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terça-feira, 17 de junho de 2025

Eu Social

Vivemos em uma sociedade que nos molda antes mesmo de sabermos quem somos. Desde pequenos, escutamos frases como “isso não se faz”, “comporte-se”, “as pessoas estão olhando”. Antes de desenvolvermos uma identidade individual sólida, já aprendemos a nos ajustar, a ser “alguém” para os outros. É nesse jogo entre o que sentimos internamente e o que projetamos externamente que nasce uma figura essencial para a convivência humana: o eu social.

Outro dia, eu estava no mercado e, sem pensar muito, dei um sorriso automático para a moça do caixa. Não era um sorriso de alegria, nem mesmo de simpatia — era quase um reflexo social. Como quem diz: “estou sendo educado, veja só como funciono bem nesse ambiente coletivo.” E é aí que percebi que aquele gesto não era exatamente meu — era do meu eu social.

O “eu social” é esse personagem que a gente veste todos os dias. É o eu que sabe o que dizer na entrevista de emprego, que segura a piada inadequada na reunião, que disfarça o tédio numa festa porque "é bom estar ali", que troca de voz no telefone com o banco, e até que se adapta ao grupo de WhatsApp da família para não causar ruído.

O filósofo e sociólogo George Herbert Mead nos ajuda a entender melhor essa construção. Para ele, o “eu” se forma justamente através da interação com os outros. Mead diferencia o “I” (o eu espontâneo, criativo, que reage) do “Me” (o eu social, moldado pela expectativa alheia). Segundo ele, o “Me” é a parte de nós que internaliza as normas sociais, enquanto o “I” é a resposta individual a essas normas. Assim, não nascemos prontos: nos tornamos alguém no espelho das relações sociais.

No transporte público, vejo pessoas mudarem de postura conforme quem senta ao lado. No trabalho, alguém que parecia tão solto na festa da firma se transforma num robô funcional durante a semana. Em casa, somos filhos, pais, parceiros. Na rua, somos cidadãos, vizinhos, desconhecidos. É como se o “eu” trocasse de roupa cada vez que atravessa uma porta.

O sociólogo Erving Goffman, no livro A Representação do Eu na Vida Cotidiana, descreve a vida como um teatro. Ele sugere que todos nós, ao interagir socialmente, estamos encenando. Criamos máscaras, papéis, palcos e bastidores. E isso não é hipocrisia — é sobrevivência simbólica. O problema começa quando a gente não consegue mais sair do personagem.

Será que sabemos quem somos fora do palco? Quando não estamos agradando, respondendo expectativas, pedindo aprovação? Às vezes, penso que o “eu social” é como uma roupa de festa que usamos o tempo todo, mesmo quando tudo que queríamos era ficar de pijama.

Mas também aprendi que o eu social não precisa ser um inimigo. Ele é a ponte entre o que sou e o mundo que me cerca. A chave é não esquecer que ele é só uma parte — útil, sim — mas não total. Saber quando é hora de representá-lo… e quando é hora de deixá-lo sair de cena.


segunda-feira, 9 de junho de 2025

Manejo da Impressão

“Quem é você quando ninguém está olhando?”

Aqui vamos trabalhar num ensaio sobre o manejo da impressão e os palcos da vida cotidiana

Você já parou para pensar que, na vida, somos todos atores? Não do tipo que sobe ao palco com aplausos — mas daqueles que atuam em reuniões, em jantares de família, no elevador com o vizinho, até mesmo no grupo do WhatsApp. Às vezes o papel exige bom humor, outras vezes impaciência contida, e, com frequência, um certo esforço para parecer que estamos bem, mesmo quando não estamos. Nesse grande teatro da vida, o sociólogo Erving Goffman (1922-1982) acende as luzes do palco e revela uma verdade incômoda: não somos um “eu”, somos muitos.

No livro A Representação do Eu na Vida Cotidiana, Goffman apresenta a ideia de que o “eu” que mostramos é fruto de uma performance cuidadosamente gerida — o que ele chama de manejo da impressão. Mas e se formos além? E se esse manejo não for apenas uma adaptação ao social, mas também um modo de sobrevivência filosófica em um mundo que exige máscaras como forma de reconhecimento?

A sociedade como plateia ansiosa

Cada encontro social nos pede um papel. Não um papel escrito por nós, mas roteirizado pelas expectativas alheias. O funcionário precisa parecer produtivo mesmo nos dias de cansaço; o estudante simula interesse diante de um conteúdo que não compreende; a mãe que esconde o choro para sorrir ao filho. Não é mentira. É um acordo tácito: se você performar o suficiente, será aceito.

O manejo da impressão, nesse sentido, não é apenas controle de imagem — é negociação simbólica de pertencimento. A sociedade não quer apenas ver o “eu verdadeiro”; ela deseja ver o que reconhece como normal, funcional e confortável. Assim, ajustamos os gestos, os silêncios, os emojis.

