Outro dia, enquanto escolhia entre café filtrado ou expresso, percebi que a escolha já não era minha. O gosto, a necessidade do momento e até o ambiente onde eu estava pareciam determinar minha decisão antes mesmo que eu refletisse sobre ela. Foi aí que pensei em Hegel: será que a verdadeira liberdade não está na compreensão do que já nos determina? E, mais do que isso, o que significa ser determinado e ter determinidade?
No
pensamento hegeliano, determinação (Bestimmung) e determinidade (Bestimmtheit)
são conceitos fundamentais na lógica do ser. Determinação é o processo pelo
qual algo se define em relação ao que não é, enquanto determinidade é o estado
resultante desse processo, a identidade de algo enquanto algo específico. O que
parece paradoxal é que, ao sermos determinados, também nos tornamos mais
livres. Mas como isso funciona?
Para
Hegel, a liberdade não é um estado de indeterminação absoluta, como se
pudéssemos escolher qualquer coisa a qualquer momento. Pelo contrário,
liberdade é compreender as determinações que nos constituem e agir a partir
delas. Uma semente não é livre para ser qualquer coisa, mas, ao se desenvolver
segundo sua essência, encontra sua verdadeira liberdade como árvore. Assim
também ocorre conosco: não podemos escapar das determinações da cultura, da
história ou das circunstâncias, mas podemos compreendê-las e usá-las para
crescer.
A
grande sacada hegeliana é que tudo o que existe tem sua verdade na relação com
o outro. Ser determinado não é estar aprisionado, mas ser situado. O café que
escolhi não é uma escolha arbitrária, mas um reflexo da minha identidade, que
se constrói em cada pequena decisão. Se tentasse agir de maneira absolutamente
indeterminada, negando todas as influências e condicionantes, acabaria na
inação – um paradoxo que Hegel desmantela em sua dialética.
No
contexto social e político, essa ideia tem implicações profundas. A ilusão de
uma liberdade sem determinação leva a um individualismo estéril, enquanto a
compreensão de nossas determinações nos dá poder sobre elas. O reconhecimento
da própria determinidade permite que nos posicionemos no mundo com consciência,
transformando nossas limitações em possibilidades. Assim, ao invés de fugir
daquilo que nos determina, podemos nos apropriar disso e agir com sentido.
Então,
na próxima vez que parecer que uma escolha já foi feita por você, talvez valha
a pena perguntar: isso me aprisiona ou me define? Afinal, como Hegel nos
ensina, o que nos determina também pode ser aquilo que nos liberta.
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