Não é sempre que a gente se pergunta “o que é o ser?”, e talvez por isso mesmo seja uma pergunta tão esquecida. Martin Heidegger, em sua obra Ser e Tempo (Sein und Zeit, 1927), faz justamente isso: resgata essa pergunta esquecida que está, no fundo, por trás de todas as outras. Não é "o que são as coisas", mas o que é o próprio ser das coisas — e principalmente o nosso.
Mas
calma, não precisa já puxar o dicionário de filosofia. Vamos sentar, tomar um cafezinho
e ver como isso aparece na nossa vida comum.
1.
Dasein: o ser que se pergunta sobre o ser
Heidegger
não usa "ser humano". Ele prefere a palavra Dasein, que em
alemão quer dizer algo como “ser-aí” — o ser que está lançado no mundo e que tem
consciência da própria existência.
Um
exemplo simples: você está na fila do supermercado, olhando para o teto, e do
nada te vem a pergunta: “O que eu tô fazendo com a minha vida?”
Esse
momento de desconforto, em que o mundo perde um pouco do automático, é o Dasein
sentindo que há algo mais fundamental em jogo. Não é só pagar as compras — é
perceber que se está existindo.
2.
Ser-no-mundo: não somos coisas isoladas
Para
Heidegger, a gente nunca é um ser fechado em si. A gente é ser-no-mundo:
sempre em relação com outras pessoas, objetos, tarefas. Você não é você
sozinho, mas você com seu celular, com seu trabalho, com seus afetos, com o
alarme que tocou hoje cedo.
Por
exemplo: um marceneiro não vê um martelo como um objeto teórico, mas como uma
extensão do seu fazer. É assim que vivemos o mundo — em uso, em relação, em
prática. Só quando algo quebra (como o Wi-Fi que cai no meio da reunião) é
que percebemos que estávamos fluindo com as coisas.
3.
A queda no cotidiano e o impessoal
No
cotidiano, a gente vive no "se":
—
"Se faz assim."
—
"Se trabalha demais."
—
"Se casa antes dos trinta."
É
o que Heidegger chama de queda no impessoal. A gente vive como “todo
mundo vive”, sem se perguntar se aquilo faz sentido para a gente.
É
como entrar no ônibus errado porque todo mundo estava entrando — e depois
perceber que você nem sabia pra onde queria ir.
4.
Angústia e autenticidade
Quando
tudo vai bem, vivemos como se a vida fosse eterna. Mas às vezes, bate a angústia
— não medo de algo específico, mas aquela sensação de que tudo perdeu o
sentido. É como se a vida mostrasse: “Ei, você vai morrer. E só você pode
viver a sua vida.”
Essa
angústia, segundo Heidegger, pode ser um presente: ela revela a possibilidade
de viver de forma autêntica, ou seja, assumindo o próprio destino, e
não só seguindo o fluxo do “se”.
5.
Ser-para-a-morte: a finitude como chave
A
gente vive fingindo que a morte é dos outros. Mas Heidegger insiste: somos seres-para-a-morte.
Isso não é pessimismo — é clareza.
Saber
que vamos morrer dá peso e liberdade às escolhas. A vida não é um
ensaio. Cada manhã é um palco real.
Exemplo?
Aquela conversa que você não teve, aquele curso que você adiou, aquele perdão
que nunca deu. Tudo isso se torna mais urgente quando você lembra que o tempo
escorre.
Vamos
Finalizando com o cafezinho e a conversa: não é sobre saber mais, mas sobre ser
melhor
Ser
e Tempo não quer te dar respostas, mas te provocar. Heidegger
não ensina fórmulas de sucesso, mas mostra que viver exige coragem para
perguntar o que se é — e o que se quer ser.
E
talvez, só talvez, ao fazer isso, a gente aprenda a viver de um modo mais
verdadeiro. Nem que seja começando pelo café de amanhã — tomado não por hábito,
mas por escolha.