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domingo, 25 de maio de 2025

Palavras do Irreal

Não acredite nas palavras, elas não são reais, alguém pode te dizer eu te amo, mas não ser real! As palavras são “realidades”!

Essa frase carrega uma verdade incômoda, mas muito real. As palavras são, por si só, só sons ou letras — símbolos que representam algo, mas não garantem a existência do que dizem. Alguém pode te olhar nos olhos e dizer "eu te amo", mas essa frase pode estar vazia de sentimento, movida por conveniência, hábito ou até manipulação. O problema não está exatamente nas palavras, mas no que falta por trás delas: intenção, coerência, ação.

É como um "sinto muito" dito automaticamente depois de magoar alguém — pode soar educado, mas não necessariamente vem com arrependimento. Ou aquele "vamos marcar algo" que já carrega o vazio do "nunca vai acontecer". Palavras são “realidades”.

Na filosofia, Nietzsche desconfiava profundamente da linguagem. Para ele, as palavras são como máscaras — podem revelar algo, mas também esconder. Em Além do Bem e do Mal, ele escreve que “todo conceito vem ao mundo com uma ilusão”, pois tentamos fixar com palavras algo que é sempre fluido.

No cotidiano, isso acontece muito. Quando alguém diz "está tudo bem" mas o olhar está perdido, ou "não me importo" quando claramente se importa. Por isso, talvez seja mais sábio observar os gestos, os silêncios, os pequenos rituais de cuidado que não se anunciam com frases prontas.

Palavras são importantes, sim. Mas, sozinhas, não bastam. Como dizia Guimarães Rosa: "as pessoas não morrem, ficam encantadas". Assim também são as palavras verdadeiras — encantam, porque estão cheias de presença, mesmo quando são poucas.

O amor, por exemplo, se diz muito melhor num gesto simples — como lembrar o tipo de chá favorito da pessoa — do que num "eu te amo" dito por inércia.

Então, sim: não acredite cegamente nas palavras. Observe se há vida nelas.

Mas vamos ampliar a reflexão com essa pergunta poderosa: se as palavras não são confiáveis, como então enxergar o real? Como tocar a verdade num mundo que fala demais?

A resposta pode estar num lugar mais silencioso: a escuta. Mas não a escuta do que o outro diz — e sim do que o outro é. Ver o real exige observar o que não precisa ser dito. O corpo fala, os olhos falam, os gestos têm uma linguagem mais fiel do que qualquer frase ensaiada.

Pensa nas vezes em que alguém te abraçou sem dizer nada, mas você sentiu que ali havia verdade. Ou quando alguém te escutou de verdade — não interrompendo, não opinando, só estando presente. Isso é mais raro que um "eu te amo", mas talvez muito mais verdadeiro.

A filósofa Simone Weil dizia que "a atenção pura, sem mistura, é oração". E talvez seja isso: a alternativa às palavras é a atenção. Quem vê com atenção, vê o real. Quem escuta com o corpo inteiro, capta o que está por trás do discurso. A presença verdadeira, silenciosa e sem artifícios, tem uma força quase mística.

No dia a dia, isso significa tirar o foco do que se ouve e colocar no que se percebe. Como a pessoa age quando ninguém está olhando? Como ela trata quem não pode lhe oferecer nada? Como se move quando não está tentando impressionar?

A verdade é muitas vezes tímida, discreta, quase muda. E quem se apressa com palavras demais, quase sempre passa por cima dela sem perceber.

Então, se as palavras são duvidosas, a alternativa é sentir mais do que ouvir. Observar mais do que perguntar. Silenciar um pouco dentro de si para que o real tenha espaço de aparecer, e acima de tudo olhar para pessoa na sua totalidade.

domingo, 11 de maio de 2025

Obsessões

As obsessões, essas ideias que grudam na mente como chiclete no sapato, sempre foram um campo fértil para reflexões filosóficas. Nem sempre com esse nome, claro. Às vezes aparecem como paixões, manias, fixações — formas intensas de pensamento ou desejo que se recusam a sair da cabeça e moldam a nossa visão do mundo.

Comecemos com os estoicos. Para eles, obsessões seriam perturbações da alma. Epicteto diria que estamos apegados demais a coisas que não estão no nosso controle — como a aprovação dos outros, o sucesso, ou o medo da morte. Segundo ele, “não são as coisas que nos perturbam, mas os julgamentos que fazemos sobre elas”. Se transformamos um pensamento em obsessão, é porque decidimos que aquilo é essencial — quando, na verdade, não é. A obsessão, nesse caso, seria uma falsa atribuição de valor.

Já Nietzsche, com sua verve provocadora, vê a obsessão de outra forma: como um sinal de vontade de potência. Para ele, as obsessões podem ser expressões intensas da nossa força vital, desde que não nos dominem de maneira destrutiva. Um artista obcecado por sua obra, por exemplo, pode estar realizando uma forma elevada de existência — vivendo com intensidade. Nietzsche não prega equilíbrio, mas transbordamento. O problema, segundo ele, é quando a obsessão vem da fraqueza, da tentativa de compensar algo que falta em nós. Aí ela vira ressentimento ou vício.

Freud, embora não seja exatamente um filósofo, também entra bem nesse papo. Ele trouxe a noção de "neurose obsessiva", onde a mente se prende a rituais e pensamentos repetitivos para controlar angústias inconscientes. A obsessão seria uma tentativa — falha — de controlar o incontrolável. E isso ecoa em nossa vida cotidiana: trancar a porta cinco vezes, revisar mil vezes uma mensagem antes de enviar, revisar o passado como se pudéssemos reescrevê-lo. Tudo isso para acalmar algo mais profundo.

Em Kierkegaard, as obsessões se aproximam da angústia e do desespero. Ele fala sobre o "desespero de não ser si mesmo" — quando a gente se agarra a uma ideia, uma imagem ou uma expectativa como forma de escapar de quem realmente é. A obsessão, nesse contexto, é fuga. É uma âncora ilusória no meio do mar revolto da existência.

E no cotidiano?

Tem a pessoa que checa o celular a cada dois minutos para ver se aquela mensagem chegou. O vizinho que não consegue parar de falar do mesmo problema com o chefe. A amiga que revive todos os dias uma discussão de cinco anos atrás. As obsessões nos cercam — e às vezes, nos conduzem.

Mas talvez a pergunta não seja “como eliminar a obsessão?”, e sim: o que ela está tentando nos dizer?

Como dizia Simone Weil, "a atenção verdadeira é uma forma de amor". Talvez nossas obsessões sejam formas tortas de atenção. E se as ouvirmos com cuidado — sem nos rendermos a elas, mas também sem expulsá-las com brutalidade — possamos transformá-las em algo mais: compreensão, criação, ou, quem sabe, paz.