexão sobre o próprio padrão.

Por Que Isso Importa?

Entender o padrão cultural é entender como a gente constrói sentido, identidade e comunidade. É perceber que aquilo que a gente chama de “normal” é, na verdade, uma negociação contínua — e que a transformação social acontece quando essa negociação é colocada em questão.

No fundo, conhecer os padrões é também conhecer a si mesmo, porque eles moldam como a gente vê o mundo e a gente mesmo.

O Padrão Cultural Como Espaço de Criação

O padrão cultural é, portanto, uma estrutura viva, feita de tradição e inovação, poder e resistência, conformidade e rebeldia. Ele não é um muro, mas uma teia, onde cada fio pode ser puxado para mudar o desenho.

Se a gente quiser criar uma sociedade mais plural e aberta, é fundamental entender essa dinâmica e atuar nela — não para destruir os padrões, mas para reinventá-los, fazer deles pontes e não barreiras.

domingo, 25 de maio de 2025

Construção Social

Vamos falar sobre suas possibilidades...

Quando o que parece natural, na verdade, foi ensinado — e pode ser reinventado

Tem certas ideias que a gente carrega como se fossem verdades absolutas. Tipo "homem que é homem não chora", "sucesso é ter dinheiro", "menina não gosta de matemática". Mas e se eu te dissesse que muita coisa que parece natural é, na verdade, uma construção social?

Sim, muitas das nossas certezas foram aprendidas — e não nasceram com a gente. E é justamente aí que mora a boa notícia: se foi construído, pode ser reconstruído.

O que é uma construção social?

Imagina que você cresceu num mundo sem espelhos. Nunca se viu. Tudo o que sabe sobre si mesmo veio das falas dos outros. Um diz que você é bonito, outro que é desajeitado, outro que você fala demais. Com o tempo, você começa a acreditar nessas ideias e repeti-las: “sou assim”, “sou assado”.

A construção social funciona desse jeito. A sociedade molda comportamentos, gostos, papéis e identidades. A gente vai absorvendo tudo isso como se fosse parte da natureza humana — mas é cultura, hábito, costume. E por isso mesmo, pode mudar.

Três possibilidades que se abrem

1. Identidades que se reinventam

Você não precisa ser a mesma pessoa a vida toda. Se identidade é construção, então ela pode ser revista. Pode-se ser mãe e continuar artista. Pode-se gostar de tecnologia e de filosofia. Pode-se ser homem e usar saia. Não existe mais um "jeito certo" de existir — só o jeito que faz sentido pra você.

2. Novas formas de viver juntos

Se certos papéis sociais são construídos, eles não são eternos. O cuidado com os filhos não é só tarefa materna. A liderança no trabalho não precisa ser dura e fria. O sucesso pode ser medido em tempo livre, saúde mental ou vínculos profundos. A construção social nos permite inventar outras formas de viver em sociedade.

3. Menos preconceitos, mais consciência

Quando entendemos que categorias como “raça”, “beleza” ou “masculinidade” são construídas socialmente e não biologicamente, começamos a perceber o preconceito como uma distorção coletiva — e não algo natural. O racismo, por exemplo, é aprendido. E tudo o que é aprendido, pode ser desaprendido.

E na vida real?

  • No trabalho: a ideia de que chefe bom é chefe durão está sendo revista. Hoje, muitos líderes escolhem a empatia e a escuta.
  • Na escola: meninas que se sentem capazes em ciências e meninos que gostam de cuidar dos outros desafiam os velhos estereótipos.
  • No amor: não existe só uma forma de amar. A ideia de que a felicidade depende de “encontrar a metade da laranja” já parece coisa de outro século.

Bourdieu e o poder invisível do hábito

O sociólogo francês Pierre Bourdieu chamou atenção pra isso com o conceito de habitus — aquele nosso jeito de ser, pensar e agir que parece natural, mas foi moldado pelas experiências sociais. Segundo ele, a sociedade age dentro de nós sem que a gente perceba. Mas, ao perceber, a gente ganha poder de escolha.

No fim das contas...

Reconhecer as construções sociais não é viver no mundo das ideias. É justamente o contrário: é abrir os olhos para o que está por trás do cotidiano. E mais do que isso — é enxergar que o mundo pode ser diferente, e que a gente pode participar dessa transformação.

É um convite à liberdade, com responsabilidade. Nem tudo precisa ser desconstruído. Mas tudo pode ser reavaliado. O que serve à dignidade humana? O que aprisiona? O que nos torna mais inteiros?

