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segunda-feira, 9 de junho de 2025

Fala porque pensa

Vamos falar sobre a origem do dizer e o silêncio que pensa

Já reparou que, às vezes, ficamos em silêncio, mas estamos cheios de ideias? Uma conversa pode estar parada por fora, mas por dentro mil pensamentos correm. Não estamos sempre dizendo tudo o que passa. Na verdade, quase nunca dizemos. O que chamamos de fala é só a ponta do iceberg do que se passa na mente.

E se for isso mesmo? Se a fala vier depois do pensamento — como uma tentativa de tradução imperfeita do que já se formou antes? Nesse ensaio, a proposta é considerar o contrário do que se costuma afirmar em certos círculos neurolinguísticos contemporâneos: não pensamos porque falamos, mas falamos porque pensamos.

O pensamento silencioso

Muitas de nossas decisões mais profundas são tomadas sem palavras. Você acorda e sabe que está triste — antes mesmo de conseguir explicar por quê. Há uma camada pré-verbal da consciência, cheia de imagens, sensações, intuições. A linguagem, nesse cenário, não é a origem do pensamento, mas um instrumento para compartilhá-lo com o outro (e, às vezes, consigo mesmo).

Descartes, no famoso penso, logo existo, não disse falo, logo penso. O pensamento é a base da subjetividade. É anterior à fala, mais amplo e mais sutil. O filósofo Henri Bergson defendia que a consciência excede a linguagem — que pensar é como nadar em um mar interno, enquanto falar é escolher uma garrafinha para conter o oceano.

Linguagem como casca do pensamento

Quantas vezes já sentimos algo que não conseguimos dizer? Ou percebemos que, ao tentar explicar uma ideia, ela se esvazia? Isso revela que a linguagem é um instrumento limitado frente à riqueza do pensamento. Falamos, sim, mas porque algo já foi fermentado antes. O pensamento é o forno; a fala, o pão assado.

O psicólogo suíço Jean Piaget argumentava que a linguagem é uma consequência do desenvolvimento cognitivo, e não sua causa. Para ele, a criança pensa antes de falar — e vai aprendendo a colocar em palavras o que já está se formando como raciocínio interno.

Quando a fala atrapalha

Num mundo ruidoso, talvez falar demais atrapalhe o pensamento. Distrações verbais, conversas vazias, impulsos de dizer antes de refletir — tudo isso pode desfigurar a verdadeira linha do pensamento. Um tuíte mal pensado, uma resposta impensada: palavras saem, mas não vieram do pensar, vieram da pressa.

Se fosse verdade que a fala cria o pensamento, todo mundo que fala muito pensaria melhor. Mas não é o que se vê. Pensar exige silêncio. A fala boa vem depois. Como o escritor que reescreve mil vezes antes de publicar. Como o sábio que ouve mais do que fala.

Pensar é mais que dizer

A mente humana é capaz de pensar com imagens, sons, metáforas internas, simulações motoras. Quando antecipamos um futuro possível, quando lembramos de um cheiro da infância, ou quando visualizamos um projeto de vida — nada disso precisa, necessariamente, da linguagem articulada.

A neurociência apoia essa pluralidade de formas de pensar. Antes da ativação das áreas verbais, há estímulos em regiões ligadas à emoção (amígdala), ao planejamento (córtex pré-frontal), à imaginação (hipocampo). Ou seja, o pensamento vem primeiro. A linguagem é um filtro — útil, poderoso, mas um filtro.

Fala é ponte, não semente

No fim das contas, falar porque se pensa é reconhecer que a fala não é a fonte da consciência, mas seu veículo. Pensar é existir num espaço íntimo, onde a palavra é convidada, não dona da casa. Só falamos porque temos algo a dizer. E esse algo nasce antes da fala.

