O tempo que cai do bolso...
Há
dias em que parece que o tempo escapa como moeda furada do bolso da calça. A
gente começa a manhã com listas mentais, planos, intenções – e quando se dá
conta, é noite e quase nada se salvou do naufrágio das horas. O café esfria, o
livro permanece fechado, o telefonema importante foi adiado mais uma vez. Mas
nem sempre é o cansaço ou a distração que levam o tempo embora. Às vezes é o
tempo mesmo que resolve se perder de nós. Quem disse que ele é nosso, afinal?
Costuma-se
repetir que "tempo é precioso". E talvez este seja o maior truísmo da
filosofia moderna – um clichê que, justamente por ser verdadeiro, ninguém mais
escuta de verdade. Mas... e se o tempo não fosse precioso por ser limitado,
finito ou fugidio? E se o tempo fosse precioso exatamente porque ele não nos
pertence? Porque ele nunca aceitou ser moeda, nem bem acumulável, nem ativo de
investimento?
Pensemos
no seguinte: o tempo não se deixa guardar. Não há cofre de horas, nem carteira
de minutos. Tudo que podemos fazer com o tempo é gastar – e esse gasto é
irreversível. Como dizia Sêneca, "não somos avaros com o que é mais
precioso: desperdiçamos o tempo como se nos sobrasse". Mas ele não sobra.
O que sobra somos nós, tropeçando nos restos do dia, sempre com a sensação de
que o tempo nos deve algo – quando na verdade é o contrário.
Mas
há uma inovação possível nessa maneira de ver o tempo: e se ele fosse menos uma
propriedade e mais um parceiro de dança? Um elemento com o qual se dialoga, não
se possui? O violinista não possui o som: ele o libera, o convoca, o faz
existir no ar. Assim também com o tempo: ele só se manifesta no instante em que
se vive – e esse instante nunca mais volta. O tempo é acontecimento, não
acúmulo.
Na
vida cotidiana, quase todo mundo aprende a lidar com o tempo como quem lida com
um inimigo de relógio na mão. No escritório, na escola, no mercado: o tempo
mede produtividade, organiza agendas, decide o que é "perda" e o que
é "ganho". Mas talvez essa ideia – que o tempo é algo a ser
economizado – seja uma armadilha cultural que esconde a real preciosidade do
tempo: ele é espaço de experiência, não de lucro.
O
filósofo francês Gaston Bachelard dizia que o tempo não é contínuo, mas
feito de "instantes". Cada instante carrega em si uma espessura que o
relógio ignora. Há segundos que valem mais do que horas inteiras. Há tardes
inteiras que não valem nada. A preciosidade do tempo não está na extensão, mas
na intensidade: um minuto de beleza, de amor ou de entendimento pode mudar uma
vida inteira. Por isso o tempo não se mede em quantidade, mas em qualidade –
algo que nossa era digital, de cronômetros, cronogramas e deadlines, insiste em
esquecer.
E
aqui mora a virada mais radical: o tempo só se torna precioso quando deixamos
de tentar possuí-lo. Quando aceitamos que ele nos atravessa, não o contrário.
Quando compreendemos que cada instante é fim em si mesmo – e não um degrau para
outro instante. Os monges zen lavam arroz como quem medita, porque lavar arroz
já é viver. Os amantes conversam longamente porque a conversa já é destino, não
preparação. O tempo não é ponte: é morada.
Talvez
o segredo seja abandonar a obsessão pelo tempo futuro – pelo "tempo
certo", pelo "tempo ideal" – e reconciliar-se com o agora, com o
presente miúdo, imperfeito, incompleto. Só aí o tempo volta a brilhar como
coisa rara. Como joia sem dono.
Afinal,
o tempo não é ouro. Ouro se guarda, se derrete, se troca. O tempo... o tempo só
se vive. E isso – só isso – é o que o torna tão precioso.
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