Essa reflexão é uma chave. E a porta está logo ali.

terça-feira, 6 de maio de 2025

Exclusão Social

Outro dia, voltando para casa, parei no sinal e vi uma senhora sentada na calçada com um cartaz no colo. Nem consegui ler o que dizia. O que me chamou atenção foi o olhar de quem não esperava mais nada. A cidade passava por ela como se fosse uma sombra que não fizesse barulho. Foi ali, no meio do nada cotidiano, que me bateu a pergunta: como a gente aprende a ignorar tanta gente?

Vivemos cercados de gente invisível. Invisível não porque sumiu, mas porque foi sumariamente excluída. A exclusão social não é só ausência de renda, de moradia ou de acesso. É uma arquitetura inteira de não pertencimento, construída aos poucos, com pequenas demarcações de território: quem pode entrar, quem pode falar, quem pode ser ouvido.

A modernidade prometeu inclusão através do progresso. Mas o que ela entregou foi uma espécie de "conectividade seletiva". Estamos todos na rede, mas nem todos têm voz. Nem todos têm feed. Para muitos, o mundo digital é só vitrine — janela pela qual se observa a festa para a qual não foram convidados.

O sociólogo francês Pierre Bourdieu ajuda a entender essa engrenagem da exclusão quando propõe o conceito de capital simbólico. Para além do dinheiro ou da força física, o valor de uma pessoa numa sociedade também depende do prestígio, do reconhecimento, do saber legitimado. Aqueles que não dominam os códigos culturais aceitos — a forma certa de falar, vestir, circular — são excluídos não só materialmente, mas também simbolicamente. A exclusão, assim, não é apenas um estado social: é um processo de negação contínua, uma marca de desvalorização que afeta até mesmo a maneira como o sujeito se enxerga.

Do ponto de vista filosófico, Emmanuel Levinas fala do rosto do outro como o lugar da ética. Ele nos convida a parar de ver o outro como objeto de análise e a começar a vê-lo como convocação. O rosto daquele que é excluído não é apenas um pedido de ajuda — é uma acusação silenciosa, um lembrete de que nosso modelo de sociedade ainda está devendo muito.

Por outro lado, podemos pensar com o brasileiro Milton Santos, que dizia que a globalização poderia ser perversa ou solidária, dependendo de quem a conduz. Para ele, havia esperança de uma outra racionalidade — uma que não marginalizasse o diferente, mas o acolhesse como peça fundamental do mosaico social.

A exclusão social é, no fundo, um espelho. Ela revela mais sobre quem exclui do que sobre quem é excluído. Revela nossos medos, nossos apegos à ordem, nossas crenças em meritocracias frágeis. Enquanto fingimos que a desigualdade é culpa do indivíduo, poupamos a estrutura.

E é justamente por isso que a exclusão social precisa ser desmontada como se desmonta uma armadilha: com cuidado, com escuta, com coragem de admitir que talvez, por omissão ou costume, tenhamos ajudado a montar esse palco onde uns poucos dançam enquanto muitos varrem o chão.

No fim das contas, talvez a verdadeira revolução não comece com grandes discursos, mas com o simples ato de parar — parar de correr, parar de julgar, parar pra olhar. E reconhecer, ali na calçada do lado, que ninguém deveria ser invisível num mundo que se diz humano.


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Elogio Envenenado

É curioso como algumas frases, que à primeira vista parecem um reconhecimento, na verdade escondem um golpe bem calculado. Imagine alguém dizendo: “Você é inteligente demais para cair nessa” ou “Com a sua capacidade, tenho certeza de que entenderá meu ponto”. Parece um elogio, não é? Mas, na verdade, há algo de insidioso nessa construção: a ideia de que discordar implicaria falta de inteligência. Esse é o cerne da falácia do elogio envenenado, um recurso argumentativo que prende o ouvinte em uma armadilha sutil, onde o desejo de parecer inteligente pode sobrepor-se à busca sincera pela verdade.

Quando o Elogio é uma Arma

A falácia do elogio envenenado funciona porque brinca com uma das nossas fragilidades mais universais: a necessidade de reconhecimento. Ser visto como inteligente é uma moeda valiosa em qualquer contexto social ou intelectual. Quando alguém formula um argumento embutindo um elogio condicional – do tipo “se você é realmente inteligente, concordará comigo” –, está criando um falso dilema: aceitar a ideia para preservar a imagem ou rejeitá-la correndo o risco de parecer tolo.

Esse tipo de falácia pode surgir em debates políticos, filosóficos e até mesmo no cotidiano. O professor que diz a um aluno: “Se você pensar um pouco mais, verá que minha explicação está correta” já não está mais ensinando, mas conduzindo o aluno a aceitar a ideia sem questionamento real. No ambiente de trabalho, um chefe pode usar algo como “Profissionais experientes sabem que esse é o único caminho”, minando qualquer possibilidade de crítica sem que pareça uma imposição direta.

