Um ensaio filosófico sobre o começo que parece pesar.
Segunda-feira
não é um dia: é um estado de espírito. Ela não chega apenas pelo calendário,
mas invade o corpo com o peso das escolhas que fizemos no fim de semana, dos boletos
que vencem no fim do mês e da vida que insiste em continuar, mesmo quando
gostaríamos de uma pausa mais longa que o domingo.
Há
uma espécie de solidez na Segunda-feira. Ao contrário da fluidez do sábado ou
da leveza artificial do domingo, a Segunda é bruta. O despertador toca mais
alto. O café parece menos saboroso. O caminho para o trabalho é um corredor de
pequenas desistências. Quem nunca se perguntou, ainda na cama, se poderia
simplesmente não ser hoje?
E,
no entanto, há algo profundamente filosófico nesse recomeçar forçado. A
Segunda-feira revela a tensão entre o tempo cíclico — das semanas que se
repetem — e o tempo linear da nossa vida, que segue, implacável, em direção ao
fim. Numa crônica do cotidiano, ela é o lembrete de que a existência não nos dá
muitas escolhas: há que viver, mesmo quando não se quer.
Pensamentos
de segunda-feira são como pão amanhecido: duros de engolir e meio sem graça. A
mente acorda em modo avião, o corpo quer rebobinar o fim de semana e o espírito
está preso no trânsito emocional entre “não quero” e “não posso fugir”. Surge
aquela dúvida existencial no espelho: “Será que se eu ficar bem quietinho,
ninguém percebe que eu não estou mentalmente aqui?” Segunda é o tutorial da
semana, só que ninguém leu o manual — e mesmo assim a gente finge que sabe o
que está fazendo.
A
ilusão da liberdade no início da semana
Durante
o fim de semana, nos sentimos livres. É um curto período em que não se vive
para o outro, para o chefe, para o sistema — ou pelo menos se tenta. Mas a
Segunda-feira expõe a fragilidade dessa liberdade: somos, quase todos,
prisioneiros de um ritmo que não escolhemos. Mesmo os que dizem amar a
Segunda-feira (e existem, curiosamente) o fazem porque encontraram alguma forma
de se alinhar a esse ritmo — ou porque, talvez, transformaram a rotina em
refúgio.
Mas
o incômodo maior está na consciência de que vivemos de Segundas-feiras. A vida
adulta se mede em semanas úteis. Os sonhos se adaptam ao calendário. E até o
ócio é agendado.
Um
pensador para comentar: Byung-Chul Han e o peso da performance
O
filósofo sul-coreano Byung-Chul Han nos ajuda a entender por que a
Segunda-feira é tão difícil. Em obras como A Sociedade do Cansaço, ele
argumenta que vivemos numa era onde não somos mais explorados por um outro, mas
por nós mesmos. Somos sujeitos de desempenho, cobrando de nós uma produtividade
constante. A Segunda-feira é o altar onde sacrificamos o descanso em nome da
performance.
Segundo
Han, não é o trabalho em si que nos esgota, mas o fato de sermos nós mesmos os
vigilantes da nossa produtividade. A Segunda-feira, então, não é o retorno ao
trabalho: é o retorno à cobrança, à comparação, à sensação de insuficiência que
se agrava com cada nova lista de tarefas.
Reinventar
a Segunda-feira?
Talvez
o desafio filosófico seja encontrar uma maneira de redimir esse dia da semana.
Não no sentido ingênuo de decorá-lo com frases motivacionais ou fingir que ele
é alegre — mas de reconhecer nele uma chance. A Segunda-feira pode ser o
símbolo de que, apesar de tudo, ainda estamos vivos. Ainda podemos começar.
Ainda há tempo para mudar o curso, por mais que ele pareça definido.
Se
aceitarmos que a Segunda-feira é inevitável, podemos também aceitar que ela
contém, em si, a força do recomeço. E recomeçar, no fundo, é um dos atos mais
humanos que existem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário