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sexta-feira, 6 de junho de 2025

O Ramo de Ouro

O Eco do Sagrado e a Morte do Rei — Pensando “O Ramo de Ouro” com James Frazer

Quem nunca jogou sal por cima do ombro ou hesitou antes de quebrar um espelho? Rituais nos rodeiam, mesmo quando achamos que somos modernos demais para eles. É curioso pensar que, por trás desses gestos supersticiosos, há resquícios de uma lógica milenar que buscava controlar o caos com símbolos, gestos e sangue.

É nesse terreno fértil e sombrio que mergulha O Ramo de Ouro, livro monumental do antropólogo escocês James George Frazer (1854-1941), publicado originalmente em 1890. A obra — que parte da investigação de um antigo ritual no bosque de Nemi, onde um sacerdote-rei era morto por seu sucessor — tornou-se uma das primeiras grandes tentativas de compreender as raízes da religião, do mito e da cultura como estruturas universais. Mais do que etnografia comparada, Frazer criou uma mitologia da mente humana.

O sacrifício como linguagem: o rei morre para que o mundo continue

O enigma inicial do rei de Nemi — cuja vida dependia de manter o ramo de ouro e derrotar seu assassino futuro — transforma-se, na leitura de Frazer, em uma chave interpretativa para entender uma miríade de rituais de morte e regeneração em todo o mundo. Em tribos africanas, entre sacerdotes incas, nas festas agrícolas do oriente, Frazer vê padrões recorrentes: o soberano como símbolo da fertilidade, que precisa morrer para que a natureza renasça.

Essa lógica, além de antropológica, é filosófica. O corpo do rei é símbolo do mundo: envelhece, entra em crise, e deve ser substituído para que o ciclo continue. O ritual, então, funciona como uma linguagem simbólica de reinício. A repetição da morte é, paradoxalmente, uma afirmação da vida.

Magia, religião, ciência: camadas da razão humana

Frazer organizou seu estudo em torno de três formas de pensamento humano: magia, religião e ciência. Para ele, a magia era uma tentativa primitiva de controlar o mundo por meio da analogia (como se fosse uma tecnologia simbólica). A religião emerge quando se reconhece um mundo comandado por deuses e vontades invisíveis. E a ciência seria, finalmente, a forma “correta” de compreender e operar a realidade.

Mas essa linearidade evolutiva foi duramente criticada. O antropólogo estruturalista Claude Lévi-Strauss, por exemplo, viu em O Ramo de Ouro um exemplo brilhante de etnologia, mas rejeitou a ideia de que o pensamento “selvagem” fosse menos racional que o científico — para ele, trata-se apenas de lógicas diferentes, estruturadas em códigos distintos.

Da mesma forma, Mircea Eliade, filósofo e historiador das religiões, admirava a vastidão simbólica da obra de Frazer, mas a reinterpretou em termos da oposição entre tempo profano e tempo mítico. Para Eliade, o sacrifício ritual não era erro primitivo, mas uma forma de reatualizar a criação do mundo — um retorno ao tempo sagrado da origem.

Jung e o inconsciente simbólico

Entre os mais impactados por O Ramo de Ouro esteve Carl Gustav Jung, que viu no livro uma mina de ouro simbólica. Jung não o leu como simples antropologia, mas como testemunho de uma psique arquetípica. O rei sacrificado, a árvore dourada, o ciclo de morte e renascimento — tudo isso representava, para Jung, expressões do inconsciente coletivo.

Jung considerava que esses rituais antigos não desapareceram, mas foram reinternalizados na alma moderna, manifestando-se em sonhos, mitos e narrativas. O ramo de ouro, nesse sentido, torna-se símbolo de iniciação psíquica: o ego que precisa morrer para que o self renasça.

A psicologia profunda de Jung e a mitologia comparada de Frazer se encontram na intuição comum de que a humanidade vive através de símbolos — e que esses símbolos, mesmo quando esquecidos, continuam a operar silenciosamente em nós.

A cultura moderna ainda carrega o ramo

Não foram apenas antropólogos e psicólogos que se encantaram com Frazer. O Ramo de Ouro influenciou fortemente T.S. Eliot, cuja obra-prima modernista The Waste Land (1922) se constrói justamente sobre a imagem do mundo árido, à espera de um sacrifício redentor. Eliot usou a estrutura simbólica de Frazer para dar forma ao desespero espiritual do século XX.