O Perigo Sutil da Manipulação

O elogio envenenado é eficaz porque não agride diretamente – pelo contrário, ele afaga. Diferente de falácias agressivas, que atacam diretamente a inteligência do outro (como o argumentum ad hominem), essa abordagem seduz, criando um senso de pertencimento intelectual. Quem não quer ser visto como perspicaz, racional ou à altura do debate? Mas esse jogo de sedução esconde um veneno: a desvalorização do pensamento crítico. Quando aceitamos uma ideia apenas para não parecer burros, estamos trocando a reflexão sincera pela manutenção da nossa imagem social.

Pensadores Contra a Armadilha

A filosofia sempre buscou formas de escapar dessas armadilhas retóricas. Sócrates, com sua maiêutica, incentivava a dúvida como método de construção do conhecimento, em vez da aceitação passiva de afirmações lisonjeiras. Mais recentemente, Pierre Bourdieu mostrou como a linguagem e o poder simbólico moldam a percepção da realidade, e como certas formas de discurso servem para manipular e consolidar domínios sociais. A falácia do elogio envenenado se encaixa bem nesse contexto: ela não busca a verdade, mas sim a manutenção de uma hierarquia intelectual implícita.

Como Responder ao Elogio Envenenado?

Diante de um elogio que parece carregar segundas intenções, a melhor estratégia é desarmá-lo com serenidade. Uma resposta como “Inteligente ou não, prefiro analisar os argumentos” quebra a lógica falaciosa sem cair na armadilha da provocação. Afinal, o pensamento crítico não pode ser refém do desejo de reconhecimento.

No fim das contas, a verdadeira inteligência não está em aceitar elogios envenenados, mas em identificar quando um argumento está disfarçado de bajulação – e, acima de tudo, em manter a liberdade de pensar por conta própria.


domingo, 2 de fevereiro de 2025

Assédios

Quando a Linha Invisível é Ultrapassada

As cafeterias são mundos de vida vibrante e cheia de estórias. Outro dia, num café movimentado, vi uma cena que me fez refletir. Um homem insistia em puxar conversa com a atendente, mesmo depois dela ter dado sinais claros de que não queria papo. Sorrisos forçados, respostas monossilábicas, um olhar de socorro para a colega ao lado. O homem parecia alheio a tudo isso. Para ele, era só uma conversa amigável. Para ela, era um incômodo, talvez até medo.

A cena ilustra um problema antigo, mas que hoje ganha novas camadas de discussão: o assédio. Ele não está apenas no ambiente de trabalho, nem se limita ao aspecto sexual. O assédio pode ser psicológico, moral, digital. Ele ocorre quando alguém atravessa um limite que não deveria – e, pior, quando se recusa a enxergar que o ultrapassou.

O Poder na Dinâmica do Assédio

O filósofo francês Michel Foucault nos ajuda a entender o assédio ao analisar as relações de poder. Para ele, o poder não é uma estrutura fixa, mas algo que circula em redes, manifestando-se nos pequenos gestos do cotidiano. O assédio acontece, muitas vezes, porque existe uma assimetria nessa relação: um chefe que pressiona um funcionário, um professor que abusa da autoridade, um influenciador que expõe seguidores ao ridículo. O problema não é só a conduta em si, mas a incapacidade de resistência por parte da vítima, seja por medo, dependência ou insegurança.

A sutileza do assédio também complica sua identificação. Quantas vezes ouvimos frases como “era só uma brincadeira”, “você está exagerando”, “ele não fez por mal”? Essa minimização faz parte da engrenagem que mantém o problema funcionando. O filósofo Zygmunt Bauman diria que vivemos em uma sociedade líquida, onde os limites entre o aceitável e o inaceitável são constantemente negociados – e, muitas vezes, distorcidos para beneficiar quem tem mais poder.

A Cultura da Insistência

O assédio também se alimenta de um problema cultural: a romantização da insistência. Em filmes, novelas e músicas, o “não” é visto como um desafio a ser vencido. O problema é que essa mentalidade legitima abusos, tornando natural a ideia de que certas barreiras não precisam ser respeitadas. A filósofa brasileira Djamila Ribeiro critica essa normalização, mostrando como ela reforça desigualdades e perpetua opressões históricas.

E no ambiente profissional? Pierre Bourdieu falava de um “habitus” social que molda comportamentos e expectativas. Em muitos lugares, o assédio moral é um reflexo desse habitus, onde a hierarquia justifica abusos sob a máscara da “cobrança por resultados” ou do “jeito duro de liderar”.

Como Romper o Ciclo?

