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terça-feira, 15 de julho de 2025

Aporias do Real

Do habitus ao imaginário, trânsitos simbólicos na vida cotidiana

Dizem que a realidade está aí, basta abrir os olhos. Mas o que acontece quando cada um vê uma coisa diferente com os mesmos olhos abertos? Uma conversa no ônibus, um post no Instagram, um gesto atravessado numa reunião de trabalho — todos esses episódios revelam que a realidade, tal como a experimentamos, está longe de ser uma rocha sólida. Parece mais uma superfície maleável, moldada por nossos hábitos, desejos e imagens mentais. Há algo que escapa. Algo que chamamos de “real”, mas que insiste em se esconder atrás de representações. Talvez estejamos todos tentando tocar o mundo com luvas simbólicas — e, mesmo assim, juramos que sentimos sua textura.

Este ensaio percorre uma trilha sinuosa entre sociologia e filosofia: da noção de habitus, formulada por Pierre Bourdieu, à lógica do imaginário como estruturante das experiências cotidianas. No meio do caminho, tropeçamos nas aporias do real — contradições, desvios e vazios que desafiam qualquer pretensão de fixar o mundo em significados unívocos. Proponho aqui um olhar inovador sobre os trânsitos simbólicos que constituem a vida cotidiana, suas ambiguidades e potências criativas.

 

Habitus: o corpo socializado

O habitus é a herança invisível que carregamos no corpo. Trata-se de um conjunto de disposições adquiridas, de esquemas de percepção e ação que estruturam nosso modo de estar no mundo sem que pensemos nele. Bourdieu o define como uma “estrutura estruturante estruturada” — fórmula que, embora intrincada, dá conta do paradoxo de que somos ao mesmo tempo produto e produtores da realidade social.

Nossos gostos, posturas e modos de falar não são apenas individuais, mas refletem o lugar que ocupamos nas hierarquias sociais. Um morador da periferia e um frequentador da ópera não percebem o mundo da mesma maneira — não apenas porque veem coisas diferentes, mas porque aprendem a ver diferentemente. A realidade, então, se apresenta conforme os óculos que o habitus nos dá. Mas será que esses óculos são suficientes para enxergar o mundo?

 

Imaginário: o real como tecido de imagens

Ao lado do habitus, o imaginário aparece como outra dimensão essencial da experiência do real. Gilbert Durand, Edgar Morin e Cornelius Castoriadis são pensadores que situam o imaginário não como ilusão, mas como uma instância organizadora da vida social. Imaginamos antes mesmo de racionalizar. Vemos o mundo atravessado por símbolos, mitos e arquétipos — sejam eles religiosos, midiáticos ou afetivos.

No mundo contemporâneo, onde a comunicação é instantânea e as imagens circulam com voracidade, o real se torna cada vez mais saturado de representações. A selfie, o meme, o story, o avatar: todos esses dispositivos não apenas representam o sujeito, mas constituem o modo como ele se vê e deseja ser visto. O real se desfaz em camadas imagéticas, e o que chamávamos de realidade objetiva torna-se, no fundo, uma arena de disputas simbólicas.

 

Aporias do real: entre o vivido e o representado

Aqui surgem as aporias: impasses entre o que se vive e o que se mostra, entre o que se sente e o que se pode dizer. Na vida cotidiana, há um vaivém constante entre o gesto espontâneo e a cena encenada. O sujeito contemporâneo se move entre diversos papéis: pai, profissional, cidadão, amante, usuário de redes sociais. Em cada espaço, opera um trânsito simbólico que exige novas máscaras, novas linguagens, novos códigos.

Mas o problema emerge quando as fronteiras se esgarçam: quando o imaginário se sobrepõe ao vivido, ou quando o habitus torna-se prisão. Há quem se perca em performances; há quem se sinta irreal em sua própria pele. As aporias do real residem justamente nesses momentos de desencontro — quando o simbólico não dá conta do vivido, e quando o vivido se torna irrepresentável.

 

Trânsitos simbólicos: reinvenções do cotidiano

Apesar dos impasses, é nesse trânsito que mora a potência criativa da vida social. Cada desvio, cada tropeço no automatismo do habitus, abre espaço para a reinvenção. O cotidiano é fértil em pequenas rupturas simbólicas: uma gíria nova que subverte o código, um gesto de afeto onde só se esperava formalidade, um corpo que resiste a normatividades.

Esses momentos de dissonância nos lembram que o real não é dado, mas constantemente produzido — e que podemos, sim, reconfigurá-lo. O filósofo francês Michel de Certeau falava do “uso tático” do cotidiano, como forma de resistência e criação. Assim, viver passa a ser mais do que reproduzir o mundo: é interferir nele, ainda que simbolicamente, a cada passo.