Também Sigmund Freud dialogou com o livro, especialmente na elaboração de Totem e Tabu (1913), onde interpreta o assassinato do pai primordial como origem da cultura. A conexão entre sexualidade, morte e sacralidade — tão presente em Frazer — é base para toda a psicanálise freudiana.

Até mesmo cineastas e romancistas beberam da fonte: da cena do bosque em O Poderoso Chefão ao horror pagão de The Wicker Man, o imaginário de Frazer é constantemente reciclado. Ele criou um léxico simbólico ocidental, mesmo que isso tenha sido feito à revelia do próprio Ocidente.

O ramo continua a florescer

O Ramo de Ouro é mais do que uma obra sobre o passado: é um espelho simbólico do presente. Mesmo que o rei não seja mais sacrificado num bosque, seguimos sacrificando versões de nós mesmos, buscando sentido, repetindo gestos com raízes invisíveis.

Frazer pode ter sido eurocêntrico e evolucionista, sim — mas sua obra sobreviveu porque tocou algo fundamental: a intuição de que o humano vive em busca de passagem. Seja para outro mundo, para uma nova estação, para uma vida melhor ou para o autoconhecimento, ainda precisamos do ramo — dourado, raro, impossível — que nos permita atravessar o invisível.

Como nos lembrou Jung, não abandonamos nossos rituais: apenas os tornamos internos. Como escreveu Eliot: “Esses fragmentos eu reuni contra minha ruína.” E como apontou Frazer, talvez a civilização não seja o fim dos mitos, mas sua forma mais sofisticada.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Fio de Ouro

Há uma lenda que atravessa culturas e épocas, sussurrando que cada vida está presa por um fio de ouro invisível. Algo tênue, quase imperceptível, mas que nos liga ao coração do mundo. Alguns o chamam de destino, outros de essência, outros ainda preferem não nomear — apenas sentir.

O fio de ouro não é apenas uma metáfora poética, mas uma hipótese metafísica que pode iluminar a existência sob uma perspectiva inovadora. Ele sugere que cada vida carrega dentro de si uma linha tênue, brilhando de modo secreto entre os acontecimentos, conectando aquilo que nos parece disperso. O problema é que passamos grande parte do tempo olhando para os nós, não para o fio.

Imagine um dia banal. Você acorda, prepara o café, responde mensagens, atravessa a cidade para mais uma jornada de trabalho. Nada de especial. Contudo, há um momento minúsculo, talvez o olhar trocado com um estranho na padaria ou uma frase perdida num livro aberto sem querer, que parece cintilar mais do que o resto. Ali, o fio de ouro revela sua presença.

A dificuldade é perceber que esses pontos luminosos não são apenas coincidências, mas sinalizações de que há uma trama secreta acontecendo enquanto estamos distraídos. N. Sri Ram, pensador que dedicou parte de sua obra a investigar a sabedoria oculta na vida cotidiana, escreve em A Natureza do Nosso Pensamento que "cada ser humano é um fragmento de uma ordem maior, e a intuição é o toque dessa ordem sobre a consciência". O fio de ouro talvez seja justamente essa intuição — uma vibração fina que nos lembra que a vida não é só o que parece na superfície.

O problema moderno, talvez, seja o excesso de ruído. Vivemos como se tudo fosse disperso, como se cada dia não passasse de uma coleção de episódios desconexos. Perder a percepção do fio de ouro é perder a capacidade de ver o nexo oculto que amarra o que fomos ao que estamos nos tornando. E se há um propósito maior, ele se revela apenas nesses clarões sutis, nunca nas grandes orquestrações.

Mas como encontrar esse fio? A resposta não está em grandes teorias, mas em pequenas práticas. Estar presente. Prestar atenção aos instantes. Não julgar os acontecimentos pelo seu valor aparente, mas pela vibração secreta que carregam. Talvez a vida inteira não passe de um longo exercício de aprender a reconhecer o brilho desse fio — e segui-lo.

Ao final, a pergunta que fica é: será que o fio nos guia para algum lugar ou somos nós que o tecemos conforme caminhamos? A filosofia não pode responder isso com certeza, mas pode sugerir que o próprio ato de procurar o fio já é, por si só, uma forma de estar ligado ao mistério.

