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sábado, 21 de junho de 2025

Estrutura da Realidade

Há dias em que tudo parece sólido: o café na xícara, o som do ônibus na esquina, a mão que segura o celular. Há outros em que a realidade se desfaz um pouco — uma notícia inesperada, uma lembrança que não se encaixa mais, uma emoção sem nome. É como se o mundo tivesse camadas, mas nem todas estivessem sempre acessíveis. E então surge a pergunta: do que é feita, afinal, a realidade? Há uma estrutura que a sustenta, ou vivemos apenas dentro de um acordo coletivo, renovado a cada manhã?

Este ensaio filosófico quer pensar de forma inovadora sobre a estrutura da realidade, partindo do cotidiano, mas cruzando com visões de filósofos antigos e contemporâneos — de Platão a Quine, de Kant a Viveiros de Castro — para explorar se existe um esqueleto da realidade ou se ela muda de roupa conforme o olhar.

I. A realidade como construção e sustentação

Muitos pensadores já se perguntaram se a realidade é algo objetivo, como uma parede de concreto, ou subjetiva, como a impressão que temos dela. Platão foi um dos primeiros a propor uma estrutura invisível: o mundo das Ideias. Para ele, o que vemos são apenas sombras — a realidade verdadeira está em outro plano, eterno e imutável. A mesa sobre a qual escrevo seria, no fundo, uma cópia imperfeita da "Ideia de mesa". A estrutura da realidade, então, seria metafísica, mais sólida que a matéria.

Já Kant inverteu esse jogo. Para ele, o que vemos do mundo está condicionado pelas estruturas da mente humana. Espaço e tempo, por exemplo, não são coisas que existem "lá fora", mas formas com que organizamos as experiências. A realidade se estrutura por dentro, e não por fora.

No dia a dia, isso aparece quando duas pessoas lembram de um mesmo fato de formas diferentes — não porque estão mentindo, mas porque suas estruturas internas (memória, emoção, linguagem) moldam o real.

II. A realidade como tecido coletivo

Se para Platão a realidade está num plano superior e para Kant ela depende da mente, para autores contemporâneos como Nelson Goodman e Willard Quine a realidade é, na verdade, uma construção linguística e científica. Goodman chega a dizer que "fazer mundos" é o que fazemos o tempo todo: cada ciência, cada arte, cada linguagem cria um tipo diferente de realidade.

Isso tem consequências práticas. Pense na diferença entre como um agricultor indígena e um agrônomo europeu enxergam a mesma floresta. Não é apenas uma diferença de opinião: eles vivem em realidades estruturadas de forma distinta. É nesse ponto que Eduardo Viveiros de Castro traz uma proposta radical: não se trata de diferentes culturas interpretando uma mesma natureza, mas de diferentes naturezas produzidas por cosmologias próprias. A estrutura da realidade, nesse sentido, é plural.

Esse pensamento ressoa com o que os físicos contemporâneos começam a admitir: a realidade talvez não tenha uma estrutura única e definitiva, mas seja múltipla, interdependente, fluida. O próprio tempo, segundo a física quântica, pode ser apenas uma convenção útil, e não um "andaime" do universo.

III. A realidade como algo a ser vivido (e não apenas compreendido)

Há também uma abordagem ética ou existencial da realidade. Simone de Beauvoir, por exemplo, propõe que não basta pensar o real — é preciso habitá-lo, assumi-lo, transformá-lo. A estrutura da realidade não está apenas nos conceitos, mas na forma como vivemos nossas liberdades e limites.

Nesse espírito, o filósofo indiano J. Krishnamurti disse: “Você vê o que é verdadeiro não com o pensamento, mas com o olhar direto.” Para ele, a realidade se mostra quando o observador se desfaz de suas projeções. A estrutura da realidade estaria, paradoxalmente, em seu esvaziamento — quando deixamos de impor estruturas, e vemos o que é.

IV. E se a realidade for um palco desmontável?

Uma ideia inovadora seria pensar a realidade como um palco desmontável, onde os cenários são montados conforme a peça do momento. As leis físicas, os vínculos sociais, as emoções — tudo isso seriam cenários que funcionam enquanto funcionam. Quando algo falha — um colapso emocional, uma catástrofe natural, uma mudança cultural — o palco se desmonta e precisa ser remontado de outro jeito. Não há estrutura última: há uma constante remontagem da realidade, feita de andaimes móveis, por mãos visíveis e invisíveis.

