Um colapso que começa nas rachaduras invisíveis
A
crise social não é uma explosão repentina. É mais como uma infiltração lenta
por entre as frestas da convivência — uma torneira que pinga por anos até que o
teto desabe. Ela começa pequena: na indiferença ao outro, na desigualdade
aceita como natural, no preconceito travestido de piada, no desânimo com a
política, na desconfiança generalizada.
No
cotidiano, sentimos seus sintomas quando a violência aumenta, mas também quando
os vizinhos deixam de se cumprimentar. Quando os ônibus atrasam por dias e
ninguém mais reclama. Quando o jovem olha para o futuro e vê apenas um emprego
instável e um aluguel caro. Quando a escola pública perde professores porque
adoeceram — não do corpo, mas da alma.
A
crise social é, em grande parte, a consequência de vínculos rompidos. Não só
entre pessoas, mas entre pessoas e instituições. Quando as regras do jogo não
valem para todos, a sociedade adoece. Quando o mérito substitui a solidariedade
como único critério de valor, muitos são deixados para trás.
O
sociólogo Zygmunt Bauman dizia que vivemos tempos líquidos — nada é
feito para durar, nem os relacionamentos, nem os empregos, nem os compromissos
com o outro. E uma sociedade sem estruturas sólidas se torna vulnerável ao
colapso. A crise social, portanto, é menos um terremoto e mais uma erosão.
Mas
nem tudo é ruína. Crises também revelam. Revelam injustiças que precisam ser
vistas, e abrem espaço para novas formas de organização. Muitos coletivos,
movimentos sociais, redes de solidariedade surgem justamente nesses períodos,
mostrando que, mesmo diante do abismo, ainda podemos escolher construir pontes.
Em
tempos de crise social, a pergunta mais urgente talvez seja: como queremos
viver juntos? Porque a saída — se houver — não será individual. Será,
necessariamente, coletiva.
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