A primeira resposta parece óbvia: educação. Mas não basta ensinar regras, é preciso mudar mentalidades. Um “não” não precisa ser gritado para ser válido. Desconforto não precisa virar sofrimento para ser levado a sério.

A segunda resposta é estrutural: fortalecer canais de denúncia, dar segurança para que as vítimas falem e garantir que as consequências sejam reais. Se o assédio persiste, é porque muitas vezes ele não custa nada para quem o pratica.

Mas há também a responsabilidade individual. Todos nós, em algum momento, já fomos espectadores passivos de alguma forma de assédio. Quantas vezes deixamos passar uma piada agressiva, um comentário constrangedor, um abuso disfarçado de brincadeira? O silêncio é parte do problema.

No café onde tudo começou, a atendente foi salva pela colega, que entrou na conversa e, com um tom mais firme, fez o homem recuar. Uma pequena resistência, mas que fez diferença naquele momento. O problema do assédio não se resolve de uma vez, mas se enfraquece quando as pessoas param de fingir que ele não existe. Afinal, respeito não deveria ser uma concessão, mas uma regra básica de convivência.

sábado, 12 de outubro de 2024

Apagar os Rastros

A mente humana é fascinante em sua capacidade de atribuir valor às coisas de forma seletiva, e muitas vezes, enganosa. Às vezes, investimos tanto em situações, pessoas, ou projetos que, com o tempo, nos revelam sua verdadeira insignificância. Isso ocorre não porque o objeto de nossa atenção tenha necessariamente mudado, mas porque nossa percepção mudou, evoluiu. Diante disso, a "cabeça esperta" faz algo engenhoso: ela apaga os rastros, desfaz as marcas daquilo que parecia importante, mas que, com o passar do tempo, revela-se fútil.

Imagine que passamos boa parte da vida construindo castelos de areia, achando que estamos erguendo muralhas impenetráveis. Esses castelos podem ser as metas profissionais que, no fim, não nos trouxeram realização, ou as relações que acreditávamos serem essenciais, mas que só drenaram nossa energia. Quando nos damos conta do quão efêmera era nossa fixação nessas coisas, tentamos esquecer que um dia foram importantes, quase como um mecanismo de defesa. Freud, ao falar do esquecimento e da repressão, já dizia que nossa mente atua para evitar o confronto com a realidade dolorosa. Apagar os rastros de uma decisão ou crença mal colocada é um ato quase instintivo, uma tentativa de preservar a nossa psique.

Pierre Bourdieu, sociólogo francês, oferece uma visão interessante para entender por que, em primeiro lugar, damos importância a coisas que mais tarde consideramos irrelevantes. Ele fala do conceito de "habitus", que são as disposições internalizadas que orientam nossas escolhas e ações sem que tenhamos plena consciência delas. O habitus é moldado pelas influências sociais e culturais ao nosso redor. Assim, muitas vezes, o que acreditamos ser importante vem de um condicionamento social — não de uma escolha genuína.

No cotidiano, isso aparece de várias formas. A ansiedade por adquirir bens materiais, o status social, a necessidade de reconhecimento em redes sociais. No calor do momento, acreditamos que essas são coisas vitais para nossa felicidade. Entretanto, ao longo do tempo, percebemos que o que nos mantinha acordados à noite não tinha peso algum. Esse "erro de julgamento" nos envergonha, e aí, a cabeça esperta tenta apagar os rastros, desviar-se do desconforto que vem ao reconhecer que estávamos investindo energia no lugar errado.

Aqui entra uma reflexão interessante de Fernando Pessoa, que dizia: "Tudo vale a pena, se a alma não é pequena." O ato de apagar os rastros pode ser visto como uma forma de tentar expandir a alma, de libertá-la das armadilhas da superficialidade, buscando um sentido mais profundo na vida. É quase como se, ao percebermos o quão pequenas eram as coisas que considerávamos grandes, estivéssemos tentando recomeçar, dando à alma uma chance de buscar algo que realmente valha a pena.

No fim, apagar os rastros é um movimento natural de autodefesa e autoaperfeiçoamento. Afinal, não se trata apenas de fugir do desconforto da frustração, mas de limpar o caminho para novas experiências e entendimentos mais profundos.


domingo, 2 de junho de 2024

Propensão à Violência

A violência é um tema que permeia diversos aspectos da vida cotidiana. Desde brigas de trânsito até conflitos em escolas, passando por discussões acaloradas nas redes sociais, a propensão à violência parece estar presente em muitas interações humanas. Neste artigo, vamos analisar algumas situações do cotidiano onde a violência se manifesta e traremos à discussão as perspectivas de um filósofo e um sociólogo para aprofundar nossa compreensão sobre o tema.

