Quando a Lógica Quer Brincar de Filosofia...então, nas filas do cotidiano há uma fartura de situações interessantes, eis mais uma.
Outro
dia, na fila do mercado, ouvi um rapaz dizer com convicção: “Todo mundo que
come chocolate fica feliz. Eu comi chocolate. Logo, estou feliz.” E deu algumas
risadas! Na hora, achei engraçado. Mas depois, pensando melhor, percebi que ali
havia um silogismo meio torto, uma tentativa involuntária de organizar o mundo
com lógica. E não é exatamente isso que fazemos o tempo todo? Tentamos entender
a vida encaixando coisas em pequenas fórmulas, como se fossem peças de LEGO. Só
que nem sempre o castelo que montamos se sustenta.
O
silogismo, do modo clássico, é uma forma de raciocínio dedutivo. Aristóteles o
formalizou: uma premissa maior, uma premissa menor e uma conclusão. Por
exemplo:
- Todo homem é mortal.
- Sócrates é homem.
- Logo, Sócrates é mortal.
Simples,
elegante, racional. Mas a questão é: a vida cabe nesse tipo de raciocínio? Ou
melhor, quantos erros profundos de julgamento nascem justamente de silogismos
bem montados, porém com premissas equivocadas?
Todo
sucesso é fruto de esforço. João se esforçou. Logo, João terá sucesso.
Essa conclusão, apesar de parecer justa, muitas vezes falha. E é aí que começa
a nossa provocação.
Quando
a razão tropeça no próprio salto
O
filósofo Theodor Adorno dizia que a razão instrumental — aquela que organiza,
mede e calcula — pode se transformar em uma armadilha. O silogismo, ferramenta
pura da razão, às vezes ignora a textura da realidade. Ele presume uma verdade
universal na primeira premissa, e esse é o ponto cego.
Todo
político mente. Fulano é político. Logo, Fulano mente.
Essa
forma de pensar fecha a porta para a singularidade, para a exceção, para o
imprevisto. Vira um jogo lógico com ares de sentença moral.
O
perigo da lógica em série
Vivemos
tempos em que os silogismos correm soltos nas redes sociais. Há sempre alguém
dizendo:
Se você discorda de mim, é porque está mal informado. Você discorda de mim.
Logo, está mal informado.
É
um tipo de lógica travestida de arrogância. Ela não convida à conversa; ela
elimina o outro com uma estrutura que parece racional, mas é emocionalmente
autoritária. O silogismo virou meme, virou julgamento sumário, virou algoritmo
mental.
A
beleza de quebrar o formato
Mas
e se usássemos o silogismo para algo mais criativo? Algo mais filosófico? O
pensador francês Gaston Bachelard dizia que o conhecimento não avança por
continuidade, mas por rupturas. Então, por que não imaginar silogismos
paradoxais?
- Toda certeza cansa.
- Os sábios são cheios de dúvidas.
- Logo, os sábios descansam.
Ou
este:
- Quem ama, escuta o silêncio.
- O silêncio não se explica.
- Logo, o amor não se explica.
Esses
silogismos não são “corretos” no sentido lógico, mas abrem caminhos de
reflexão, como se a lógica tivesse aprendido a dançar. Eles nos fazem pensar
para além da rigidez da forma, tocando um saber que não cabe em fórmulas: a
sabedoria.
O
silogismo é um convite à ordem, à clareza. Mas o mundo não é claro nem
ordenado. Se por um lado ele nos ajuda a organizar ideias, por outro, pode nos
cegar para aquilo que escapa às regras — o poético, o ambíguo, o contraditório.
No
fim das contas, talvez o melhor silogismo seja este:
- Toda lógica tem limites.
- A vida está além dos limites.
- Logo, a vida está além da lógica.
E
se isso não for lógico, talvez seja exatamente por isso que vale a pena pensar
sobre.