Filosoficamente, talvez a fala seja apenas o momento em que o pensamento se arrisca no mundo. Nem todo pensamento vira palavra — e talvez ainda bem. Porque o silêncio também pensa. E, às vezes, é nele que se encontram as ideias mais verdadeiras.

domingo, 25 de maio de 2025

Palavras do Irreal

Não acredite nas palavras, elas não são reais, alguém pode te dizer eu te amo, mas não ser real! As palavras são “realidades”!

Essa frase carrega uma verdade incômoda, mas muito real. As palavras são, por si só, só sons ou letras — símbolos que representam algo, mas não garantem a existência do que dizem. Alguém pode te olhar nos olhos e dizer "eu te amo", mas essa frase pode estar vazia de sentimento, movida por conveniência, hábito ou até manipulação. O problema não está exatamente nas palavras, mas no que falta por trás delas: intenção, coerência, ação.

É como um "sinto muito" dito automaticamente depois de magoar alguém — pode soar educado, mas não necessariamente vem com arrependimento. Ou aquele "vamos marcar algo" que já carrega o vazio do "nunca vai acontecer". Palavras são “realidades”.

Na filosofia, Nietzsche desconfiava profundamente da linguagem. Para ele, as palavras são como máscaras — podem revelar algo, mas também esconder. Em Além do Bem e do Mal, ele escreve que “todo conceito vem ao mundo com uma ilusão”, pois tentamos fixar com palavras algo que é sempre fluido.

No cotidiano, isso acontece muito. Quando alguém diz "está tudo bem" mas o olhar está perdido, ou "não me importo" quando claramente se importa. Por isso, talvez seja mais sábio observar os gestos, os silêncios, os pequenos rituais de cuidado que não se anunciam com frases prontas.

Palavras são importantes, sim. Mas, sozinhas, não bastam. Como dizia Guimarães Rosa: "as pessoas não morrem, ficam encantadas". Assim também são as palavras verdadeiras — encantam, porque estão cheias de presença, mesmo quando são poucas.

O amor, por exemplo, se diz muito melhor num gesto simples — como lembrar o tipo de chá favorito da pessoa — do que num "eu te amo" dito por inércia.

Então, sim: não acredite cegamente nas palavras. Observe se há vida nelas.

Mas vamos ampliar a reflexão com essa pergunta poderosa: se as palavras não são confiáveis, como então enxergar o real? Como tocar a verdade num mundo que fala demais?

A resposta pode estar num lugar mais silencioso: a escuta. Mas não a escuta do que o outro diz — e sim do que o outro é. Ver o real exige observar o que não precisa ser dito. O corpo fala, os olhos falam, os gestos têm uma linguagem mais fiel do que qualquer frase ensaiada.

Pensa nas vezes em que alguém te abraçou sem dizer nada, mas você sentiu que ali havia verdade. Ou quando alguém te escutou de verdade — não interrompendo, não opinando, só estando presente. Isso é mais raro que um "eu te amo", mas talvez muito mais verdadeiro.

A filósofa Simone Weil dizia que "a atenção pura, sem mistura, é oração". E talvez seja isso: a alternativa às palavras é a atenção. Quem vê com atenção, vê o real. Quem escuta com o corpo inteiro, capta o que está por trás do discurso. A presença verdadeira, silenciosa e sem artifícios, tem uma força quase mística.

No dia a dia, isso significa tirar o foco do que se ouve e colocar no que se percebe. Como a pessoa age quando ninguém está olhando? Como ela trata quem não pode lhe oferecer nada? Como se move quando não está tentando impressionar?

A verdade é muitas vezes tímida, discreta, quase muda. E quem se apressa com palavras demais, quase sempre passa por cima dela sem perceber.

Então, se as palavras são duvidosas, a alternativa é sentir mais do que ouvir. Observar mais do que perguntar. Silenciar um pouco dentro de si para que o real tenha espaço de aparecer, e acima de tudo olhar para pessoa na sua totalidade.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Clima de Opinião

Uma Reflexão Filosófica Inspirada em W. H. Auden

Wystan Hugh Auden, poeta britânico do século XX, capturou em sua obra a complexidade da experiência humana frente ao contexto histórico, social e político. Um de seus conceitos que desperta interesse é o "clima de opinião," expressão que sintetiza as forças invisíveis que moldam nossas perspectivas coletivas e individuais. Como o ar que respiramos, este clima permeia nossas vidas, determinando o que parece razoável ou absurdo, aceitável ou transgressor.

