Quando há ausência de emoção como proteção, escolha ou superação
Há
quem chore ao lembrar do passado. Há quem sorria. E há quem se cale — não por
escolha, mas porque, mesmo lembrando, não sente nada. Esse silêncio
emocional diante da memória pode parecer estranho, frio ou até inquietante. Mas
nem sempre é sinal de indiferença. Pode ser um mecanismo de defesa, uma
estratégia de sobrevivência ou até um sinal de que algo foi resolvido em
profundidade.
A
pergunta que nos guia aqui é: por que algumas pessoas lembram, mas não
sentem?
Defesa:
quando o corpo decide esquecer o sentir
Em
situações de trauma ou dor profunda, o sistema psíquico humano pode adotar o
que a psicologia chama de anestesia afetiva. A lembrança permanece, mas
a emoção correspondente é suprimida — como se o corpo dissesse: "É
melhor não sentir isso agora."
Esse
distanciamento não é escolha consciente. É um tipo de desligamento interno.
Muito comum em vítimas de violência, abusos, perdas ou situações de estresse
extremo. Lembrar sem sentir, nesses casos, é uma forma de seguir em frente
sem quebrar por dentro.
Congelamento
emocional: viver com a torneira fechada
Para
outros, a ausência de emoção tem raízes mais longas: infância sem afeto,
educação que valoriza o controle emocional, ambientes onde chorar era fraqueza.
O afeto foi secando aos poucos. A lembrança, então, vira um arquivo sem cheiro,
sem calor, sem lágrimas.
Essas
pessoas podem parecer “como máquinas”. Mas o que há nelas, na verdade, é uma torneira
emocional travada. Algo que talvez nem saibam destravar — e às vezes nem
queiram. Porque não sentir pode parecer mais seguro do que correr o risco de
sofrer.
Intelectualização:
quando a razão toma conta do coração
Alguns
lidam com o passado como se fosse um livro de filosofia: analisam, explicam,
contextualizam… mas não se emocionam.
É
o que chamamos de intelectualização — um recurso comum entre pessoas
muito racionais, estudiosas, ou que foram treinadas a confiar mais na mente do
que nas entranhas.
Essa
ausência de emoção não é vazio — é excesso de controle. É uma blindagem com
aparência de lucidez.
Superação:
quando o sentir se transforma
Há,
no entanto, um outro tipo de ausência de dor: aquela que vem depois da
aceitação. Quando a memória já foi atravessada, digerida, ressignificada.
Não é que a pessoa não sente — ela sente de outra forma.
É
como quem perdeu alguém e consegue falar disso com doçura, sem nó na garganta.
Ou como quem foi ferido e, anos depois, consegue olhar para o agressor sem
ódio.
Aqui, a lembrança não dói porque já foi vivida até o fim. Já não é
prisão, nem sombra. É parte do caminho.
Viktor
Frankl: sofrimento como caminho para o sentido
O
psiquiatra Viktor Frankl, sobrevivente de campos de concentração
nazistas, desenvolveu a Logoterapia, uma abordagem terapêutica baseada
no sentido da vida. Ele observou que não é o sofrimento em si que destrói o ser
humano, mas a ausência de sentido nele.
Frankl
dizia:
“A
dor deixa de ser sofrimento no momento em que encontramos um significado para
ela.”
Com
isso, ele nos ensina que a ausência de emoção diante da lembrança pode, sim,
ser um sinal de que o sofrimento foi integrado e superado — transformado
em aprendizado, em paz, ou em silêncio fecundo.
Afinal,
o que essa ausência de emoção nos diz?
Ela
pode ser:
- Um grito silencioso
de alguém que não sabe mais como sentir
- Uma defesa antiga,
ainda operando mesmo sem necessidade
- Uma escolha inconsciente
por evitar o contato com a dor
- Um sinal de maturidade emocional,
quando a ferida virou cicatriz
Por
isso, a ausência de emoção nunca deve ser julgada às pressas. Cada
silêncio carrega uma história. E nem sempre o choro é prova de sensibilidade —
assim como a calma não é prova de frieza.
E
as máquinas nisso tudo?
Talvez
as máquinas lembrem sem sentir porque são feitas assim. Mas nós, humanos, às
vezes também somos assim — não por natureza, mas por necessidade.
A
verdadeira pergunta talvez seja: o que em mim precisou parar de sentir para
poder continuar existindo?
E
mais ainda: será que posso voltar a sentir com segurança?
Nenhum comentário:
Postar um comentário