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sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Pedagogia da Lucidez

Ensaiando a Consciência como Caminho

Há uma pedagogia silenciosa que não se aprende em livros, mas se revela nos momentos em que a mente, cansada de ruídos, faz silêncio para escutar o que importa. Chamemos isso de pedagogia da lucidez: um processo de formação não apenas do intelecto, mas da consciência. Não ensina a saber mais, mas a ver melhor.

Lucidez, aqui, não é só clareza mental, mas transparência de alma. É quando os véus caem e o mundo aparece como é — sem os filtros da vaidade, do medo ou da pressa. Um momento de lucidez pode valer mais que anos de estudo, se nos leva a enxergar aquilo que estava diante de nós o tempo todo: a verdade simples, cotidiana, escondida no gesto, no olhar, no silêncio.

Para Simone Weil, “a atenção pura é oração”. Atentar, no sentido radical, é se oferecer por inteiro ao real. A pedagogia da lucidez se constrói nesse gesto de atenção desarmada, que não quer controlar, mas compreender. O professor, aqui, não é o que fala alto, mas o que guia com o exemplo da presença.

Sri Ram, em O Ideal Teosófico, dizia que o verdadeiro conhecimento só acontece quando o ego se aquieta. Enquanto o eu busca brilhar, o saber se esconde. A lucidez, portanto, é filha da humildade: ela nasce quando paramos de querer ter razão para, enfim, tocar o que é real.

Mas como ensinar isso? A pedagogia da lucidez não se impõe, não tem currículo fixo. Ela se vive. Está no modo como atravessamos o cotidiano, no cuidado com as palavras, no respeito pelo tempo do outro. Talvez esteja, como pensava Paulo Freire, em "ensinar com o corpo e com o ser", e não só com palavras.

Lucidez não é iluminação final, mas clareza possível. E como toda pedagogia, precisa ser cultivada com paciência. A cada instante em que preferimos a escuta ao julgamento, o gesto à explicação, estamos praticando essa nova forma de educar: não para formar especialistas, mas para despertar consciências.

É uma pedagogia revolucionária, porque transforma o mundo a partir do ser. Não nos prepara apenas para o trabalho, mas para a vida. Afinal, como disse o filósofo Jiddu Krishnamurti, “não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade profundamente doente”. A lucidez, nesse contexto, é o primeiro passo para a liberdade.

Ensinar a ver — eis o desafio.

E talvez, para isso, seja preciso antes desver: desfazer os enganos, dissolver ilusões e reaprender a estar no mundo como quem acaba de chegar. Essa é a pedagogia da lucidez: simples, exigente e infinitamente humana.


domingo, 25 de maio de 2025

Palavras do Irreal

Não acredite nas palavras, elas não são reais, alguém pode te dizer eu te amo, mas não ser real! As palavras são “realidades”!

Essa frase carrega uma verdade incômoda, mas muito real. As palavras são, por si só, só sons ou letras — símbolos que representam algo, mas não garantem a existência do que dizem. Alguém pode te olhar nos olhos e dizer "eu te amo", mas essa frase pode estar vazia de sentimento, movida por conveniência, hábito ou até manipulação. O problema não está exatamente nas palavras, mas no que falta por trás delas: intenção, coerência, ação.

É como um "sinto muito" dito automaticamente depois de magoar alguém — pode soar educado, mas não necessariamente vem com arrependimento. Ou aquele "vamos marcar algo" que já carrega o vazio do "nunca vai acontecer". Palavras são “realidades”.

Na filosofia, Nietzsche desconfiava profundamente da linguagem. Para ele, as palavras são como máscaras — podem revelar algo, mas também esconder. Em Além do Bem e do Mal, ele escreve que “todo conceito vem ao mundo com uma ilusão”, pois tentamos fixar com palavras algo que é sempre fluido.

No cotidiano, isso acontece muito. Quando alguém diz "está tudo bem" mas o olhar está perdido, ou "não me importo" quando claramente se importa. Por isso, talvez seja mais sábio observar os gestos, os silêncios, os pequenos rituais de cuidado que não se anunciam com frases prontas.

Palavras são importantes, sim. Mas, sozinhas, não bastam. Como dizia Guimarães Rosa: "as pessoas não morrem, ficam encantadas". Assim também são as palavras verdadeiras — encantam, porque estão cheias de presença, mesmo quando são poucas.

O amor, por exemplo, se diz muito melhor num gesto simples — como lembrar o tipo de chá favorito da pessoa — do que num "eu te amo" dito por inércia.

Então, sim: não acredite cegamente nas palavras. Observe se há vida nelas.

Mas vamos ampliar a reflexão com essa pergunta poderosa: se as palavras não são confiáveis, como então enxergar o real? Como tocar a verdade num mundo que fala demais?

