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quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Ansiedade da Performance

Exaustos de Nós Mesmos: a obrigação de performar o eu na era digital

Numa manhã qualquer, abrimos o celular e já somos lançados num universo de vidas editadas. Sorrisos, conquistas, corpos, viagens, produtividade — tudo embalado num brilho de sucesso contínuo. Não é mais necessário ser feliz; basta parecer. E parecer muito. De preferência com carisma, autenticidade e filtros bem escolhidos. Nessa maratona silenciosa de aprovação, o eu se transforma num projeto de marketing. Vivemos, muitas vezes, menos para estar e mais para mostrar. E o resultado não é glória — é exaustão.

Retomar este tema para reflexão me parece importante, visto que não temos como negar a inundação de situações reais que a cada dia a quantidade supera a do dia anterior, por isto vamos explorar a questão.

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, em A Sociedade do Cansaço, argumenta que a transição da sociedade disciplinar para a sociedade do desempenho trouxe um novo tipo de opressão: a autoexploração disfarçada de liberdade. Hoje, somos pressionados a ser produtivos, criativos, positivos, resilientes e excepcionais — o tempo todo. Não há mais um patrão externo exigindo resultados; somos nós mesmos que nos cobramos, num ciclo ininterrupto de superação. “Yes, we can” (Sim, nós podemos) virou sentença. A liberdade de ser se converteu na prisão do dever constante de melhorar.

No campo da sociologia, Pierre Bourdieu ajuda a entender como essa lógica do desempenho se estrutura socialmente. O prestígio nas redes sociais, por exemplo, é uma forma de capital simbólico — aquele que dá visibilidade e reconhecimento. Curtidas, comentários, seguidores e compartilhamentos são novas formas de moeda. Quem acumula, ganha poder. Quem não participa, some. A obrigação de estar sempre visível cria uma economia da atenção em que a subjetividade se curva aos algoritmos. Não basta viver: é preciso performar a própria existência com consistência e carisma.

Essa lógica de espetáculo já havia sido anunciada por Guy Debord, em sua obra A Sociedade do Espetáculo. Para ele, o mundo moderno substituiu o ser pelo parecer: tudo se torna imagem, inclusive a dor. O luto, a solidão, a superação — tudo pode e deve ser exibido, com a devida estética. Nesse contexto, a vida só ganha sentido social se puder ser consumida. Assim, cada pessoa se torna uma vitrine, e o “eu” vira mercadoria.

Há também um efeito existencial profundo. Em Ser e Tempo, Heidegger discute a existência inautêntica — quando vivemos segundo o que os outros esperam, e não segundo nossa própria verdade interior. Nas redes, essa inautenticidade se amplifica: passamos a nos moldar de acordo com as expectativas alheias, com o que é mais comentado, compartilhado, desejado. O “eles”, como diz o filósofo, passa a nos habitar. Deixamos de ser para nos tornarmos personagens de um script coletivo.

Esse movimento não se restringe aos jovens ou aos influenciadores. Ele se espalha pelo mundo do trabalho, onde cada profissional precisa “vender sua imagem” com inteligência emocional, marca pessoal e presença digital ativa. Os currículos foram substituídos por portfólios públicos. A naturalidade, pelo networking constante. Mesmo a pausa virou performance: descanso com propósito, viagem com storytelling, silêncio com legenda.

Na juventude, a pressão é pelo destaque. Ninguém quer ser mediano. O ordinário virou sinônimo de fracasso. Na velhice, o dilema é outro: manter-se relevante. Muitos se sentem expulsos de um jogo cuja linguagem já não dominam. A obsolescência social não é mais só tecnológica — é existencial. O tempo se tornou um concorrente, e a idade, um risco de invisibilidade.

Mas talvez ainda haja uma saída. Não grandiosa, não revolucionária, mas sutil e silenciosa. Pode começar com um gesto pequeno: escolher não publicar um feito, não responder uma provocação, não performar o descanso. Recuperar o gosto pelo anonimato, pela insignificância produtiva, pela liberdade de simplesmente existir — sem que isso precise virar conteúdo. Como escreveu o poeta Manoel de Barros:

“O que a gente não inventa, vira.”

E talvez seja isso que nos falte: menos invenção de si e mais vir-a-ser.

Menos brilho e mais verdade.

Menos performance e mais presença.


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