Entre o que sustenta e o que desmancha

A estrutura da realidade talvez não seja um edifício com alicerces eternos, mas uma rede viva, em constante teia. Parte dela é biológica, parte social, parte simbólica, parte afetiva. Há momentos em que parece firme, e outros em que tudo balança. Como disse Merleau-Ponty, “o mundo não é o que penso, mas o que vivo”. E viver, nesse sentido, é um exercício contínuo de atravessar estruturas — algumas sólidas, outras mais como véus.

Talvez, então, o mais filosófico não seja descobrir a estrutura última da realidade, mas aprender a dançar entre suas formas, entendendo que o real se revela menos como um mapa, e mais como um ritmo.


segunda-feira, 7 de abril de 2025

Ruminações Metafísicas

Quando o pensamento tropeça no silêncio

Outro dia, entre uma bolacha cream cracker e uma chuva que parecia indecisa entre cair ou não, comecei a pensar naquelas perguntas que não têm começo, nem meio, muito menos fim. Aquelas perguntas que não servem pra nada, mas também não deixam a gente em paz: "O que é o real?", "O que existe além do que se pode dizer?", "Por que existe algo e não nada?". São perguntas que a gente escuta no ônibus, na mesa de bar, ou então quando está sozinho demais.

Foi aí que me veio Wittgenstein, não como quem chega com a resposta, mas como quem olha com estranhamento e diz: “Será que essa pergunta faz sentido?”.

O limite do mundo é o limite da linguagem

Wittgenstein, especialmente em sua primeira fase no Tractatus Logico-Philosophicus, joga um balde de água fria nas nossas ruminações metafísicas: "Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo." E isso muda tudo. De repente, não é mais sobre o que existe ou não existe, mas sobre o que pode ser dito com clareza.

Quer dizer: se eu não consigo colocar em palavras aquilo que estou tentando pensar, talvez o problema não seja o pensamento em si, mas a linguagem que estou usando pra tentar pensar isso. O que escapa à linguagem, escapa ao mundo. E nesse silêncio se esconde a metafísica.

Mas e o cheiro da infância?

Mesmo assim, o ser humano insiste. E eu também. Porque há sensações, intuições, percepções que não cabem na linguagem — mas que nem por isso deixam de parecer reais. O cheiro da casa da minha avó, por exemplo. Eu posso descrever: cheiro de madeira velha, de café passado, de roupa recém lavada... Mas nada disso é o cheiro. É só a moldura.

E aí a pergunta muda: será que o problema está na linguagem... ou na nossa expectativa de que a linguagem consiga dar conta do que sentimos?

Quando a linguagem nos trai

Na segunda fase de Wittgenstein, nos Investigações Filosóficas, ele abandona a ideia de uma linguagem com estrutura rígida e perfeita. Em vez disso, começa a ver a linguagem como um conjunto de "jogos de linguagem" — usos diversos, conforme a situação. Falar de amor não é o mesmo que descrever uma receita de bolo.

Nesse ponto, Wittgenstein começa a rir junto com a gente. A metafísica deixa de ser uma questão de descobrir verdades ocultas e passa a ser uma espécie de mal-entendido. “Filosofia é uma luta contra o enfeitiçamento do nosso entendimento pela linguagem”, ele diz.

Ou seja, muitas vezes o que a gente chama de "problema metafísico" é só uma palavra que escapou do seu uso comum e foi parar num lugar onde não deveria estar.

A beleza do que não se pode dizer

Mas e se a gente aceitasse o convite do silêncio? Se, em vez de forçar a linguagem a carregar o peso de tudo o que sentimos e intuímos, a gente simplesmente respeitasse o que ela não consegue dizer? Não como fracasso, mas como poesia.

Como quando olhamos pro mar e não dizemos nada. Como quando alguém morre e o silêncio é mais respeitoso do que qualquer explicação. Como quando a gente ama e não sabe dizer por quê — e ainda assim ama.

Considerações finais de um cream cracker filosófico

A metafísica, talvez, não seja um lugar onde se chega, mas um caminho cheio de pegadas confusas. Wittgenstein nos lembra que esse caminho, muitas vezes, é traçado por palavras que tropeçam nelas mesmas. E mesmo assim, continuamos a andar. Porque há algo em nós que deseja mais do que pode ser dito.

Talvez seja como ele mesmo escreve na última frase do Tractatus:

“Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar.”

Mas que silêncio bonito, esse.

Silêncio que não responde, mas faz companhia.