Vivemos em uma sociedade que nos molda antes mesmo de sabermos quem somos. Desde pequenos, escutamos frases como “isso não se faz”, “comporte-se”, “as pessoas estão olhando”. Antes de desenvolvermos uma identidade individual sólida, já aprendemos a nos ajustar, a ser “alguém” para os outros. É nesse jogo entre o que sentimos internamente e o que projetamos externamente que nasce uma figura essencial para a convivência humana: o eu social.
Outro
dia, eu estava no mercado e, sem pensar muito, dei um sorriso automático para a
moça do caixa. Não era um sorriso de alegria, nem mesmo de simpatia — era quase
um reflexo social. Como quem diz: “estou sendo educado, veja só como funciono
bem nesse ambiente coletivo.” E é aí que percebi que aquele gesto não era
exatamente meu — era do meu eu social.
O
“eu social” é esse personagem que a gente veste todos os dias. É o eu que sabe
o que dizer na entrevista de emprego, que segura a piada inadequada na reunião,
que disfarça o tédio numa festa porque "é bom estar ali", que troca
de voz no telefone com o banco, e até que se adapta ao grupo de WhatsApp da
família para não causar ruído.
O
filósofo e sociólogo George Herbert Mead nos ajuda a entender melhor
essa construção. Para ele, o “eu” se forma justamente através da interação com
os outros. Mead diferencia o “I” (o eu espontâneo, criativo, que reage)
do “Me” (o eu social, moldado pela expectativa alheia). Segundo ele, o
“Me” é a parte de nós que internaliza as normas sociais, enquanto o “I” é a
resposta individual a essas normas. Assim, não nascemos prontos: nos
tornamos alguém no espelho das relações sociais.
No
transporte público, vejo pessoas mudarem de postura conforme quem senta ao
lado. No trabalho, alguém que parecia tão solto na festa da firma se transforma
num robô funcional durante a semana. Em casa, somos filhos, pais, parceiros. Na
rua, somos cidadãos, vizinhos, desconhecidos. É como se o “eu” trocasse de
roupa cada vez que atravessa uma porta.
O
sociólogo Erving Goffman, no livro A Representação do Eu na Vida
Cotidiana, descreve a vida como um teatro. Ele sugere que todos nós, ao
interagir socialmente, estamos encenando. Criamos máscaras, papéis, palcos e
bastidores. E isso não é hipocrisia — é sobrevivência simbólica. O problema
começa quando a gente não consegue mais sair do personagem.
Será
que sabemos quem somos fora do palco? Quando não estamos agradando, respondendo
expectativas, pedindo aprovação? Às vezes, penso que o “eu social” é como uma
roupa de festa que usamos o tempo todo, mesmo quando tudo que queríamos era
ficar de pijama.
Mas
também aprendi que o eu social não precisa ser um inimigo. Ele é a ponte entre
o que sou e o mundo que me cerca. A chave é não esquecer que ele é só uma parte
— útil, sim — mas não total. Saber quando é hora de representá-lo… e quando é
hora de deixá-lo sair de cena.