Enquanto escrevo, o vento balança levemente as folhas da árvore na janela. Talvez este movimento também faça parte do fio, mas só mais tarde, em algum momento ainda invisível, o sentido se revelará. Até lá, seguimos tateando, atentos às centelhas que insistem em brilhar no meio da vida comum.


segunda-feira, 12 de julho de 2021

Resenha do livro O Segredo da Flor de Ouro um livro de vida chinês

O Segredo da Flor de Ouro é um livro de vida chinês, é um livro sobre meditação e alquimia chinesa traduzido pelo sinólogo Richard Wilhelm e comentado pelo psiquiatra e psicoterapeuta Carl Jung. O livro faz referência a uma metáfora na qual cada um de nós é levado a refletir, convidado a meditar, e iniciar uma caminhada na conquista das chaves que permitirão abrir a consciência na direção da Luz interna, trata-se de uma abertura primordial, simbolizada pela flor de ouro, é um centro de poder e iluminação no qual tudo circula e transcende.

Falar dessa obra é se referir a um dos textos mais importantes sobre a religião taoísta, e também um dos mais polêmicos, não se trata de um livro para simples leitura, trata-se de um livro para estudos, existe nele uma carga imensa de simbolismos de difícil interpretação para nós ocidentais, é importante dar ouvidos e atenção a interpretação de Jung e Wilhelm, mesmo assim o livro ainda é uma tradução “ocidentalizada” de um dos legados espirituais mais relevantes oriente, muitos detalhes foram simplificados para transformá-lo em um manual chinês sobre ioga que o mundo ocidental conseguiria entender perfeitamente em nossa linguagem, sabemos que nossa linguagem não contempla total significado da linguagem oriental, nesta transposição também se perde muito no caminho, no entanto assim como a mandala o estudo nos leva a locais ainda inexplorados, logo se faz necessário estudo e reflexão, trata-se de um trabalho de paciência, trata-se de um retorno para dentro do silêncio e desprendimento das “coisas”.

Graças ao trabalho do psicoterapeuta Jung e do sinólogo Wilhelm, foi publicado podemos ter um conhecimento traduzido a nossa linguagem mais atualizada, ele consegue estabelecer uma tradução, uma transposição de uma simbologia o qual atualmente temos maior dificuldade para entender o caminho em direção ao nosso interior, o caminho que nos leva para uma caminhada até a flor de ouro que habita dentro nós.

Como vemos, é um livro de grande importância, cada vez mais o mundo e principalmente o ocidente vem direcionando maior atenção a ele, já existem muitos grupos de estudos voltados para compreensão da mensagem do caminho para iluminação interior. No entanto, a complexidade de sua religião é imensa, é milenar e como se sabe carregada de simbolismos próprios as crenças culturais. Fala do processo alquímico através do qual iluminaríamos a morada da consciência espiritual, a flor de ouro é um símbolo mandálico, é a luz e a luz do céu o Tao. Para isso, devemos voltar nossa atenção a um recinto sacro interno, à flor dourada que é, ao mesmo tempo, nossa origem e nossa meta. Por sua vez, Wilhelm e Jung, embora tenham deixado alguns conceitos para trás, conseguiram nos oferecer uma obra na qual podemos nos iniciar nessas ideias, nessa filosofia espiritual.

“A Flor de Ouro é a Luz, e a Luz do Céu é o Tao. Aí está a ‘vesícula germinal’, na qual a essência e a vida ainda são uma unidade. O nascimento do processo alquímico ocorre quando o escuro dá lugar à Luz”.

 

A obra trata do nascimento da flor de ouro dentro de nós, o livro é uma referência a necessidade de transmitir o milenar conhecimento oral para um registro mais confiável sem deturpações, principalmente porque vivemos num mundo de desconfiança e insegurança daquilo que chega até nós, nossa capacidade atual de entendimento deste tipo de linguagem é muito questionável, portanto é necessário muita dedicação e mudanças iniciando por vencermos o campo do preconceito muito enraizado em nossa cultura que é contrário as coisas espirituais de origem oriental.