O eu como ficção em construção

Se o mundo é um palco, o “eu” que mostramos é um personagem. Mas seria esse personagem uma farsa? Talvez não. A filosofia contemporânea já não acredita tanto em essências fixas. Para pensadores como Judith Butler, o sujeito se constrói performativamente — ou seja, ele é o que faz repetidamente. E se Goffman nos mostrou o teatro social, Butler revela que essa atuação não é uma máscara sobre um rosto verdadeiro, mas o próprio rosto se formando com cada papel que representamos.

O eu, então, seria uma espécie de remix constante entre o que sentimos e o que o outro exige que mostremos. Um mosaico de pequenos “eus” que se ajustam conforme o palco muda — do metrô à sala de jantar, do encontro romântico ao boletim médico.

O bastidor como espaço de reconciliação

Nos bastidores, longe do público, caem as máscaras — ou pelo menos, trocam-se por outras. Mas será que ainda existe um “eu autêntico” nesse lugar escondido? Goffman não responde com clareza, mas nos convida a pensar que mesmo nos bastidores há performance, ainda que mais relaxada. A solidão, o espelho, o travesseiro à noite — são também palcos, embora com luzes mais suaves.

Contudo, é nesse momento íntimo que talvez surja a chance de uma autoescuta. De pensar: “será que me tornei aquilo que performei por tanto tempo?” A pergunta não é retórica. A vida tem o poder de nos transformar pelas repetições que aceitamos. É o risco da performance: virar o papel que foi criado para agradar o outro.

Viver é atuar — mas com consciência

Não há como viver fora do teatro social. Somos seres em relação, e isso exige ajustes, cortes, improvisos. Mas o perigo não está em representar. O risco mora na inconsciência do papel. Quando esquecemos que estamos atuando, entregamos o volante da nossa identidade a uma plateia que nem sempre aplaude com justiça.

Por isso, o manejo da impressão, mais do que uma técnica social, deve ser também uma ferramenta filosófica de autoconhecimento. Reconhecer o personagem que estamos sendo, entender por que o escolhemos, e nos perguntar, vez ou outra: quem seríamos se o palco estivesse vazio?

domingo, 14 de abril de 2024

Subordinado ao Contexto

Hoje vou compartilhar com vocês uma reflexão sobre algo que muitas vezes passa despercebido, mas que tem um impacto enorme em nossas vidas: o contexto social. Sim, aquele cenário em que nos encontramos, rodeados de pessoas, normas, expectativas e tudo mais que compõe o mundo ao nosso redor. Já falei outras vezes sobre o tema, mas sempre que o insight surge aprendi a dar ouvidos e não perder a oportunidade de uma nova reflexão.

Vamos começar do básico: o que é esse tal contexto social? Bom, pense nele como o cenário de fundo de uma peça teatral onde você é o protagonista. Ele molda nossas interações, nossas decisões e até mesmo nossa identidade. É como se estivéssemos sempre dançando conforme a música que está tocando ao nosso redor.

Pensem bem, já pararam para perceber como nos comportamos de maneiras diferentes dependendo de quem está ao nosso lado? Por exemplo, na presença de nossos pais, podemos adotar um comportamento mais contido e respeitoso, enquanto com amigos próximos deixamos aflorar nossa personalidade mais descontraída e até mesmo irreverente. Isso é o contexto em ação, moldando nossas atitudes de acordo com as expectativas e normas sociais que nos rodeiam.

Agora, vamos falar de um grande pensador que nos ajuda a entender melhor essa dinâmica: o sociólogo Erving Goffman. Ele trouxe a ideia de que todos nós desempenhamos papéis sociais, como atores em um palco, e que esses papéis variam conforme o contexto em que nos encontramos. Por exemplo, podemos ser o amigo engraçado em uma festa, o aluno dedicado na sala de aula ou o profissional sério no ambiente de trabalho. Esses papéis não são fixos, mas sim adaptáveis e moldados pelo contexto em que nos encontramos.

E o que tudo isso significa para nós no dia a dia? Significa que precisamos estar atentos ao contexto ao nosso redor e entender como ele influencia nossas ações e decisões. É importante reconhecer que nem sempre somos os mesmos em todas as situações e que isso não é necessariamente ruim. Somos seres sociais, e é natural que nos adaptemos aos diferentes ambientes e interações que enfrentamos.

Além disso, entender o poder do contexto pode nos ajudar a compreender melhor as pessoas ao nosso redor. Ao reconhecer as influências que o contexto exerce sobre elas, podemos ser mais empáticos e compreensivos, sabendo que nem sempre as ações de alguém refletem sua verdadeira essência, mas sim as exigências do ambiente em que se encontram.

Então, quando estiverem interagindo com o mundo ao seu redor, lembrem-se do poder do contexto. Estejam conscientes das influências que ele exerce sobre vocês e sobre os outros, e usem esse conhecimento para navegar com mais segurança pelos meandros do social. Afinal, entender o contexto é como ter um mapa para desbravar o labirinto da vida em sociedade.