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sexta-feira, 30 de maio de 2025

Ser e Tempo

Não é sempre que a gente se pergunta “o que é o ser?”, e talvez por isso mesmo seja uma pergunta tão esquecida. Martin Heidegger, em sua obra Ser e Tempo (Sein und Zeit, 1927), faz justamente isso: resgata essa pergunta esquecida que está, no fundo, por trás de todas as outras. Não é "o que são as coisas", mas o que é o próprio ser das coisas — e principalmente o nosso.

Mas calma, não precisa já puxar o dicionário de filosofia. Vamos sentar, tomar um cafezinho e ver como isso aparece na nossa vida comum.

1. Dasein: o ser que se pergunta sobre o ser

Heidegger não usa "ser humano". Ele prefere a palavra Dasein, que em alemão quer dizer algo como “ser-aí” — o ser que está lançado no mundo e que tem consciência da própria existência.

Um exemplo simples: você está na fila do supermercado, olhando para o teto, e do nada te vem a pergunta: “O que eu tô fazendo com a minha vida?”

Esse momento de desconforto, em que o mundo perde um pouco do automático, é o Dasein sentindo que há algo mais fundamental em jogo. Não é só pagar as compras — é perceber que se está existindo.

2. Ser-no-mundo: não somos coisas isoladas

Para Heidegger, a gente nunca é um ser fechado em si. A gente é ser-no-mundo: sempre em relação com outras pessoas, objetos, tarefas. Você não é você sozinho, mas você com seu celular, com seu trabalho, com seus afetos, com o alarme que tocou hoje cedo.

Por exemplo: um marceneiro não vê um martelo como um objeto teórico, mas como uma extensão do seu fazer. É assim que vivemos o mundo — em uso, em relação, em prática. Só quando algo quebra (como o Wi-Fi que cai no meio da reunião) é que percebemos que estávamos fluindo com as coisas.

3. A queda no cotidiano e o impessoal

No cotidiano, a gente vive no "se":

"Se faz assim."

"Se trabalha demais."

"Se casa antes dos trinta."

É o que Heidegger chama de queda no impessoal. A gente vive como “todo mundo vive”, sem se perguntar se aquilo faz sentido para a gente.

É como entrar no ônibus errado porque todo mundo estava entrando — e depois perceber que você nem sabia pra onde queria ir.

4. Angústia e autenticidade

Quando tudo vai bem, vivemos como se a vida fosse eterna. Mas às vezes, bate a angústia — não medo de algo específico, mas aquela sensação de que tudo perdeu o sentido. É como se a vida mostrasse: “Ei, você vai morrer. E só você pode viver a sua vida.”

Essa angústia, segundo Heidegger, pode ser um presente: ela revela a possibilidade de viver de forma autêntica, ou seja, assumindo o próprio destino, e não só seguindo o fluxo do “se”.

5. Ser-para-a-morte: a finitude como chave

A gente vive fingindo que a morte é dos outros. Mas Heidegger insiste: somos seres-para-a-morte. Isso não é pessimismo — é clareza.

Saber que vamos morrer dá peso e liberdade às escolhas. A vida não é um ensaio. Cada manhã é um palco real.

Exemplo? Aquela conversa que você não teve, aquele curso que você adiou, aquele perdão que nunca deu. Tudo isso se torna mais urgente quando você lembra que o tempo escorre.

Vamos Finalizando com o cafezinho e a conversa: não é sobre saber mais, mas sobre ser melhor

Ser e Tempo não quer te dar respostas, mas te provocar. Heidegger não ensina fórmulas de sucesso, mas mostra que viver exige coragem para perguntar o que se é — e o que se quer ser.

E talvez, só talvez, ao fazer isso, a gente aprenda a viver de um modo mais verdadeiro. Nem que seja começando pelo café de amanhã — tomado não por hábito, mas por escolha.


domingo, 16 de março de 2025

Um Paradoxo Existencial

A Solidão no Mundo Conectado

Se alguém dissesse, há algumas décadas, que no futuro estaríamos todos conectados o tempo inteiro, compartilhando pensamentos, imagens e sentimentos em tempo real, talvez imaginássemos um mundo sem solidão. No entanto, aqui estamos, no auge da hiperconectividade, e nunca estivemos tão solitários. Há algo de paradoxal nisso, uma ironia cruel: quanto mais redes, mais fios invisíveis nos ligam a outros, mais nos sentimos isolados.

O problema talvez resida na qualidade dessa conexão. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han já alertava que o excesso de exposição e a lógica da performance esvaziam o sentido do vínculo humano. O que chamamos de "conexão" muitas vezes não passa de uma troca superficial, onde a presença do outro se torna um dado estatístico, uma notificação, um nome na lista de contatos. Assim, a solidão que enfrentamos não é a ausência de pessoas, mas a ausência de profundidade no encontro.

