Estava refletindo a respeito do fluxo da vida das pessoas dentro de um condomínio, as regras são necessárias para estabelecer a boa convivência, portanto a submissão desta comunidade as regras farão com que a convivência seja harmônica, mas será que a submissão a todas as regras são uma coisa saudável? A submissão da comunidade é um tema intrigante e pode ser abordado de diferentes ângulos, desde a forma como os indivíduos se ajustam às normas e regras coletivas até a questão de até que ponto a liberdade individual pode ser comprometida em nome do bem comum. Vamos refletir sobre esse tema no contexto da vida cotidiana e da filosofia.
O indivíduo e o coletivo
Viver em comunidade implica em seguir certos
códigos, valores e normas estabelecidos, seja em um bairro, uma escola, um
grupo de trabalho ou uma cidade inteira. Esses padrões de comportamento não são
sempre explicitamente ditados, mas estão presentes nas expectativas que temos
uns dos outros. A submissão da comunidade pode, à primeira vista, parecer uma
forma de anulação do indivíduo, mas será que essa ideia faz justiça ao
fenômeno?
Tomemos como exemplo uma situação do cotidiano:
morar em um condomínio. Ali, cada morador tem suas preferências e modos de
vida, mas também existem regras — horários para uso das áreas comuns,
regulamentos sobre barulho, normas de convivência. A submissão a essas normas
não é, necessariamente, uma negação de si mesmo. Ela é vista por muitos como um
acordo social, uma forma de garantir que todos possam conviver com o mínimo de
atrito. No entanto, há um ponto em que essas regras podem sufocar o indivíduo,
forçando-o a se ajustar a padrões que não fazem sentido para ele.
Esse ajuste, quando forçado e sem questionamento, é
onde surge o perigo de uma submissão nociva, uma que leva à alienação. O
filósofo Jean-Jacques Rousseau falava da ideia de "vontade geral," em
que a submissão ao coletivo deveria, em tese, representar o interesse de todos.
Mas o próprio Rousseau reconhecia o risco de que a vontade coletiva pudesse se
tornar opressiva, apagando as necessidades individuais em nome de um suposto
bem comum.
Submissão ou cooperação?
Há uma linha tênue entre submissão e cooperação.
Cooperar implica em reconhecer que, em certos momentos, o bem coletivo é mais
importante que a satisfação individual imediata. Isso é essencial para a vida
em sociedade. Voltando ao exemplo do condomínio: respeitar o horário de
silêncio pode parecer uma submissão aos caprichos de uma norma, mas é, em
essência, um gesto de respeito pelo outro. No entanto, essa cooperação só faz
sentido se houver uma reciprocidade — quando todos contribuem, a vida em comunidade
torna-se mais harmoniosa.
Um pensador brasileiro que contribui para essa
discussão é Milton Santos, que enfatizava o conceito de cidadania ativa. Para
ele, a verdadeira participação comunitária envolve não apenas seguir regras,
mas engajar-se criticamente nelas, questionando-as quando necessário e buscando
uma transformação que beneficie a todos. Nesse sentido, a submissão da
comunidade só se torna válida quando os indivíduos têm voz ativa e estão
dispostos a questionar o status quo.
O paradoxo da liberdade em comunidade
A verdadeira liberdade, ao contrário do que muitos
pensam, não é a ausência total de restrições, mas sim a capacidade de viver em
comunidade de maneira justa, sem abrir mão da individualidade. O filósofo
Isaiah Berlin falava de dois tipos de liberdade: a "liberdade
negativa" (ausência de interferência) e a "liberdade positiva"
(a capacidade de ser seu próprio mestre). Em uma comunidade, muitas vezes
precisamos ceder um pouco da liberdade negativa — abrir mão de certos desejos
imediatos — para garantir uma convivência mais justa, o que pode aumentar nossa
liberdade positiva.
Link Café Filosófico: https://www.youtube.com/watch?v=vU5vnUrVO6Y
A submissão comunitária pode, então, ser vista sob
duas óticas. Quando feita de maneira consciente, participativa, ela pode ser um
caminho para a verdadeira cooperação e liberdade. No entanto, quando se
transforma em uma obediência cega, em uma aceitação acrítica das normas e
convenções, ela pode se tornar opressiva, anulando a individualidade e
sufocando o potencial criativo dos seus membros.
A submissão da comunidade não é um conceito unívoco. Ela pode ser tanto um ato de respeito mútuo quanto uma armadilha para a liberdade individual. A chave está em encontrar o equilíbrio, em saber quando é necessário ceder e quando é preciso resistir. O ideal seria que cada membro de uma comunidade pudesse colaborar de forma ativa e consciente, transformando as regras em ferramentas de convivência, e não em correntes que limitam suas vidas.
Assim, viver em comunidade é uma arte, uma dança contínua entre o eu e o nós, onde a submissão não deve ser encarada como uma derrota, mas como uma oportunidade de criar algo maior do que a soma das partes — desde que cada um tenha a chance de contribuir de forma autêntica e questionadora.