Mas o que exatamente é o "clima de opinião"? E como ele afeta a nossa maneira de ser e agir?

O Invisível que Constrói o Real

Auden usava o termo para se referir ao conjunto de ideias, crenças e sentimentos que pairam no espírito de uma época. Não se trata apenas de uma opinião individual ou isolada, mas de um consenso tácito que configura o pano de fundo de nossas decisões cotidianas. Tal clima pode ser tão envolvente que sequer nos damos conta de sua presença — como peixes que não percebem a água em que nadam.

Pense, por exemplo, na aceitação quase automática de certos hábitos de consumo: a necessidade de um smartphone de última geração, o ritmo acelerado do trabalho ou mesmo os padrões de beleza promovidos pelas redes sociais. Cada um desses elementos parece natural em nosso tempo, mas são, na verdade, manifestações do "clima de opinião."

A Filosofia no Vento da Mudança

O filósofo francês Michel Foucault oferece uma perspectiva complementar ao de Auden, analisando como discursos moldam o que consideramos verdadeiro ou falso. Para Foucault, o clima de opinião não é neutro; ele é carregado de relações de poder. O que prevalece em uma época como "verdade" muitas vezes serve para legitimar certas práticas e marginalizar outras.

Um exemplo histórico claro está na transição das ideias sobre saúde mental. Durante o século XIX, práticas como a lobotomia eram consideradas aceitáveis porque estavam inseridas no clima de opinião da época, que naturalizava a objetificação do paciente. Hoje, esse tipo de intervenção seria visto como um absurdo.

Do Pessoal ao Coletivo: Situações do Cotidiano

No dia a dia, o clima de opinião aparece de maneiras sutis, mas impactantes. Imagine-se em uma roda de amigos onde todos comentam sobre a última série da moda. A pressão para estar atualizado, ainda que silenciosa, reflete como o clima molda até mesmo nossos lazeres. Ou então, em situações de trabalho, quando alguém questiona as metas inalcançáveis da empresa, frequentemente é silenciado pelo "é assim que as coisas são."

Mesmo decisões aparentemente triviais, como o que vestir, podem ser influenciadas por esse ambiente compartilhado. Por que calças rasgadas eram consideradas rebeldes nos anos 90 e hoje são um item mainstream? A resposta está no vento cultural que sopra e ressoa em nossas escolhas.

Reflexão e Resistência

Mas será possível resistir ao clima de opinião? Auden não parecia acreditar na possibilidade de escapar completamente, mas nos alertava para a importância de refletir criticamente sobre o ar que respiramos. Ao nos tornarmos conscientes dos ventos que nos cercam, podemos pelo menos escolher como navegar.

A filósofa brasileira Marilena Chaui também enfatiza a necessidade de desnaturalizar o que nos é apresentado como óbvio. Segundo ela, "a ideologia opera fazendo com que o social pareça natural." Assim, cabe a cada um de nós cultivar uma atitude crítica que desafie os consensos estabelecidos.

O clima de opinião é, ao mesmo tempo, uma força formadora e uma armadilha. Ele nos conecta ao espírito de nosso tempo, mas também limita nossa visão do que é possível. Inspirados por Auden, devemos aprender a perceber o invisível, questionar o inquestionável e, acima de tudo, lembrar que o vento das ideias pode mudar — e nós, como navegantes, temos o poder de ajustar nossas velas.

Que tipo de clima queremos respirar amanhã? Essa é a questão que Auden, e tantos outros pensadores, nos convidam a enfrentar. A Filosofia está ai para nos ajudar a refletir.