Esta obra é extremamente simbólica e exige inúmeras chaves para seu entendimento, os símbolos referidos são linguagens da alma, as chaves são as formas de entender a simbologia que irá compor o processo de individuação, o processo da individuação depende de nossa própria conquista, é a conquista de nós mesmos, é a presença consciente do estar presente, é o estar inteiro no presente, atento aos nossos movimentos e pensamentos, ações e pensamentos devem estar ligados.

A compreensão do ser humano é dividida em duas partes principais no entendimento de Jung que tem uma visão própria e bem fundamentada, ele pensa que as experiências do inconsciente não é só um bolsão de experiências de nossas vivencias, é também que o ser humano não nasce apenas das experiências conscientes, pensa haver algo a priori, que existe algo dentro de cada um de nós e este algo gera o consciente, neste caso seria o self para Jung.

Ser – eu mesmo – self – inconsciente - superior (Triangulo)

Personalidade – pensamentos – mente- emoções – corpo físico – inferior

Este self de Jung é este algo do inconsciente a priori que irá se manifestar, e é algo extremamente simples, poderíamos de maneira simples proporcionar que está semente se expresse e está realização aflore, sem a necessidade de buscar fora a realização através de coisas que irão apenas nos desconectar com nosso interior, não é possível manter a chama da felicidade acesa com o desenraizamento do eu consciente do eu inconsciente, na verdade nós complicamos nossa vida tornando-a mais complexa pela busca desesperada lá fora, interrompendo o curso natural da vida, criamos bloqueios que nos prejudicarão levando a morte em vida, ou seja, um morto vivo é aquele que está perdido e vive com um autômato, nega seus instintos naturais, delega para outros e outras coisas o comando de sua vida.

Os fundadores do budismo e do taoísmo ensinaram que devemos olhar para a ponta do nariz. Não quiseram dizer com isso que devemos fixar os pensamentos na ponta do nariz. Também não quiseram dizer que enquanto olhamos a ponta do nariz os pensamentos devem concentrar-se no centro amarelo. Para onde o olhar se dirige, para o mesmo ponto se dirige o coração. Como é possível olhar simultaneamente para cima (centro amarelo) e para baixo (ponta do nariz) ou, alternadamente, ora para cima e ora para baixo? Mas tudo isso significa confundir o dedo com o qual apontamos a lua, com a própria lua.

O que quer isto dizer? A palavra ponta do nariz foi escolhida com muita agudeza. O nariz deve servir como uma linha diretriz para os olhos. Quando abrimos os olhos bem abertos e olhamos para a distância de modo a não ver o nariz, ou então baixamos demasiadamente as pálpebras, de modo que os olhos se fecham e também não vemos o nariz, não nos orientamos por este último. Mas se abrirmos demais os olhos, cometeremos o erro de dirigi-los para fora, o que nos distrai facilmente. Por outro lado, se os fecharmos demais, cometeremos o erro de vertê-los para dentro, o que nos induzirá a um devaneio absorvente. Só quando baixamos as pálpebras na justa medida vemos a ponta do nariz de um modo adequado. É por isso que devemos tomá-la como linha diretriz. Tudo depende de baixarmos corretamente as pálpebras, deixando a luz irradiar para dentro por si mesma, sem pretender que a nossa concentração determine a irradiação da luz para dentro. Olhar para a ponta do nariz serve apenas no começo da concentração interior, a fim de dirigir os olhos na direção correta e nela se manter. Depois, isto não tem mais importância. É como o pedreiro, suspendendo o seu fio de prumo. Assim que o pedreiro o suspende, seu trabalho se orienta por ele, sem que se preocupe em olhar constantemente para o fio de prumo.

O caminho do indivíduo na busca pelo despertar da flor de ouro, é um caminho com uma consciência mais alta, o caminho é de integridade, a segurança é interior, a segurança exterior deixa de ter tanto valor, a segurança tem valores internos, é um caminho de entrega total a vida, não é possível haver separação ou dualidade, é necessário focar no interior, não é possível alimentar duas pessoas internamente, a intenção deverá ser legitima, sejamos um só, a meta é o uni, trata-se de uma postura de integridade em tudo que fazemos, sejam em minhas relações de trabalho, de família, de amigos, esta é a maneira de caminhar em direção a flor de ouro, por isto realmente é uma proposta muito séria que irá proporcionar mudanças.

