Numa manhã gelada deste inverno sorvia um mate, acredite, sol no rosto, vento gelado e fraco, frente ao mar em Garopaba, entre um mate e outro minha imaginação como sempre tamborilava na mente, foi quando senti a presença de mais alguém sentado ao meu lado, era a figura do velho Wittgenstein, enquanto enchia a cuia com agua quente, pensei: por que não bater um papo com ele? em português, é claro, então resolvi fazer, talvez a única pergunta que lhe faria algum sentido:
—
Herr Wittgenstein, posso lhe fazer uma pergunta?
—
Pode tentar. Mas lembre-se: muitas vezes, o que parece uma pergunta é apenas um
nó na linguagem.
—
É sobre isso, justamente. Há um problema que me inquieta há anos: qual é o
sentido da vida?
(Wittgenstein
fica em silêncio por um momento, observando o vapor que saia de dentro da cuia,
como se a resposta estivesse ali.)
—
Você quer uma resposta… ou quer que o problema desapareça?
—
Bem, acho que quero entendê-lo.
—
Entendê-lo é deixar de vê-lo como problema. Veja: você procura um sentido, como
quem procura um objeto perdido. Mas talvez seja como tentar encontrar a moldura
enquanto olha de dentro do quadro.
—
Quer dizer que o problema está mal colocado?
—
Ele está mal vivido. O problema não está no mundo. O mundo é o que é. O
problema é o modo como você olha para ele esperando que ele fale algo que
ele não sabe dizer.
—
Então o sentido da vida não está no mundo?
—
Exato. O sentido, se existe, está fora do mundo. Ou melhor: está no modo
como você habita o mundo. É como a fé. Não é algo que se prova, mas
que se vive.
—
Isso é bonito, mas também meio frustrante. Eu queria uma resposta.
(Wittgenstein
sorri com um certo cansaço austríaco.)
—
Você quer uma resposta como quem quer uma chave para abrir a porta. Mas talvez
a porta nunca tenha estado trancada.
—
E o que faço, então?
—
Olhe em volta. Veja como as palavras agem. Veja como as perguntas nascem. Veja
como vive quem não se pergunta isso. A filosofia, meu caro, não resolve enigmas
— ela mostra que o enigma era uma ilusão feita com palavras.
(Pausa.
Ele toma um gole do mate que ofereci a ele.)
—
Sabe, às vezes penso que filosofar é como desfazer um nó — mas o nó é feito com
o próprio fio da nossa linguagem.
—
E o que sobra depois que o nó é desfeito?
—
O fio. Simples, contínuo, silencioso.
(E
nos calamos. Pela primeira vez, parecia que estávamos dizendo alguma coisa.)