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quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Eu, aparente

Outro dia, passando em frente a uma vitrine, vi meu reflexo e parei por um instante. Não para admirar ou criticar, mas porque a imagem parecia ser de outra pessoa. Algo no jeito que eu estava vestido, na expressão que fazia, não parecia ser exatamente "eu". Já aconteceu com você? Esse pequeno momento de estranhamento me levou a pensar: quanto de quem somos é apenas aparência, uma performance para o mundo, e quanto é a essência que carregamos?

Vivemos em uma era onde o "aparente" se sobrepõe ao "ser". Redes sociais nos convidam a moldar a identidade de acordo com o que é mais atraente, mais "curtível", mais aceito. O perfil online, cuidadosamente editado, é o que muitos enxergam antes mesmo de nos conhecerem. Mas será que somos apenas máscaras? Ou há algo no fundo que, mesmo que tente se esconder, sempre escapa para a superfície?

A máscara que usamos

O filósofo francês Jean-Paul Sartre argumentava que o ser humano está condenado a ser livre, ou seja, a escolher quem é, mesmo quando isso significa se esconder atrás de uma aparência. Para ele, a existência precede a essência; primeiro somos, depois escolhemos quem queremos ser. Mas, nesse processo de escolha, criamos máscaras, muitas vezes por medo do julgamento ou para atender às expectativas do outro.

Imagine o ambiente de trabalho. Lá, somos profissionais impecáveis, confiantes, usando termos técnicos e sorrisos de conveniência. Em casa, talvez sejamos descontraídos, risonhos ou até vulneráveis. Já na rua, entre desconhecidos, o rosto é neutro, quase indiferente. Três "eus", três aparências diferentes. Mas qual deles é o real?

O que transborda do aparente

No entanto, nem sempre conseguimos controlar a narrativa que construímos. Há momentos em que algo mais profundo escapa. É aquele olhar de cansaço no meio de uma festa, a pausa longa demais numa conversa, ou mesmo o silêncio em situações onde se esperava uma palavra. Isso que transborda do aparente é o que revela a nossa essência, ainda que de forma fragmentada.

O filósofo alemão Martin Heidegger falava sobre a autenticidade como uma forma de enfrentar o mundo sem máscaras, encarando a nossa existência de frente, sem tentar fugir dela. Para ele, viver de forma autêntica é abandonar a necessidade de parecer algo para os outros e abraçar o fato de que somos seres em constante construção.

Aparência e essência no cotidiano

Voltemos ao reflexo na vitrine. Quantas vezes já nos olhamos no espelho e não reconhecemos quem somos? Talvez seja porque, no fundo, estamos em constante mudança. A roupa que escolhemos hoje, a forma como penteamos o cabelo, tudo comunica algo, mas é apenas uma camada. É como um teatro onde somos atores e diretores ao mesmo tempo, ajustando o figurino conforme a cena.

No entanto, a essência não desaparece. Ela se manifesta em pequenos gestos: na maneira como tratamos quem não pode nos oferecer nada em troca, na paciência que mostramos em dias difíceis, no sorriso que damos mesmo quando ninguém está olhando.

Entre o ser e o parecer

No fim das contas, talvez não haja como separar completamente o aparente do essencial. Somos, ao mesmo tempo, aquilo que mostramos e aquilo que escondemos. Como disse Clarice Lispector: “Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa qualquer entendimento.”

Talvez a chave seja reconhecer que, mesmo na aparência, há vestígios de quem realmente somos. E, às vezes, esses vestígios podem dizer mais do que qualquer essência escondida. Afinal, não somos apenas um reflexo na vitrine; somos a história por trás dele.


terça-feira, 13 de abril de 2021

O “Eu Falando Consigo Mesmo” – Redundante, pleonasmo, mas não é um erro!

 


Falar Consigo Mesmo – pode ser redundante, pleonasmo, mas não é um erro! É importante e necessário!

A compreensão da vida humana passa inicialmente pela compreensão do indivíduo consigo mesmo, passando pela tradição filosófica e obrigatoriamente dialogando com Sócrates.

O diálogo é entre o eu que se manifesta como uma voz, e minha consciência que responde as minhas indagações, nem sempre a resposta me agrada, mas é importante dar ouvidos a ela, pois é através deste dialogo que me permite ajustar a lente do olhar para o momento presente frente ao turbilhão de emoções presentes, com maior nitidez tomar consciência delas, compreendê-las e saber o que fazer, pesando causas e consequências.

A partir deste dialogo, decidimos o que vai ser feito num projeto mental o qual será executado pelo corpo junto ao mundo exterior, a intensidade do pensamento oriundo deste diálogo interno é fonte de motivação, a mais sincera e a mais confiável, que nos conduzirá de maneira satisfatória pelos caminhos da vida numa relação individual e social.

O conhecer a si mesmo é fruto deste dialogo que nos protege contra o autoengano, ele ocorre em situações onde convencemos a nós mesmos de uma realidade que é falsa, mas fazemos isso de forma inconsciente, e ao final nos perguntamos “como pude fazer isto” ou “não estava fora de mim quando agi desta forma” demonstra nossa falta de autonomia.

Sócrates, foi um filósofo da Grécia antiga, célebre pela frase atribuída a ele “Conhece-te a si mesmo”, percebe-se na frase sua simplicidade e profundidade, a atitude lhe permitia derrubar a barreira da afronta e negação ao diálogo, tratava de assuntos cotidianos aparentemente banais, as questões existenciais e morais mais profundas da vida humana.

