Breve ensaio sobre a obra de Martin Buber
Tem
gente que passa pela vida colecionando contatos; outras, colecionam encontros.
A diferença parece sutil, mas é o que separa uma vida superficial de uma vida
profunda. Martin Buber, filósofo austríaco-judeu, entendeu isso como
poucos. Em Eu e Tu (1923), sua obra mais conhecida e comentada, ele nos
convida a repensar a forma como nos relacionamos — não só com os outros, mas
com o mundo, com a natureza, com Deus e até conosco.
Uma
filosofia do encontro
Em
Eu e Tu, Buber propõe que a existência humana se estrutura a partir de
dois modos fundamentais de relação: o Eu-Isso e o Eu-Tu.
- Eu-Isso
é o modo como tratamos as coisas, os objetos, o que usamos e manipulamos.
Nessa relação, o outro (ou aquilo) é uma função, um instrumento, um dado a
ser compreendido ou analisado. É a linguagem da ciência, da técnica, das
rotinas funcionais da vida.
- Eu-Tu,
por outro lado, é o espaço do encontro verdadeiro. Quando dizemos “Tu”,
não há distanciamento, não há separação entre sujeito e objeto — há
presença. Não se trata de conhecer o outro, mas de estar diante dele com
inteireza. Um olhar demorado, um gesto silencioso, uma escuta profunda —
aí mora o Tu.
Quantas
vezes por dia você trata as pessoas como um “Isso”?
Seja
sincero: quando foi a última vez que você ouviu alguém sem pensar na resposta?
Que olhou para um amigo, ou mesmo para uma árvore, sem pressa, sem intenção,
apenas presente? Será que estamos mesmo vivendo — ou apenas gerenciando
funções?
Buber
não está dizendo que o mundo do “Isso” é ruim ou desnecessário — afinal,
vivemos nele o tempo todo. Mas sem a experiência do “Tu”, a vida se esvazia.
Tornamo-nos engrenagens, vozes automatizadas, seres que falam mas não se
encontram.
Um
livro pequeno com um abismo dentro
Apesar
de ter pouco mais de cem páginas, Eu e Tu é um livro denso, quase
poético. Buber não escreve como um professor que explica, mas como alguém que
tenta nos acordar para algo que já sabemos — só esquecemos. Ele nos lembra que
a relação Eu-Tu não pode ser planejada nem forçada; ela acontece, nos atravessa
e nos transforma.
Você
ainda acredita que é possível encontrar alguém de verdade — sem máscaras, sem
filtros, sem medo?
Será
que conseguimos, em meio a tantas distrações, permitir que algo nos toque de
forma tão real que até o tempo pare por um momento? Quantas relações você vive
apenas no piloto automático?
Ao
final, Buber aponta que é justamente no “Tu absoluto” — Deus — que todas as
relações Eu-Tu encontram sua origem e plenitude. Não um Deus conceito, mas um
Deus que se revela no encontro, na reciprocidade, na presença.
E
se Deus estiver em tudo aquilo que olhamos de verdade, mas ignoramos por
hábito?
Será que a espiritualidade não mora justamente na qualidade da atenção que
damos às coisas simples?
Para
os dias de hoje
Num
mundo de redes sociais, curtidas e mensagens instantâneas, Eu e Tu soa
como um convite contracorrente. Será que ainda sabemos dizer “Tu” com o coração
inteiro? Será que conseguimos olhar alguém — ou algo — sem imediatamente
classificá-lo, julgá-lo ou usá-lo?
Martin
Buber não oferece respostas prontas, mas oferece uma chave para a experiência.
E talvez essa chave seja tudo o que precisamos para abrir a porta de uma vida
mais humana, mais presente e mais real.
Nenhum comentário:
Postar um comentário