Nossa consciência quando voltada para o exterior fica preso as coisas, as coisas acabam me prendendo e me torno um escravo delas, é o que Jung chama de participação mística, quando as pessoas conseguem livrar-se desta prisão é quando há desprendimento das coisas do mundo, é quando sente que já não dá tanta importância, então este é um estado de felicidade pela integridade do ser.

 

O passo que conduz a uma consciência mais alta deixa-nos sem qualquer segurança, com a retaguarda desguarnecida. O indivíduo deve entregar-se ao Caminho com toda a sua energia, pois só mediante sua integridade poderá prosseguir e só ela será uma garantia de que tal caminho não se torne uma aventura absurda.

Quer receba seu destino de fora ou de dentro, as vivências e os acontecimentos do Caminho são os mesmos. Por isso, nada preciso dizer acerca dos múltiplos acontecimentos externos ou internos, cuja variedade infinita não pode ser abarcada. Em relação ao texto comentado, isso não teria também qualquer importância.

A consciência não é mais dominada por intenções compulsivas em adquirir ou manter coisas como realizações, por isso é importante voltar nossa atenção para o nosso centro e sair do centro dos objetos, a questão é quem me possui são meus objetos ou eu possuo meus objetos?,  quando me desprendo e desapego destas coisas extramundanos me aproximo do meu centro onde se encontra semente do meu centro, é onde encontra-se a semente da flor de ouro, vejamos que aqui não se trata de uma fuga do mundo, na verdade é estabelecer o lugar de cada um e cada coisa, é na verdade evitar a influência destas coisas e deste caminho do ter sem ser, mantenha-se só e isolado, o que se quer dizer é manter sua consciência alta num lugar que não baixe sua vibração e com maior visão para colaborar com as soluções, evitando o entrelaçamentos de mundos que não cabem por serem diferentes, evitamos nos projetar nas coisas, pois caso contrário acabamos retirando energia de nós mesmos.

Uma chave para abrir a porta do interior é através da contemplação e meditação:

 

A contemplação pela fixação é indispensável, ela produz o fortalecimento da iluminação. Só que não podemos ficar sentados rigidamente quando despertam os pensamentos mundanos, mas devemos examinar onde se acham tais pensamentos, como surgiram e onde se extinguem. Mas levando adiante esta ponderação não chegamos ao fim. Devemos limitar-nos a ver de onde surgiram esses pensamentos, sem procurar muito além de sua origem; pois achar o coração (consciência), descobrir a consciência pela consciência, eis algo de irrealizável. Pretendemos pôr em repouso os estados do coração, conjuntamente: tal é a verdadeira contemplação. O que for contrário a isto é uma falsa contemplação. Não leva a meta alguma. Quando, apesar de tudo, continua incessantemente o fluxo dos pensamentos, devemos parar e entrar em contemplação. Então contemplemos e recomecemos a meditação pela fixação. É o duplo cultivar do fortalecimento da iluminação. A isto se denomina movimento circular da luz. Movimento circular é fixar. A luz é contemplação. Fixar sem contemplação é um movimento circular sem luz. Contemplação sem fixar é luz sem movimento circular. Lembrai-vos disto!

Outra chave muito importante é o movimento circular da luz, e deixar a vida fluir, permitir que nossos potencias latentes se desenvolvam, não negar, nem reprimir, ver as coisas como são, evitar o domínio, mas entender para dominar.

 

O deixar-acontecer (Sichlassen), na expressão de Mestre ECKHART, a ação da não-ação foi, para mim, uma chave que abriu a porta para entrar no caminho: Devemos deixar as coisas acontecerem psiquicamente. Eis uma arte que muita gente desconhece. É que muitas pessoas sempre parecem estar querendo ajudar, corrigindo e negando, sem permitir que o processo psíquico se cumpra calmamente.

O movimento circular da luz é o que irá através de nossas experiências fazer despertar está luz, e a faz circular em nossa vida e em nossa espiritualidade, é o fluxo natural da vida que está acontecendo, toda a energia circula, é a vida circulando, a luz do centro é algo natural que faz brotar seus potenciais através da vida, para fazer isto que é próprio do ser vai iniciar somente quando o obrigarmos a iniciar, ele inicia quando já demos o máximo de nós e quando aparentemente não temos mais solução, a vida só irá nos dar algo que precisamos e quando precisarmos, a vida não irá nos dar algo que ainda não precisamos, é necessário ir até nossos limites, quando dou toda minha atenção com disciplina, é quando a vida nos dá algo mais para prosseguirmos na caminhada.

