Olhando para um retrato antigo de um bisavô desconhecido, me veio a pergunta inevitável: quem foi ele, o que pensou, o que sentiu? Se, por um lado, sabemos que a morte é uma realidade inescapável, por outro, algo dessa existência resiste ao tempo. Mas o que exatamente sobrevive? E o que significa ser imortal?
A
resposta desta reflexão fui buscar junto a nosso mentor Hegel na sua dialética
infinita, em sua vastidão especulativa, ele nos oferece uma resposta peculiar.
Para ele, a morte não é apenas um fim, mas um momento necessário na dialética
do espírito. Nada simplesmente desaparece; ao contrário, tudo se transforma e
se eleva em um nível superior de compreensão e desenvolvimento.
Na
Fenomenologia do Espírito, Hegel descreve a morte como um processo de superação
(Aufhebung): uma negação da individualidade finita que, paradoxalmente, permite
sua permanência em uma realidade mais ampla. O indivíduo morre, mas sua
essência — suas ideias, seus atos, sua influência — permanece integrada no
curso do espírito absoluto.
Isso
significa que a imortalidade, na perspectiva hegeliana, não é um prolongamento
infinito da existência individual, mas uma incorporação dessa existência no
todo maior da história e da cultura. Nossa finitude não nos condena ao
esquecimento; pelo contrário, é precisamente a morte que nos insere em um
horizonte mais amplo, onde nosso ser encontra continuidade na consciência
coletiva.
Se
olharmos para os grandes pensadores, artistas ou revolucionários, percebemos
que suas existências singulares desapareceram, mas suas contribuições continuam
vivas. Napoleão, por exemplo, não é apenas um nome nos livros de história; ele
é um momento do próprio desenvolvimento histórico. O mesmo se aplica a qualquer
um de nós: à medida que impactamos o mundo, tornamo-nos parte de uma totalidade
que transcende a nossa presença física.
No
cotidiano, essa ideia se reflete em pequenas imortalidades: um conselho que
damos e que molda a vida de alguém, um gesto de bondade que ecoa através das
gerações, uma lembrança que persiste na memória de outros. A morte, longe de
ser um apagamento absoluto, é um movimento dentro da própria vida do espírito.
Se
aceitarmos essa visão, talvez a angústia da morte se transforme. Em vez de
temê-la como um aniquilamento, podemos vê-la como um processo de transmissão e
continuidade. Somos partes de algo maior, e a nossa imortalidade não está na
repetição infinita da existência, mas na nossa inscrição na história do mundo.
Assim,
ao olhar para o retrato do bisavô, percebemos que ele não desapareceu por
completo. Ele sobrevive, transformado, em nós. A sua presença se refaz no nosso
olhar, nos traços que herdamos, nas histórias que ouvimos sobre ele. A morte,
em seu paradoxo dialético, é também uma forma de permanência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário