Outro dia, voltando para casa, parei no sinal e vi uma senhora sentada na calçada com um cartaz no colo. Nem consegui ler o que dizia. O que me chamou atenção foi o olhar de quem não esperava mais nada. A cidade passava por ela como se fosse uma sombra que não fizesse barulho. Foi ali, no meio do nada cotidiano, que me bateu a pergunta: como a gente aprende a ignorar tanta gente?
Vivemos
cercados de gente invisível. Invisível não porque sumiu, mas porque foi
sumariamente excluída. A exclusão social não é só ausência de renda, de moradia
ou de acesso. É uma arquitetura inteira de não pertencimento, construída aos
poucos, com pequenas demarcações de território: quem pode entrar, quem pode
falar, quem pode ser ouvido.
A
modernidade prometeu inclusão através do progresso. Mas o que ela entregou foi
uma espécie de "conectividade seletiva". Estamos todos na rede, mas
nem todos têm voz. Nem todos têm feed. Para muitos, o mundo digital é só
vitrine — janela pela qual se observa a festa para a qual não foram convidados.
O
sociólogo francês Pierre Bourdieu ajuda a entender essa engrenagem da exclusão
quando propõe o conceito de capital simbólico. Para além do dinheiro ou da
força física, o valor de uma pessoa numa sociedade também depende do prestígio,
do reconhecimento, do saber legitimado. Aqueles que não dominam os códigos
culturais aceitos — a forma certa de falar, vestir, circular — são excluídos
não só materialmente, mas também simbolicamente. A exclusão, assim, não é
apenas um estado social: é um processo de negação contínua, uma marca de
desvalorização que afeta até mesmo a maneira como o sujeito se enxerga.
Do
ponto de vista filosófico, Emmanuel Levinas fala do rosto do outro como o lugar
da ética. Ele nos convida a parar de ver o outro como objeto de análise e a
começar a vê-lo como convocação. O rosto daquele que é excluído não é apenas um
pedido de ajuda — é uma acusação silenciosa, um lembrete de que nosso modelo de
sociedade ainda está devendo muito.
Por
outro lado, podemos pensar com o brasileiro Milton Santos, que dizia que a
globalização poderia ser perversa ou solidária, dependendo de quem a conduz.
Para ele, havia esperança de uma outra racionalidade — uma que não
marginalizasse o diferente, mas o acolhesse como peça fundamental do mosaico
social.
A
exclusão social é, no fundo, um espelho. Ela revela mais sobre quem exclui do
que sobre quem é excluído. Revela nossos medos, nossos apegos à ordem, nossas
crenças em meritocracias frágeis. Enquanto fingimos que a desigualdade é culpa
do indivíduo, poupamos a estrutura.
E
é justamente por isso que a exclusão social precisa ser desmontada como se
desmonta uma armadilha: com cuidado, com escuta, com coragem de admitir que
talvez, por omissão ou costume, tenhamos ajudado a montar esse palco onde uns
poucos dançam enquanto muitos varrem o chão.
No
fim das contas, talvez a verdadeira revolução não comece com grandes discursos,
mas com o simples ato de parar — parar de correr, parar de julgar, parar pra
olhar. E reconhecer, ali na calçada do lado, que ninguém deveria ser invisível
num mundo que se diz humano.