 

O real como dobra

O real, então, não é uma linha reta, mas uma dobra — uma dobra entre o habitus que nos molda, o imaginário que nos inspira e os símbolos que manipulamos no jogo social. Viver é transitar por essas dobras, ora confiando nas estruturas, ora desmontando-as. O desafio contemporâneo é perceber que a realidade não é só aquilo que nos cerca, mas também aquilo que somos capazes de imaginar — e simbolizar.

Na próxima conversa de ônibus ou no trem, talvez você repare não apenas no que está sendo dito, mas no modo como o real está sendo construído ali, naquele instante. E talvez descubra que a verdade do mundo não está naquilo que vemos, mas na maneira como conseguimos dizer o que, no fundo, ninguém viu ainda.


segunda-feira, 14 de julho de 2025

Padrão Cultural

Muito Além do Que a Gente Vê

Sabe aquela sensação de que, em várias situações do dia a dia, tem um jeitinho “normal” que todo mundo espera que a gente siga? Seja na forma de falar, se vestir, comer, ou até na maneira como a gente celebra as coisas — existe um conjunto invisível de regras que, no fundo, organizam tudo isso. É o que a gente chama de padrão cultural. E olha, ele está em todo lugar, mesmo quando a gente nem percebe.

Mas o que é esse tal padrão cultural, afinal? E por que a gente sempre se sente puxado por ele — às vezes querendo se encaixar, outras querendo fugir?

O Padrão Cultural como Arquitetura Invisível da Vida Social

Na filosofia e sociologia, o padrão cultural é como aquele mapa que guia o comportamento e as expectativas dentro de uma comunidade. É uma construção coletiva que nasce da repetição, da tradição, e da negociação constante entre as pessoas. Ele não é algo fixo, imutável, mas mais um fluxo, um rio que se adapta conforme a gente caminha.

Pierre Bourdieu, um dos grandes pensadores da sociologia contemporânea, chamou a atenção para o conceito de habitus: um conjunto de disposições internalizadas, que moldam o jeito de pensar, sentir e agir das pessoas. O padrão cultural é, em grande medida, isso — uma bagagem silenciosa que carregamos, às vezes sem nem saber.

Mas não para por aí. O padrão cultural é também um palco de poder. Ele decide o que é “normal” e, por consequência, o que é marginalizado ou estranho. Quem dita esses padrões? Muitas vezes, as estruturas dominantes: as elites econômicas, políticas e simbólicas. Por isso, entender os padrões culturais é também um exercício de questionar quem tem voz, quem impõe e quem fica de fora.

A Inovação do Padrão: Quando o Novo Surge do Velho

Aqui vem a parte inovadora do nosso papo: o padrão cultural não é só um guardião do passado, mas também o berço do futuro. Porque, para existir novidade, tem que haver referência — um padrão a ser quebrado, remixado, ou reinventado.

Pense na cultura pop, nas tendências de moda, nas gírias que surgem do nada e dominam as redes sociais. Tudo isso é o padrão cultural em movimento, sendo desconstruído e reconstruído em tempo real. O que parecia rígido e imutável se revela fluido, híbrido, múltiplo.

E a tecnologia só acelera esse processo, criando uma espécie de “padrão mutante” que desafia fronteiras geográficas e sociais.

Entre a Conformidade e a Rebeldia: O Jogo do Padrão Cultural

A gente vive num constante vai e vem entre se ajustar aos padrões e querer se diferenciar deles. É o que o filósofo Michel Foucault chamou de relações de poder e resistência — o padrão cultural é uma forma de poder, mas também uma arena onde surgem as resistências.

Cada gesto fora do padrão, cada expressão diferente, é um ato político. Quando alguém decide não usar o “uniforme social” esperado, está, mesmo que inconscientemente, provocando uma reflexão sobre o próprio padrão.

Por Que Isso Importa?

Entender o padrão cultural é entender como a gente constrói sentido, identidade e comunidade. É perceber que aquilo que a gente chama de “normal” é, na verdade, uma negociação contínua — e que a transformação social acontece quando essa negociação é colocada em questão.

No fundo, conhecer os padrões é também conhecer a si mesmo, porque eles moldam como a gente vê o mundo e a gente mesmo.

O Padrão Cultural Como Espaço de Criação

O padrão cultural é, portanto, uma estrutura viva, feita de tradição e inovação, poder e resistência, conformidade e rebeldia. Ele não é um muro, mas uma teia, onde cada fio pode ser puxado para mudar o desenho.

Se a gente quiser criar uma sociedade mais plural e aberta, é fundamental entender essa dinâmica e atuar nela — não para destruir os padrões, mas para reinventá-los, fazer deles pontes e não barreiras.

sábado, 12 de outubro de 2024

Apagar os Rastros

A mente humana é fascinante em sua capacidade de atribuir valor às coisas de forma seletiva, e muitas vezes, enganosa. Às vezes, investimos tanto em situações, pessoas, ou projetos que, com o tempo, nos revelam sua verdadeira insignificância. Isso ocorre não porque o objeto de nossa atenção tenha necessariamente mudado, mas porque nossa percepção mudou, evoluiu. Diante disso, a "cabeça esperta" faz algo engenhoso: ela apaga os rastros, desfaz as marcas daquilo que parecia importante, mas que, com o passar do tempo, revela-se fútil.

Imagine que passamos boa parte da vida construindo castelos de areia, achando que estamos erguendo muralhas impenetráveis. Esses castelos podem ser as metas profissionais que, no fim, não nos trouxeram realização, ou as relações que acreditávamos serem essenciais, mas que só drenaram nossa energia. Quando nos damos conta do quão efêmera era nossa fixação nessas coisas, tentamos esquecer que um dia foram importantes, quase como um mecanismo de defesa. Freud, ao falar do esquecimento e da repressão, já dizia que nossa mente atua para evitar o confronto com a realidade dolorosa. Apagar os rastros de uma decisão ou crença mal colocada é um ato quase instintivo, uma tentativa de preservar a nossa psique.

Pierre Bourdieu, sociólogo francês, oferece uma visão interessante para entender por que, em primeiro lugar, damos importância a coisas que mais tarde consideramos irrelevantes. Ele fala do conceito de "habitus", que são as disposições internalizadas que orientam nossas escolhas e ações sem que tenhamos plena consciência delas. O habitus é moldado pelas influências sociais e culturais ao nosso redor. Assim, muitas vezes, o que acreditamos ser importante vem de um condicionamento social — não de uma escolha genuína.

No cotidiano, isso aparece de várias formas. A ansiedade por adquirir bens materiais, o status social, a necessidade de reconhecimento em redes sociais. No calor do momento, acreditamos que essas são coisas vitais para nossa felicidade. Entretanto, ao longo do tempo, percebemos que o que nos mantinha acordados à noite não tinha peso algum. Esse "erro de julgamento" nos envergonha, e aí, a cabeça esperta tenta apagar os rastros, desviar-se do desconforto que vem ao reconhecer que estávamos investindo energia no lugar errado.

Aqui entra uma reflexão interessante de Fernando Pessoa, que dizia: "Tudo vale a pena, se a alma não é pequena." O ato de apagar os rastros pode ser visto como uma forma de tentar expandir a alma, de libertá-la das armadilhas da superficialidade, buscando um sentido mais profundo na vida. É quase como se, ao percebermos o quão pequenas eram as coisas que considerávamos grandes, estivéssemos tentando recomeçar, dando à alma uma chance de buscar algo que realmente valha a pena.

No fim, apagar os rastros é um movimento natural de autodefesa e autoaperfeiçoamento. Afinal, não se trata apenas de fugir do desconforto da frustração, mas de limpar o caminho para novas experiências e entendimentos mais profundos.


sexta-feira, 26 de junho de 2015

Bourdieu e os Conceitos Campo, Capital Social e Habitus




 
Bourdieu percebe nas sociedades a existência de um sujeito social histórico e dinâmico que esta envolvido diariamente na luta constante entre outros sujeitos sociais, tal luta objetiva a ocupação dos espaços nos diversos campos sociais, a partir desta ideia Bourdieu desenvolveu estudos de como ocorre a reprodução de classes assim como ocorre a transferência das heranças que distinguem as sociedades atuais, tais estudos o levou a desenvolver conceitos importantíssimos que permitirão o entendimento de sua perspectiva.
Os conceitos principais do estudo elaborado por Bourdieu formam a base pela qual busca explicar as relações de afinidade entre o comportamento dos agentes sociais e as estruturas sociais condicionantes.
De forma simplificada, segundo Bourdieu, o mundo social é dividido em campos onde os atores sociais estão inseridos espacialmente de posse de grandezas de certos capitais tal como capital social, cultural, acadêmico, político, artístico e etc., cada um destes campos se expressam por formas de comunicação dinâmicas tal como uma matriz de percepção, que ele denominou de habitus, este por sua vez é o condicionante do posicionamento espacial de cada ator social que na luta social o mesmo identifica-se com sua classe social, sendo ele plástico e flexível.
Conceitualmente campos consistem no espaço onde ocorrem as relações sociais entre os atores, cada campo é dinâmico obedecendo a regras próprias, alimentadas pelas disputas ocorridas em seu próprio espaço, onde todos os atores têm interesse em ter sucesso nas relações estabelecidas com os outros, representa um espaço simbólico, com leis próprias.
Conforme Bourdier Campo: “É um universo social particular constituído de agentes ocupando posições específicas dependentes do volume e da estrutura do capital eficiente dentro do campo considerado. É um sistema de posições que podem ser alteradas e contestadas.”
Como exemplo de um campo, vou puxar a brasa para meu assado, temos o campo profissional, especificamente no campo administrativo onde os atores possuindo capitais exigidos para que cada ator atue conforme as regras do campo administrativo e espacialmente onde este ator estiver localizado, como por exemplo, dentro do campo administrativo, existem outros campos, que podemos chamar de subcampos como subcampo de recursos humanos, subcampo comercial, subcampo contábil, subcampo técnico, subcampo financeiro, onde todos os subcampos específicos relacionam-se entre si, compondo a estrutura administrativa.
Dentro de cada subcampo especifico existem atores que são profissionais que carregam capitais específicos a cada função e cada ator é obrigado a conhecer as regras do jogo dentro de cada campo social e subcampo social, para permanecer deve estar disposto a lutar e seguir as regras, como no futebol os jogadores seguem regras do futebol, no campo acadêmico seguem suas regras e no campo administrativo seguem regras da administração.
Para Bourdieu capital tem outro sentido alem do sentido econômico que compreende a riqueza material, como dinheiro ações e etc., o outro sentido equivale ao capital cultural, que compreende conhecimento, habilidades, informações, enfim corresponde a um conjunto de qualificações intelectuais, transmitidas inicialmente pela família, em seguida pelas instituições escolares e quando ingressa no campo profissional adquire conhecimentos através de treinamentos, valendo inclusive a forma e postura em publico do ator social.
É importante firmar o entendimento acerca do conceito de capital, porque é com a conquista do mesmo que serão permitidos os “acessos sociais”, compreendidos pelos relacionamentos com os outros atores sociais formando sua rede de contatos e aproximações, o reconhecimento do ator social também é simbólico estando em jogo o prestigio e sua imagem moral e ética, neste caso podemos verificar que as sociedades estigmatizam os atores conforme os valores e virtudes que lhe são atribuídos.
A permanência dos atores ocupando os espaços é propiciada pelo acumulo de capitais, que seriam conhecimentos específicos e gerais, o habitus seria o conhecimento acumulado gerando internalizações de disposições que seriam espaços ocupados por um ou outro ator, como por exemplo, o homem ocupa determinada função que uma mulher não ocupa, tal tendência tende a mudar pela dinâmica social, alterando este status quo, tais tendências são também reproduções sociais, vistas em muitas das atividades profissionais que são propriamente reservadas para homens e outras para mulheres.
A diversificação do capital possibilita ao ator sua integração a outros campos, desde que possua capital especifico ao campo onde queira atuar e respeite as regras especificas daquele campo.
Ficam muito claro que o habitus é sistemas com posições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, tendo o habitus à característica de uma segunda natureza, histórica e presa ao campo, trata-se de um conhecimento adquirido ou transferido de forma explicita ou implícita através de treinamentos que proporcionarão aprendizagem, estrategicamente apreendidos pelo interesse do ator em se manter na posição de maneira intencional ou não.
Em geral no interior de cada campo, como no exemplo do campo administrativo em seu interior, em seus sub-campos a dinâmica da concorrência, dominação e manutenção de privilégios, são oriundos de estratégias de conservação das próprias estruturas sociais, como o capital social é desigual, inflado pela concorrência, implica em conflitos constantes, seja um campo em relação com outro, seja entre os atores sociais, a luta objetiva a conservação, reprodução, acumulação, dominação, o passe de entrada de um ator social em outro sub-campo que não o dele serão as suas habilidades comprovadas e evidenciadas por formação acadêmica, treinamentos certificados, experiências comprovadas, mesmo assim as relações são submetidas a analises e experimentações que permitirão o ingresso ou não do ator.
O pensamento de Bourdier é significativo e representa a forma de entender como ocorrem as relações sociais, discutir e refletir sobre este tema proporciona um olhar não coisificado deslocando da coisa em si para o sujeito social, entendo que em sala de aula ou fora dela, a construção de uma teoria pratica permite melhor entendimento geral, tal pensamento materializado através do uso de técnicas convencionais como pesquisas qualitativas e quantitativas o construiu empiricamente a partir de seus conceitos lógicos um programa de analise das relações com caráter estatistico probalistico.

BIBLIOGRAFIA
ALGUMAS REFLEXÕES EM TORNO DOS CONCEITOS DE CAMPO E DE HABITUS NA OBRA DE PIERRE BOURDIEU Reflections about concepts of field and habitus of Pierre Bourdier’s works. Por ARAÚJO F.M.de B*., ALVES**, E.M. & CRUZ, M.P**, artigo disponibilizado por UAB FURG.