 

Atualmente, o saber externo é o maior obstáculo à introspecção, mas a necessidade anímica ultrapassará todas as obstruções. Já estamos construindo uma psicologia, uma ciência que nos dará a chave das coisas que o Oriente só descobriu através de estados anímicos excepcionais!

 

O movimento circular da luz é alimentado por nossa força em querer de verdade enfrentar as situações, não negar, não fugir, evitar relacionamentos e situações, então se fujo das tensões, tiramos as necessidades e acabo desobrigando a vida nos oferecer mais daquilo que a vida pode nos dar, fugir e negar seriam atitudes erradas em dar movimento circular da luz, esta lei de chegar ao limite é uma das leis do movimento circular da luz, viver no mundo é viver sem os valores do mundo e sim com os potenciais do ser que vive em contato com a luz.

 

A grande chave do corpo humano é concentrar a flor-semente em cima, no olho. Filhos, refleti sobre isto! Se não cultivardes um dia a meditação, esta luz se derramará, quem sabe para onde. Se cultivardes a meditação apenas durante um quarto de hora, com isso podeis cumprir os dez mil eons e mil nascimentos. Todos os métodos desembocam na tranquilidade. Impossível imaginar este maravilhoso processo mágico.

 Fixar o pensamento no espaço entre os dois olhos produz a entrada da luz. Depois, o espírito se cristaliza e entra no centro em meio às circunstâncias. O centro em meio às circunstâncias é o campo de Elixir inferior, o espaço da força (plexo solar).

O mestre indica tudo isto secretamente ao dizer: Ao iniciar o trabalho devemos sentar-nos numa sala tranquila, o corpo como madeira seca, o coração como cinza fria. Baixemos então as pálpebras dos dois olhos e olhemos para dentro; purifiquemos o coração, lavemos o pensar, interrompamos os prazeres e preservemos a semente. Diariamente devemos sentar-nos no chão, de pernas cruzadas, para meditar. Detenha-se a luz dos olhos, cristalize-se o poder auditivo do ouvido, e restrinja-se o poder gustativo da língua, isto é, a língua deve ficar apoiada no céu da boca. A respiração pelo nariz deve ser ritmada e os pensamentos devem fixar-se no portal escuro. Se o ritmo da respiração não for previamente estabelecido, é de temer-se que haja perturbações respiratórias, com obstruções. Ao fecharmos os olhos, devemos voltar-nos, como ponto de referência, para um lugar situado no dorso do nariz; tal lugar fica pouco menos de meia polegada abaixo da interseção das linhas visuais, lá onde o nariz possui uma saliência. Então se começa a concentrar os pensamentos, torna-se rítmica a respiração, corpo e coração devem estar à vontade e harmônicos. A luz dos olhos deve brilhar tranquilamente, de modo prolongado, sem que haja sonolência ou distração. O olho hão vê o que acontece fora, mas baixa as pálpebras e ilumina o interior. Este é então iluminado. A boca não fala, nem ri. Os lábios encontram-se cerrados e a respiração é interiorizada. A respiração fica neste lugar. O nariz não sente nenhum odor. O olfato fica neste lugar (interno). O ouvido não ouve o ruído exterior. A audição está neste lugar. O coração inteiro vigia o interior. Sua vigilância está neste lugar.

Os pensamentos não se precipitam para fora, os pensamentos verdadeiros duram por si mesmos. Se os pensamentos são duradouros, a semente torna-se duradoura; se a semente é duradoura, a força torna-se duradoura; se a força é duradoura, o espírito torna-se duradouro. O espírito é o pensamento, o pensamento é o coração, o coração é o fogo, o fogo é o Elixir. Quando se contempla o interior desse modo, o milagre de abrir e fechar dos portais do céu torna-se inesgotável. Mas sem tornar rítmica a respiração, não é possível efetuar os segredos mais profundos.