Situações Cotidianas de Violência

Brigas de Trânsito: Quem nunca presenciou ou, infelizmente, foi parte de uma briga de trânsito? Um corte abrupto, um sinal de luz alta, e pronto: palavras agressivas, gestos obscenos e, em casos extremos, confrontos físicos. O trânsito, que deveria ser um espaço de convivência e cooperação, frequentemente se transforma em um campo de batalha. Essa propensão à violência no trânsito revela muito sobre a pressão e o estresse que muitos de nós carregamos no dia a dia.

Bullying Escolar: Nas escolas, o bullying é uma forma alarmante de violência. Crianças e adolescentes são alvo de agressões físicas e psicológicas que podem deixar marcas profundas. A violência entre jovens pode ser vista como um reflexo das dinâmicas sociais e familiares que eles vivenciam, bem como uma forma de tentar afirmar poder e controle em um ambiente competitivo.

Redes Sociais: A internet, especialmente as redes sociais, tornou-se um espaço propício para a manifestação de violência verbal. Discussões que começam de forma civilizada podem rapidamente escalar para ataques pessoais e ameaças. A aparente anonimidade e a distância física proporcionadas pela internet parecem liberar os freios inibitórios que normalmente impediriam tal comportamento em interações face a face.

Perspectivas Filosóficas

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche oferece uma visão interessante sobre a violência. Em sua obra "Além do Bem e do Mal", Nietzsche sugere que a violência é uma expressão da vontade de poder, uma força inerente a todos os seres humanos que busca afirmar-se e dominar. Segundo Nietzsche, essa vontade de poder pode ser canalizada de diversas formas, não necessariamente violentas, mas em contextos de estresse e pressão social, a violência se torna uma saída mais provável.

Perspectivas Sociológicas

O sociólogo francês Pierre Bourdieu contribui para essa discussão com o conceito de "violência simbólica". Bourdieu argumenta que a violência não é apenas física, mas também simbólica, manifestando-se através de dominação cultural e imposição de normas sociais que oprimem determinados grupos. Por exemplo, quando um jovem é ridicularizado na escola por não se conformar aos padrões de comportamento ou aparência predominantes, ele está sofrendo uma forma de violência simbólica que pode ter consequências tão devastadoras quanto a violência física.

Reflexão Final

A propensão à violência, portanto, pode ser vista como um fenômeno complexo, enraizado em fatores psicológicos, sociais e culturais. Situações cotidianas como brigas de trânsito, bullying escolar e discussões nas redes sociais são apenas a ponta do iceberg de um problema mais profundo que envolve a nossa natureza humana e as estruturas sociais em que vivemos.

Entender a violência como uma expressão da vontade de poder, à la Nietzsche, ou como uma forma de dominação simbólica, segundo Bourdieu, nos ajuda a refletir sobre as maneiras de lidar com esse problema. Promover a empatia, a educação emocional e o diálogo aberto são caminhos que podem ajudar a reduzir a propensão à violência em nosso cotidiano. Que possamos transformar nossos conflitos e tensões em oportunidades de crescimento e entendimento mútuo, construindo uma sociedade mais justa e pacífica. 

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Presos no Limbo


Na dança constante entre cultura e economia, muitos jovens encontram-se presos em um limbo, onde a independência financeira parece ser apenas um sonho distante. A ideia de ter seu próprio apartamento, seu espaço pessoal para construir sua vida, muitas vezes é apenas um ideal inalcançável. Em vez disso, acabam por criar suas famílias sob o mesmo teto que seus pais, desafiando as normas tradicionais de independência e autonomia.

O Contexto Cultural

A influência cultural desempenha um papel fundamental na maneira como encaramos a vida e moldamos nossas escolhas. Em muitas sociedades, a ideia de sair de casa cedo e construir uma vida independente é valorizada e incentivada. No entanto, em outros contextos, especialmente em culturas onde os laços familiares são fortes e a coesão familiar é priorizada, é comum que os jovens permaneçam sob o mesmo teto que seus pais por mais tempo.

A Economia e seus Limites

Por outro lado, a economia exerce uma poderosa influência sobre as decisões individuais e familiares. Custos crescentes de moradia, inflação, salários estagnados e falta de oportunidades de emprego bem remuneradas são apenas algumas das pressões econômicas que os jovens enfrentam ao tentar estabelecer-se independentemente. Em muitos lugares, o mercado imobiliário tornou-se tão exorbitante que adquirir um imóvel próprio tornou-se uma conquista reservada apenas para os mais privilegiados.

O Enigma da Relação Entre Cultura e Economia

Mas quem realmente dita as regras nessa equação complexa entre cultura e economia? É a cultura que molda as expectativas e normas sociais, influenciando as escolhas econômicas dos indivíduos? Ou é a economia que impõe limites à cultura, restringindo as opções disponíveis para as pessoas?