Com sua naturalidade espontânea criou um modo baseado em perguntas críticas que expõem as incoerências da doxa, fazendo com que as falsas certezas sejam abandonadas e haja a tomada de consciência do "não-saber", da própria ignorância, no mínimo percebemos que pouco sabemos sobre a vida.

Seu modo ou método foi denominado de maiêutico por seu modo de falar livremente sem ter de chegar a um fim determinado, ele fazia perguntas e aguardava uma possível resposta de seu interlocutor, prosseguindo com nova pergunta, sem entrar numa circularidade, demonstrando a criatividade e potencialidade do ser humano formulando boas perguntas desmontando equívocos nas respostas prontas na ponta da língua.

Ainda hoje Sócrates dialoga conosco através das obras de Platão, Xenofontes e Aristófanes, seus principais divulgadores, pois ele nada escreveu (mas disse muito), o que conhecemos é através daquilo que foi escrito por seus divulgadores, principalmente através da boca de Platão quem deu voz a Sócrates.

Na dialética socrática, perguntas e respostas formam um arcabouço de conhecimentos obtidos através do diálogo possibilitando um melhor conhecimento de si mesmo, dialogar com outras pessoas com quem nos relacionamos nos permitem respostas com outros pontos de vista, imprimindo-nos aqui um duplo significado, reconhecendo-nos ainda limitados e ignorantes frente ao mundo e nossa finitude.

Internamente nós temos uma espécie de juiz que se manifesta sempre que travamos um diálogo interno, este juiz age de acordo com as virtudes estabelecidas pelo regramento da vida em comum com os outros. Neste jogo de perguntas e respostas estabelecemos uma relação de ocupação consigo mesmo, as vozes se manifestam ordenadamente numa espécie de duplicação onde travo um diálogo reflexivo do eu comigo mesmo, ao final do diálogo resultará numa concordância que irá me motivar a fazer isto ou aquilo e também mais preparado a olhar para o meu papel no mundo exterior.

A ocupação “consigo mesmo” através do diálogo do eu comigo mesmo está na origem de minha autonomia, é nela que consiste a possibilidade para meu auto-domínio moral, revelando que eu como indivíduo sou capaz de conviver comigo mesmo, estarei mais apto a conviver com as demais pessoas.

Temos a nossa disposição ferramentas desenvolvidas por muitos pensadores e filósofos a disposição na Filosofia, tais ferramentas funcionam como diferentes de lentes para vermos o mundo interior e exterior. A Filosofia tem em sua natureza estabelecer um diálogo permanente procurando estender a ideia do domínio sobre si mesmo, contribuindo e propagando a todos seus apreciadores o quanto estamos ou não em desacordo entre a lei interna e as injustiças acobertadas por certas leis da sociedade.

A educação na Paideia tinha um caráter comunitário, nosso filósofo tinha uma maneira peculiar de ensinar, ele acreditava que ensinar estava no dialogo vivo realizado diretamente entre as pessoas, esta forma de ensinar obteve um efeito grandioso principalmente entre aos jovens os quais os encontrava em praça pública. Foi através dos diálogos que ele se tornou famoso, bem quisto e malquisto. Malquisto porque seu método questionou as autoridades gregas e demonstrou que o que era compreendido como sabedoria, não passava de meras opiniões sustentadas pelo senso comum, rendendo-lhe inimigos entre os poderosos de Atenas, muitas vezes expostos ao ridículo pela ironia socrática, tal afronta resultou em sua morte.

O ensino atualmente está passando por uma mudança com ótica construtivista, diria que sugestionada pelos princípios socráticos, pois está tentando conectar o conhecimento através do diálogo processual entre educadores e educandos rejeitando a verticalidade existentes na transmissão simplista, estranha e mecânica de conteúdo sem conexão com a vida prática.

Um bom ensino começa ajudando as pessoas a vencerem primeiro o preconceito consigo mesmo, o dialogo será possível quando dissermos ao outro que queremos ouvir dele sua resposta, mesmo que ele ainda aparentemente não tenha confiança para se manifestar.

Tanto educadores quanto educandos, ambos trazem consigo uma bagagem e a possibilidade em potência da semente do conhecimento, que também pode brotar de dentro para fora, numa constante construção de conhecimentos e desenvolvimento humano.

Sócrates dizia que sua sabedoria era limitada à sua própria ignorância. Segundo ele, a verdade, escondida em cada um de nós, só é visível aos olhos da razão, ele acreditava que os erros são consequência da ignorância humana, ter os erros expostos ninguém gosta, eis que a maior dificuldade do aprendizado é admitir sinceramente que “não sei”.

Aqui deixo registrado meu protesto: Atualmente nosso Sócrates representado pela Filosofia está sendo morto pela resistência dos sucessivos governos em mantê-la fora dos currículos escolares, é um engodo como forma de evitar que mais pessoas atinjam sua autonomia e sejam empoderadas com conhecimento filosófico crítico e exponham aa ignorância de nossos governantes.

As pessoas sabem o que é certo ou errado, o que lhes falta é argumentação, a Filosofia é uma arma que mata muito mais ignorantes que todo o arsenal mundial, ela sem derramar uma gota de sangue poderia quem sabe desarmar o mundo, sem revolveres, fuzis e bombas, poderíamos ter maior igualdade sem o desequilíbrio criado por aqueles melhor armados que escravizam e matam.

Falar Consigo Mesmo – pode ser redundante, pleonasmo, mas não é um erro! É importante e necessário!