Para entrar em conta com o movimento circular da luz é preciso meditar, a meditação nos proporcionara momentos maravilhosos, momentos ímpares onde para cada um há uma experiência diferente e única, é o momento de bebermos na fonte e carregarmos nosso corpo e alma da mais bela e luminosa energia, é momento de nos prepararmos para enfrentar as trevas e tirar das trevas aqueles que ainda insistem em permanecer nelas.

Às vezes podemos experimentar o seguinte: logo que se entra em tranquilidade, a luz dos olhos começa a chamejar, de modo que diante de nós tudo se torna iluminado, tal como se estivéssemos dentro de uma nuvem. Se abrirmos os olhos e procurarmos o nosso corpo, não o encontraremos. Chama-se a isto: "O aposento vazio torna-se luminoso". Dentro e fora, tudo fica igualmente luminoso. Este é um sinal muito favorável.

Quando nos sentamos para meditar, o corpo carnal torna-se inteiramente brilhante, como seda ou jade. É difícil permanecer sentados, pois sentimo-nos como que arrebatados. Isto significa: "O espírito regressa e bate no céu". Com o tempo podemos ter a vivência de que verdadeiramente levitamos.

O movimento circular da luz precisa de condições para se manifestar e campo fértil para brotar, a semeadura depende de disciplina, a disciplina é respeito a mandamentos que norteiam seus peregrinos, permanecer firme na caminhada é também não esmorecer quando os resultados demorem a chegar, se demoram é porque ainda não criamos os elementos necessários para a semente germinar, pense no que esta bloqueando.

 

Mas quem não tiver as condições necessárias, poderá encontrar algo, porém o céu não lhe concederá o seu Tao. Por quê? As condições interiores necessárias pertencem ao Tao como uma asa de pássaro à outra; faltando uma, a outra nada poderá fazer. Por isso são necessárias fidelidade e veneração, bondade e justiça e uma obediência pura aos cinco mandamentos4; somente depois podemos ter a esperança de alcançar algo. Mas todas as sutilezas e todos os segredos são apresentados neste Livro da Consciência e da Vida, como objeto de meditação e reflexão, de modo que tudo possa ser alcançado em sua verdade.  Os cinco mandamentos budistas são: 1) não matar; 2) não roubar; 3) não cometer adultério; 4) não mentir; 5) não beber, nem comer carne.

 

Quando não se compreende o ensinamento da consciência e da vida, recitando-se apenas seca e isoladamente as fórmulas da meditação, como seria possível deixar o Julai surgir do próprio corpo aparecendo radioso, sentado na magnífica flor de lótus, em seu corpo espiritual?! Muitos dizem ser o espírito da luz um ensinamento diminuto, mas como pode um ensinamento do Senhor do mundo ser diminuto? Revelei agora, com estas palavras, o mais profundo segredo do Long Yen, a fim de ensinar aos futuros discípulos. Quem compreender este caminho, elevar-se-á imediatamente até o segredo obscuro e não submergirá mais na poeira do cotidiano.

 

Percebemos que ao ingressar neste caminho de conhecimento metafisico estamos caminhando em direção a iluminação, estamos caminhando em direção ao divino, quando nos voltamos para dentro entendemos que estamos mais fora que dentro, voltar-nos para dentro é conhecer-nos a nós mesmos, conhece-te a ti mesmo é isto, é voltar-se para dentro, quando entendermos isto, encontramos nossa harmonia e nos faz perceber que Deus está fora e está dentro de nós e é percebido por nossos próprios atributos, percebe-se que Deus não está mais fora e dentro, o que existe é a unidade, o que existe é que somos um digito de Deus, agora entendemos que somos parte da natureza, finalmente construímos nosso amadurecimento psicológico e vemos a verdadeira realidade, são nossos olhos da alma que tiram o véu da ilusão.

A obra tem um valor inestimável, a leitura básica não é suficiente para captar a imensidão de simbolismos, precisamos estar preparados para entender as mensagens, primeiramente deixar de lado os preconceitos criados por nosso modo racional e material de ver o mundo e a nós mesmos, os resultados serão obtidos conforme o grau de evolução de cada um, é preciso disciplina, reflexões e meditações.

Fonte: Jung, Carl Gustav. O segredo da flor de ouro: um livro de vida chinês/ C.G.Jung, R. Wilhelm; tradução de Dora Ferreira da Silva e Maria Luiza Appy. 15.ed.-Petrópolis, RJ ; Vozes, 2013