Quando estar junto é instinto, não escolha
Há
dias em que parece que tudo que a gente quer é ficar quieto, sozinho no canto,
longe de barulho e obrigações sociais. Mas basta alguém rir alto na sala ao
lado ou uma roda se formar em torno de uma conversa animada que, sem pensar
muito, somos puxados de volta para perto dos outros. É como se um ímã invisível
nos ligasse aos movimentos do grupo. Por mais que a gente cultive a ideia de
individualidade, há uma força mais antiga que nos comanda: nossa tendência
gregária.
Esse
impulso de estar junto, de formar laços e tribos, não é apenas uma preferência
cultural — é uma necessidade evolutiva. Desde os primeiros agrupamentos
humanos, sobreviver era uma tarefa coletiva. Sozinhos, éramos presas fáceis. Em
grupo, éramos caçadores, cuidadores, contadores de histórias. Até hoje, essa
memória ancestral se inscreve no corpo: nosso sistema nervoso se regula melhor
quando há alguém por perto. Um toque, um olhar, um silêncio compartilhado —
tudo isso nos reorganiza internamente.
O
filósofo espanhol Ortega y Gasset chama a atenção para o fato de que o
“eu” nunca é um sujeito isolado, mas um “eu-com-os-outros”. Em Meditações
sobre o Quixote, ele afirma: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não
a salvo, não me salvo a mim”. Isso quer dizer que nos construímos na
relação com o mundo, e especialmente com as pessoas ao redor. Nossas escolhas,
hábitos e até pensamentos são moldados por esse convívio. A tendência gregária
não é uma fraqueza do indivíduo, mas uma parte essencial do que o constitui.
No
entanto, o perigo está na automatização desse instinto. Em nome do grupo,
silenciamos opiniões, repetimos comportamentos, seguimos fluxos sem pensar. A
gregariedade, quando cega, nos leva a dissolver a responsabilidade pessoal. A
inovação, o questionamento e até o ato de dizer “não” ao grupo, às vezes, são
necessários para que o convívio se torne saudável e não apenas uma zona de
conforto.
Estar
junto é uma força — mas só se o "junto" não engolir o "eu".
Nossas tendências gregárias nos formam, nos protegem e nos curam. Mas, como
toda força, precisam de consciência para não nos arrastar para o rebanho sem
nome.
Talvez
o verdadeiro desafio da vida em comum seja este: manter a chama do encontro
viva, sem apagar a luz própria.
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