Entre o que se mede e o que se reconhece
Na
vida cotidiana, falamos de “valor social” como se fosse uma moeda invisível que
cada pessoa carrega no bolso. Ela circula nos corredores das empresas, nas
rodas de amigos, nas redes sociais e até nos silêncios familiares. Só que,
diferente do dinheiro, o valor social não é emitido por um banco central: ele
nasce de relações, percepções e narrativas que a comunidade constrói sobre cada
um de nós. É, portanto, tanto uma medida de prestígio quanto uma forma de
pertencimento.
Se
pensarmos na lógica econômica, o valor se associa ao que pode ser trocado,
quantificado, precificado. Mas no plano sociológico, especialmente no que Pierre
Bourdieu chamaria de capital simbólico, o valor social se manifesta
como reconhecimento — algo que não depende apenas do que fazemos, mas de como
nossa ação é interpretada pelos outros. Assim, alguém pode ter alto valor
social em um bairro, por ser “aquele vizinho que sempre ajuda”, mas nenhum
valor num espaço corporativo que só reconhece títulos e cargos.
A
questão se torna mais complexa quando percebemos que o valor social não é fixo.
Ele é dinâmico, podendo se transformar de acordo com o contexto histórico, a
mudança das normas coletivas e até a maneira como se narram nossas histórias.
Um professor, por exemplo, podia ter alto valor social no início do século XX
pelo seu papel moralizador; hoje, sua posição é frequentemente corroída por
discursos que desvalorizam a educação, mesmo que sua importância social
permaneça inquestionável.
O
filósofo brasileiro José de Souza Martins observa que a modernidade cria
zonas de visibilidade e invisibilidade social. O valor de alguém, nesse
sentido, não é apenas o que ele é, mas também se a sociedade lhe oferece
luz para existir publicamente. Há, portanto, um jogo político no
reconhecimento: quem controla os holofotes, controla o valor.
Vamos pensar em três
situações do cotidiano que ajudam a ilustrar essas mudanças:
- No trabalho
— Um funcionário que sempre resolve problemas internos, mas não aparece em
relatórios ou reuniões de destaque, pode ter alto valor social entre
colegas diretos, mas quase nenhum para a diretoria, que só reconhece
resultados documentados e visíveis.
- Na comunidade
— Um líder comunitário que organiza mutirões e media conflitos pode ser
visto como essencial para o bairro, mas invisível para políticas públicas
que medem importância apenas por cargos e representações oficiais.
- Nas redes sociais
— Uma artista com poucos seguidores, mas admirada e respeitada no circuito
cultural local, pode ser ignorada pela lógica digital, que atribui valor
quase exclusivamente a números de curtidas e engajamento, ignorando a
profundidade do impacto real de sua obra.
No
mundo hiperconectado, o valor social também se tornou um produto de curadoria
pessoal. A exposição em redes sociais cria uma espécie de bolsa de valores
da imagem, onde curtidas e seguidores funcionam como indicadores instáveis
de prestígio. Só que, como toda bolsa, ela é sujeita a crises: um escândalo,
uma mudança de algoritmo ou uma nova tendência podem transformar “alta” em
“baixa” da noite para o dia.
A
pergunta final talvez seja: até que ponto buscamos valor social para pertencer
e até que ponto o fazemos para nos distinguir? A sociologia mostra que as duas
forças são inseparáveis. Pertencer nos dá segurança; distinguir-se nos dá
sentido. Entre esses polos, o valor social não é apenas um reflexo do que
fazemos, mas do que a sociedade, no fundo, deseja que sejamos.
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