Outro dia, conversando com um amigo, ele comentou como algumas pessoas têm o dom de "serem sinceras demais". Sabe aquela franqueza que quase fere, mas que, de tão ensaiada, soa falsa? Pois é, ficamos ali, entre risadas e reflexões, tentando entender como algo tão espontâneo como a sinceridade pode virar um teatro. E, no meio desse papo, me peguei pensando: será que estamos vivendo na era do simulacro de franqueza, onde até a honestidade virou performance?
A ideia de simulacro, tão bem explorada por Jean
Baudrillard, é um convite para questionarmos as aparências. Para o filósofo, o
simulacro não é apenas uma falsificação; é uma realidade própria que se
apresenta como legítima, mas que não tem um lastro autêntico. Aplicando isso à
franqueza, seria aquela situação em que o discurso honesto é construído com
intenções ocultas, um jogo de cena que busca manipular ou impressionar.
O teatro da sinceridade no cotidiano
Pense em reuniões de trabalho, por exemplo. Quantas
vezes você já ouviu um "feedback sincero" que parecia mais uma
tentativa de autopromoção de quem falava? A frase “estou sendo muito franco
porque me importo com você” pode vir carregada de intenções ocultas, como criar
uma imagem de líder transparente ou desarmar futuras críticas. É a franqueza
mascarada de propósito, o simulacro tomando conta da conversa.
No campo das relações pessoais, o simulacro de
franqueza aparece quando alguém "confessa" algo pessoal, mas o faz
para ganhar confiança ou simpatia. É aquela vulnerabilidade calculada, onde as
palavras parecem escolhidas a dedo para gerar um efeito específico. A
sinceridade, nesse caso, não é uma abertura genuína, mas um recurso
estratégico.
A franqueza como produto social
Vivemos tempos em que até a autenticidade foi
comercializada. Redes sociais são o maior exemplo disso. Postagens que parecem
confessionais, cheias de “verdades cruas”, muitas vezes não passam de
narrativas construídas para atrair likes, gerar engajamento ou reforçar uma
marca pessoal. A sinceridade se torna um produto, uma performance para um
público.
Essa teatralização, no entanto, não é completamente
condenável. Baudrillard apontaria que o simulacro não deve ser entendido apenas
como mentira ou falsidade. Ele também revela os mecanismos que sustentam nossa
interação com a realidade. No caso da franqueza, o simulacro escancara como as
dinâmicas sociais nos levam a moldar até aquilo que deveria ser espontâneo.
É possível escapar do simulacro?
Se toda franqueza parece carregar uma dose de
intenção, será que existe algo como uma sinceridade autêntica? Talvez sim, mas
ela exige esforço. Ser genuíno implica abrir mão de jogos de poder,
manipulações ou necessidade de aprovação. É, paradoxalmente, uma espécie de
vulnerabilidade sem agenda.
O filósofo brasileiro Vladimir Safatle, em suas
reflexões sobre autenticidade, sugere que a verdade não está no discurso, mas
na atitude. Para ele, é no modo como nos posicionamos diante dos outros que a
autenticidade ganha forma. Não é a franqueza das palavras que importa, mas a
coerência entre o que se diz e o que se é.
No final das contas, o simulacro de franqueza não é
apenas um problema dos outros. Ele nos obriga a olhar para nossas próprias
atitudes e questionar: quando somos francos, estamos realmente nos abrindo ou
apenas tentando projetar algo? Essa reflexão, mais do que desconfiar do outro,
é um exercício de autoconhecimento.
Então, da próxima vez que ouvir ou praticar uma
"sinceridade brutal", vale se perguntar: isso é franqueza de verdade
ou só mais um capítulo no teatro social? Afinal, ser sincero não é apenas dizer
a verdade, mas carregar essa verdade com a coragem de não precisar ser
aplaudido por ela.