A vida contemporânea transformou a solidão em um tabu. O indivíduo solitário é visto como fracassado, alguém que não conseguiu se inserir no grande fluxo das interações sociais. No entanto, grandes pensadores, de Nietzsche a Clarice Lispector, já sugeriam que a solidão também é espaço de encontro consigo mesmo. Mas qual solidão estamos vivendo? Aquela que fortalece ou aquela que anula?

Talvez o verdadeiro paradoxo seja este: para escapar da solidão, nos jogamos em redes que, ao invés de nos acolherem, nos fragmentam ainda mais. Corremos o risco de confundir comunicação com comunhão, de acreditar que um “curtir” equivale a um olhar, que um emoji substitui o tom de voz de uma conversa.

Se há uma saída para esse labirinto, ela talvez passe pela redescoberta do silêncio e da presença real. Precisamos reaprender a estar sozinhos sem que isso nos aniquile, e a estar com os outros de forma genuína, sem que isso nos esgote. Como diria N. Sri Ram, a solidão verdadeira não é estar sem companhia, mas estar desconectado de si mesmo.

Afinal, de que adianta mil conexões se não conseguimos nos conectar ao essencial?

 


domingo, 8 de dezembro de 2024

Uma Ilha

Quando abri "Ninguém é uma Ilha" pela primeira vez, senti como se Thomas Merton estivesse conversando diretamente comigo. Imaginei-me sentado com ele em um café tranquilo, onde ele, com sua sabedoria calma e profunda, compartilhava insights sobre a interconexão humana e a busca pela verdadeira espiritualidade. Esse livro é uma coleção de ensaios que desafiam a ideia de que podemos viver isolados, destacando a necessidade de comunidade e a importância das relações humanas em nossa vida espiritual.

Quem foi Thomas Merton?

Thomas Merton, um monge trapista e escritor prolífico, é uma das figuras mais influentes na literatura espiritual do século XX. Ele nasceu em 1915, em Prades, França, e passou grande parte de sua vida adulta nos Estados Unidos. Merton entrou na Abadia de Gethsemani, no Kentucky, onde viveu como monge, escrevendo sobre temas espirituais, sociais e inter-religiosos. Sua escrita é conhecida por ser profundamente introspectiva e acessível, tocando a vida de muitas pessoas ao redor do mundo.

Aplicando "Ninguém é uma Ilha" no Cotidiano

Na fila do supermercado

Imagine-se na fila do supermercado, observando as pessoas ao seu redor. Cada uma com suas preocupações, pensamentos e histórias. Merton nos lembra que, embora possamos nos sentir isolados em nossos próprios mundos, estamos todos conectados. A mulher à sua frente pode estar lidando com um desafio que você jamais imaginou. O caixa pode estar enfrentando um dia difícil. Reconhecer essa interconexão pode nos tornar mais pacientes e compassivos.

No trânsito caótico

Em um engarrafamento, é fácil sentir-se frustrado e isolado, mas Merton nos convida a ver além do nosso carro e perceber que todos ali estão compartilhando a mesma experiência. Talvez o motorista ao lado esteja atrasado para um compromisso importante, ou a pessoa no carro atrás esteja simplesmente tentando chegar em casa para ver a família. Entender que "ninguém é uma ilha" pode transformar nossa percepção e reduzir nosso estresse.

No ambiente de trabalho

No trabalho, é comum sentir-se sozinho em suas responsabilidades e desafios. Merton nos encoraja a ver nossos colegas como companheiros de jornada. Trabalhar em equipe, oferecer ajuda e estar aberto para receber apoio pode transformar um ambiente competitivo em uma comunidade colaborativa. Essa abordagem não só melhora a produtividade, mas também enriquece nossas relações e nossa própria satisfação no trabalho.

Nas redes sociais

Vivemos em uma era digital onde a conexão é constante, mas a verdadeira conexão humana muitas vezes falta. Merton nos desafia a usar as redes sociais como um meio de construir relações genuínas e significativas, em vez de nos perdermos em comparações e superficialidades. Compartilhar nossas experiências, apoiar nossos amigos e buscar interações autênticas pode transformar a maneira como nos relacionamos online.

"Ninguém é uma Ilha" é mais do que uma leitura espiritual; é um guia para vivermos de forma mais consciente e conectada. Thomas Merton nos lembra que a verdadeira espiritualidade não é alcançada em isolamento, mas sim em comunidade, em nossas interações diárias e em nossa capacidade de ver o outro como parte de nós mesmos.

Então quando você se sentir isolado ou desconectado, lembre-se das palavras de Merton e busque as conexões ao seu redor. Seja gentil na fila do supermercado, paciente no trânsito, colaborativo no trabalho e autêntico nas redes sociais. Afinal, ninguém é uma ilha, e é na interconexão que encontramos nosso verdadeiro eu.

Sugestão de leitura: Merton, T. “Homem Algum é Uma Ilha”. Trad. D. Timóteo Amoroso Anastácio. 23.ed. Rio de Janeiro. Petra.2021