Situações do Cotidiano

Para entender melhor essa dinâmica, podemos olhar para situações do cotidiano. Considere o caso de Pedro, um jovem profissional que acabou de ingressar no mercado de trabalho. Ele tem o sonho de ter seu próprio apartamento, mas ao pesquisar os preços dos aluguéis na cidade onde vive, percebe que uma grande parte de seu salário seria destinada apenas para pagar as despesas básicas de moradia. Diante dessa realidade, Pedro se vê obrigado a adiar seus planos de independência e optar por continuar morando com seus pais para economizar dinheiro.

Por outro lado, temos o exemplo de Maria, que vive em uma cultura onde a independência financeira é altamente valorizada. Mesmo enfrentando dificuldades econômicas semelhantes às de Pedro, Maria decide sair de casa cedo e alugar um pequeno apartamento para viver sozinha. Ela está disposta a fazer sacrifícios financeiros para manter sua autonomia e liberdade.

Pensadores e suas Reflexões

Para fundamentar essa discussão, podemos recorrer a pensadores que exploraram a interseção entre cultura e economia. O sociólogo Pierre Bourdieu, por exemplo, argumenta que a economia e a cultura estão intrinsecamente ligadas, influenciando e moldando-se mutuamente. Ele destaca como as estruturas econômicas determinam os recursos disponíveis para os agentes sociais, afetando assim suas práticas culturais e escolhas individuais.

Além disso, o economista Amartya Sen aborda a importância da liberdade individual na tomada de decisões econômicas. Ele argumenta que a liberdade de escolha é essencial para o desenvolvimento humano, e que as restrições econômicas podem limitar significativamente as oportunidades das pessoas de exercerem essa liberdade.

Ao refletirmos sobre a relação entre cultura e economia, fica claro que não há uma resposta simples para a questão de quem dita as regras. Ambos os aspectos desempenham um papel significativo na vida das pessoas, influenciando suas escolhas e determinando suas trajetórias. No entanto, é essencial reconhecer que essa relação é complexa e multifacetada, exigindo uma análise cuidadosa das dinâmicas sociais, culturais e econômicas em jogo. Enquanto isso, jovens como Pedro e Maria continuam navegando nesse mar de influências, buscando encontrar seu próprio caminho em meio às pressões culturais e econômicas de seu tempo.

A questão da dependência cultural não se limita apenas aos jovens, mas também afeta as gerações mais velhas. Muitas pessoas, independentemente da idade, encontram-se presas a padrões culturais que moldam suas vidas e limitam suas oportunidades de crescimento e desenvolvimento pessoal.

Para as gerações mais velhas, especialmente aquelas que foram criadas em contextos culturais onde a coesão familiar e a dependência mútua são altamente valorizadas, pode ser difícil romper com esses padrões estabelecidos. Muitos idosos encontram-se em situações em que a independência financeira e emocional é difícil de alcançar, especialmente se eles foram condicionados a depender de seus filhos ou familiares para o sustento e o cuidado.

Essa dependência cultural pode privar as gerações mais velhas da oportunidade de testar seu próprio amadurecimento perante as exigências da vida. Ao invés de enfrentarem desafios e adversidades por conta própria, eles podem se ver perpetuamente protegidos e confortados pelo ambiente familiar e cultural ao seu redor. Isso pode levar a um estado de estagnação e falta de crescimento pessoal, onde as habilidades de enfrentamento e resiliência não são plenamente desenvolvidas.

Além disso, a dependência cultural pode tornar os idosos mais vulneráveis ​​à exploração e ao abuso, especialmente se eles não têm a capacidade de tomar decisões autônomas e defender seus próprios interesses.

É importante reconhecer que a dependência cultural não é exclusiva dos jovens, mas também afeta as gerações mais velhas. Para promover o desenvolvimento e o bem-estar de todas as faixas etárias, é essencial desafiar as normas culturais que perpetuam a dependência e criar espaços para que as pessoas possam testar seu próprio amadurecimento e enfrentar as exigências da vida de forma independente e autêntica.

Em um mundo onde cultura e economia se entrelaçam, onde gerações jovens e mais velhas são impactadas por padrões e expectativas sociais, é vital reconhecer a complexidade dessas dinâmicas. Desde jovens que lutam para conquistar sua independência em meio a pressões econômicas até idosos que se veem presos em dependências culturais, todos enfrentamos desafios únicos em nossa jornada.