A resposta pode estar num lugar mais silencioso: a escuta. Mas não a escuta do que o outro diz — e sim do que o outro é. Ver o real exige observar o que não precisa ser dito. O corpo fala, os olhos falam, os gestos têm uma linguagem mais fiel do que qualquer frase ensaiada.

Pensa nas vezes em que alguém te abraçou sem dizer nada, mas você sentiu que ali havia verdade. Ou quando alguém te escutou de verdade — não interrompendo, não opinando, só estando presente. Isso é mais raro que um "eu te amo", mas talvez muito mais verdadeiro.

A filósofa Simone Weil dizia que "a atenção pura, sem mistura, é oração". E talvez seja isso: a alternativa às palavras é a atenção. Quem vê com atenção, vê o real. Quem escuta com o corpo inteiro, capta o que está por trás do discurso. A presença verdadeira, silenciosa e sem artifícios, tem uma força quase mística.

No dia a dia, isso significa tirar o foco do que se ouve e colocar no que se percebe. Como a pessoa age quando ninguém está olhando? Como ela trata quem não pode lhe oferecer nada? Como se move quando não está tentando impressionar?

A verdade é muitas vezes tímida, discreta, quase muda. E quem se apressa com palavras demais, quase sempre passa por cima dela sem perceber.

Então, se as palavras são duvidosas, a alternativa é sentir mais do que ouvir. Observar mais do que perguntar. Silenciar um pouco dentro de si para que o real tenha espaço de aparecer, e acima de tudo olhar para pessoa na sua totalidade.

domingo, 11 de maio de 2025

Obsessões

As obsessões, essas ideias que grudam na mente como chiclete no sapato, sempre foram um campo fértil para reflexões filosóficas. Nem sempre com esse nome, claro. Às vezes aparecem como paixões, manias, fixações — formas intensas de pensamento ou desejo que se recusam a sair da cabeça e moldam a nossa visão do mundo.

Comecemos com os estoicos. Para eles, obsessões seriam perturbações da alma. Epicteto diria que estamos apegados demais a coisas que não estão no nosso controle — como a aprovação dos outros, o sucesso, ou o medo da morte. Segundo ele, “não são as coisas que nos perturbam, mas os julgamentos que fazemos sobre elas”. Se transformamos um pensamento em obsessão, é porque decidimos que aquilo é essencial — quando, na verdade, não é. A obsessão, nesse caso, seria uma falsa atribuição de valor.

Já Nietzsche, com sua verve provocadora, vê a obsessão de outra forma: como um sinal de vontade de potência. Para ele, as obsessões podem ser expressões intensas da nossa força vital, desde que não nos dominem de maneira destrutiva. Um artista obcecado por sua obra, por exemplo, pode estar realizando uma forma elevada de existência — vivendo com intensidade. Nietzsche não prega equilíbrio, mas transbordamento. O problema, segundo ele, é quando a obsessão vem da fraqueza, da tentativa de compensar algo que falta em nós. Aí ela vira ressentimento ou vício.

Freud, embora não seja exatamente um filósofo, também entra bem nesse papo. Ele trouxe a noção de "neurose obsessiva", onde a mente se prende a rituais e pensamentos repetitivos para controlar angústias inconscientes. A obsessão seria uma tentativa — falha — de controlar o incontrolável. E isso ecoa em nossa vida cotidiana: trancar a porta cinco vezes, revisar mil vezes uma mensagem antes de enviar, revisar o passado como se pudéssemos reescrevê-lo. Tudo isso para acalmar algo mais profundo.

Em Kierkegaard, as obsessões se aproximam da angústia e do desespero. Ele fala sobre o "desespero de não ser si mesmo" — quando a gente se agarra a uma ideia, uma imagem ou uma expectativa como forma de escapar de quem realmente é. A obsessão, nesse contexto, é fuga. É uma âncora ilusória no meio do mar revolto da existência.

E no cotidiano?

Tem a pessoa que checa o celular a cada dois minutos para ver se aquela mensagem chegou. O vizinho que não consegue parar de falar do mesmo problema com o chefe. A amiga que revive todos os dias uma discussão de cinco anos atrás. As obsessões nos cercam — e às vezes, nos conduzem.

Mas talvez a pergunta não seja “como eliminar a obsessão?”, e sim: o que ela está tentando nos dizer?

Como dizia Simone Weil, "a atenção verdadeira é uma forma de amor". Talvez nossas obsessões sejam formas tortas de atenção. E se as ouvirmos com cuidado — sem nos rendermos a elas, mas também sem expulsá-las com brutalidade — possamos transformá-las em algo mais: compreensão, criação, ou, quem sabe, paz.