No entanto, ao refletirmos sobre essas questões, é importante lembrar que somos agentes ativos em nossas próprias vidas. Embora possamos ser moldados pelo ambiente cultural e econômico ao nosso redor, também temos o poder de questionar, desafiar e redefinir esses padrões. Portanto, que possamos buscar um equilíbrio entre honrar nossas raízes culturais e desafiar as limitações que elas impõem. 

Que possamos reconhecer a importância da autonomia e da liberdade individual, tanto para os jovens que buscam construir seu próprio caminho quanto para os mais velhos que buscam redescobrir sua independência. Então, que possamos seguir em frente com coragem e determinação, prontos para enfrentar os desafios da vida com resiliência e autenticidade, enquanto continuamos a moldar nosso próprio destino em meio às interseções complexas da cultura e da economia. 

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Resenha do livro: A profissão de sociólogo: preliminares epistemológicas 1 Pierre Bourdieu, Jean Ciaude Chamboredon, Jean-Ciaude Passeron


 

O livro “A Profissão de Sociológo: Preliminares epistemológicas” da 3ª edição do livro de Bourdieu, Chamboredon e Passeron, não é um livro para leitura na forma simples e corrida, mas sim para uma leitura reflexiva, na forma de um passo de cada vez, num indo e vindo, dialogando com o texto, como em toda discussão conceitual e interpretativa, inclusive nos dando ao direito de explorar invadindo um novo espaço levando conosco toda uma carga de conhecimentos conquistados, assimilada ao longo de minhas experiências e estudos das outras ciências, porém é importante saber de antemão que se entrando numa nova casa denominada por sociologia.

A leitura leva-nos a refletir acerca das práticas de vigilância focadas nas operações conceituais e metodológicas voltados a tentar sanar os entraves epistemológicos que acabam criando dificuldades na construção científica.

Dentre paradigmas da sociologia como em geral, há contrariedades e diferenças entre as correntes na pluralidade e singularidades e, ainda mais se tratando da Sociologia uma nova ciência (já não tão novinha assim, pois surgiu no século XIX como disciplina científica) abrindo espaço dentro do mundo científico, enfrentando desafios pertinentes a sociologia contemporânea e como jovem ciência encarando os desafios inerentes do que é novo em princípio é rejeitado, principalmente quando há questionamento dos velhos paradigmas, paradigmas que procuram explicar a realidade a seu tempo com o conhecimento valido na sua época.

A realidade estudada e explicada pela visão da sociologia, com seus respectivos instrumentos reconfiguram o conhecimento sociológico a partir de instrumentos que darão validade capazes de conferir credibilidade a jovem ciência, com objetividade reduzindo e superando os obstáculos epistemológicos, isto é construído a partir de reflexão e vigilância sobre as verdades universais e os relativismos.

A conquista do espaço no mundo das ciências e, seu relevo junto a sociedade contemporânea ocorre e ocorreu gradualmente, a conquista deste espaço vai além dela própria, pois é a conquista da própria consciência que se da sua importância e, assim o reconhecimento se torna necessária, resultando num maior reconhecimento capazes de transformar a vida social das populações.

 Um ponto muito importante levantado a partir da reflexão é que as pessoas falam palavras muitas vezes sem o nexo devido, sua fala carregada de intenção e imagens, porem com outro sentido epistemológico, a lógica da fala interpretada antes de falada tenta extrair de expressões típicas e muitas vezes até banais, os paradigmas construídos na linguagem comum, e a verdade não é coisa isolada, única e individual, a comunicação se valida através daquilo que é entendido pelo outro a partir daquilo que é dito.

Na linguagem comum e em geral em suas ações as pessoas desconhecem que são motivadas inconscientemente, quando a consciência surge os argumentos aparentemente racionais tentam justificar de maneira lógica decisões tomadas por impulso sem maneira lógica, como por exemplo um empresário pode contratar funcionários levando em conta aspectos irracionais ou até numa relação pessoal podemos ter afinidade ou antipatia gratuita por alguém, sem aparentemente ter qualquer motivo, é o inconsciente funcionando.

Somos alvo constante da mídia, os comerciais de TV manipulam a vontade a partir de objetos de desejo universal ou dirigida a persuasão de um grupo especifico, no entanto, o verdadeiro objeto são aqueles desejantes ou não, que inconscientemente despertarão interesse ou alimentará mais ainda a intenção de adquirir, e do poder ter.

Sabemos que somos seres desejantes e sabemos que somos manipulados, mesmo assim a sociedade age inconscientemente, temos as pesquisas que são ferramentas de trabalho da sociologia, tais pesquisas analisam resultados como por exemplo: “Num comercial de TV, a venda é realizada ou não nos três ou quatros segundos iniciais, assim como num anuncio impresso, 75% das decisões acontecem na leitura do cabeçalho. Numa demonstração promocional, a venda é feita ou não nos três minutos iniciais”. Estes dados são resultados de estudos feito por John Caples, “Tested advertising methods, Englewood Cliffs, NJ, Prentice-HALL.Inc.,1974 “, citados no livro “O Mito do Empreendedor”, (Editora Saraiva, 1986), de Michael E. Gerber. Estes são exemplos de decisões que tomamos diariamente sem termos consciência disto.

Outro exemplo é nos anos 70, a Pepsi lançou um ataque competitivo contra a Coca-Cola, na famosa campanha dos testes cegos. Foram veiculados pela TV, comerciais em que várias pessoas eram testadas, com vendas nos olhos, para escolherem o melhor refrigerante entre os dois. Apesar de a Coca-Cola ser a preferida do público, nos testes com venda nos olhos as pessoas preferiram, numa proporção de 3 a 2, a Pepsi. Isto é o que se pode chamar de uma decisão inconsciente.

Outro exemplo muito presente no dia a dia são as entrevistas de empregos que muitas vezes o recrutador comete erros por se deixar influenciar excessivamente pela aparência das pessoas e deixar de lado aspectos relevantes de sua competência profissional, isto não nos causa tanta estranheza, visto que vivemos numa sociedade dos retoques e filtros fotográficos na busca pela imagem perfeita. Ele defende que as entrevistas de empregos deveriam acontecer inicialmente por telefone ou na leitura de currículos e só na reta final, quando houver apenas dois ou três concorrentes aptos a assumir o cargo, é que deveria haver a entrevista pessoal, é mais ou menos a utilização da habilidade do deficiente visual, guiaríamos pelo histórico da experiência, isto é se a experiência fosse uma das exigências para função e também nos guiaríamos pelas mensagens contidas na voz do candidato, mas será que com tudo isto não idealizaríamos inconscientemente a imagem de alguém e na hora do cara a cara a ilusão mental não estaria a atrapalhar? Como vimos são muitas as teorias, muitas as condicionantes que compõem o quadro num mundo em constantes mudanças, é crucial tentar escapar a modelos prontos.

O sociólogo entende que se estamos inclinados a cometer erros irracionalmente, a maneira de agirmos desta forma não é apenas o resultado da determinação do acumulado das teorias passadas, sabendo disto o sociólogo rompe com os paradigmas do discurso epistemológico, que oferecem a todo tempo o risco de incorrer em modelos prontos. Essa atitude é a forma científica de agir e implica na submissão dos procedimentos metodológicos à uma razão epistemológica cética, questionadora e vigilante.

É questionando a pratica que rompemos com o saber imediato, aquele saber inconsciente e banal, rompendo com as relações aparentes e independente das opiniões e intenções do sujeito que o objeto da investigação, cujos pressupostos foram assimilados inconscientemente.

A tarefa da sociologia é desvendar incansavelmente as diversas modalidades de atuação das diferentes formas de dominação veladas e dissimuladas nos diversos mundos sociais, trazendo à tona fatos que estão escondidos sob o manto da ilusão e das aparências. É necessário, ainda, voltar-se contra a teoria tradicional e repetitiva, posto que estas, pretensamente universais, porem superficiais, porque tiram da lógica do senso-comum seu projeto fundamental, e não mais do estudo cientifico atualizado. Bourdieu propõe uma teoria do conhecimento sociológico capaz de superar as armadilhas do objetivismo, determinismo sociológico, do subjetivismo e voluntarismo individualista.

A sociologia é uma ciência que acaba incomodando, pois rompe com a tradição, tira o véu do senso comum, criticando muitas vezes de forma feroz, colocando problemas e trazendo à baila recalques que são ocultados e escondidos propositadamente, as vezes o sociólogo é acusado de querer destruir o sistema onde ele mesmo está inserido com suas peculiaridades e interesses.

O livro é uma ótima introdução aos conceitos da sociologia, suas reflexões aproximam o leitor ao mundo critico, elevando a capacidade de melhor enxergar o mundo e os fatos que estão escondidos nas mais simples ações cotidianas, extraindo o sujeito da posição que ocupa como apenas um mero reprodutor de informações, o conteúdo é denso, porém tem uma linguagem que permite um bom entendimento, penso que esta leitura seja importantíssima se quisermos entender o que seja a profissão do sociólogo.

Fontes:

Bourdieu, Pierre, 1930- A profissão de sociólogo: preliminares epistemológicas 1 Pierre Bourdieu, Jean Ciaude Chamboredon, Jean-Ciaude Passeron ; tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. - Petrópolis, RJ: vozes, 1999.

https://administradores.com.br/artigos/decisoes-inconscientes